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    José Neto

    Estudante de História e analista geopolítico. De Canguaretama, Rio Grande do Norte.

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    O urso apenas se defende (PARTE Il)

    A Rússia quer respeito e neutralidade da nação. Respeito aos acordos de não expansão para o leste

    Presidentes Volodymyr Zelensky (Ucrânia) e Vladimir Putin (Rússia) (Foto: Reuters)

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    Antes de chegarmos às escaladas militares que começaram em 2014, a partir do golpe de Estado na Ucrânia, e que se intensificaram atualmente, devemos olhar para a história da conflituosa relação entre Rússia e Ucrânia. Ambos os países têm inúmeros laços culturais que os envolvem; na verdade, a Rússia estava dentro da Ucrânia do século IX ao XVI - a chamada Rússia de Kiev. Entretanto, a partir do século XIII, o país foi engolido pelo Império Mongol, invasão liderada pelo comandante Batu Khan que destruiu a nação e transformou seu território em um de seus pilares.

    Tal ocupação foi um fator importantíssimo para a construção de uma unidade nacional sentimental entre os países. Além dos mongóis, o país chegou a ser anexado pelos poloneses e lituanos, mas, no século XVII, voltou a ser parte do império russo.

    A Ucrânia dentro do império russo sofreu tanto repressão física quanto cultural, pois foram contidas a sua língua e as suas representações culturais. Entretanto, tudo mudou com os acontecimentos do início do século XX, pois o império russo estava passando por uma revolução proletária, contra o czarismo opressor e pela saída da primeira guerra mundial, e os bolcheviques, ala liderada por Lênin, se consagraram vitoriosos em outubro de 1917, montando um governo de camponeses e trabalhadores, onde ambos os grupos conseguiram vitórias sociais e ampliação de direitos.

    Em 1922, foi fundada a União Soviética (URSS), liderada pelo próprio Lenin e por conselhos de trabalhadores, mas, antes da fundação da URSS, o novo líder russo deu mais autonomia à Ucrânia, mesmo sendo importante para a Rússia tanto geograficamente quanto economicamente. Apesar disso, em 1921, pelas tensões e conflitos gerados durante a revolução bolchevique, a Ucrânia voltou a fazer parte do poderio russo como uma república soviética. Geograficamente, a nação não é cercada por áreas naturais que dificultariam os invasores e potências estrangeiras, o que a deixa vulnerável em conflitos.

    Após o controle soviético, o país voltou a ser dominado por outro país estrangeiro, a Alemanha Nazista, em 1941, durante os acontecimentos da segunda guerra mundial, e foi imposto no um regime de extermínio e opressão, principalmente aos judeos e eslavos. Foi libertada em 1944 pelo Exército Vermelho soviético, voltando a fazer parte da Rússia; dessa forma, a Ucrânia foi uma das repúblicas da primeira nação socialista da história e, com o fim da mesma, alcançou sua independência, em 1991.

    A Ucrânia herdou da ex-União Soviética bases industriais e uma grande força bélica, além de uma vasta agroindústria - favorecida pelo seu solo. Entretanto, como os neoliberais estavam prevalecendo na economia mundial e a Ucrânia não ficaria de fora, houve uma queda econômica de cerca de 60%, após o fim da URSS, dados do PIB (Produto interno bruto), entre os anos de 1998 e 1999. Como consequência das reformas liberais, houve uma queda da qualidade de vida e das instituições de seguridade social.

    Além da crise econômica e do desmantelamento das instituições estatais, o país vivia um conflito político sem precedentes e que perdurou até os dias atuais. Há dois blocos antagônicos que brigaram e se alternaram no poder de 1991 a 2014, ambos com interesses e objetivos irreconciliáveis. Um dos blocos, formado pelas elites industriais e por grupos ultranacionalistas - de extrema-direita - e que se consagrou vencedor após o golpe de 2014, tem interesses pró-ocidentais e quer integrar-se à OTAN e à União Europeia (UE), o bloco é. Já o outro bloco, formado por ex-burocratas da extinta URSS e por setores da esquerda e da burguesia protecionista, tem preferência por uma aliança estratégica e de múltipla cooperação com a Rússia, bloco com maior adesão no leste do país.

    Foi do conflito entre eles que nasceram as manifestações na praça Maidan em 2014, o golpe, a resposta russa, a guerra civil e o conflito atual. Mas, se avaliarmos com atenção, tudo o que ocorreu na Ucrânia foi por desejo de integração em alguma zona de influência estrangeira. Então, faremos uma pergunta: o que tem a Ucrânia de especial?

    A Ucrânia é um país que está entre a Europa e a Rússia, portanto, um país estratégico. Além da posição espacial favorável, a Ucrânia tem uma boa indústria e um razoável exército. Com o fim da URSS, o país herdou o maior arsenal nuclear do mundo, mas assinou o tratado de redução de armas de destruição em massa, em 1992, e as entregou à Rússia. Em 1996, entrou para a organização de não proliferação de armas nucleares e, como consequência, passou a não produzir mais armas dessa magnitude, tendo também o seu exército reduzido. Dado tal conjunto de características, a Ucrânia é um país que todas as potências querem gerenciar. Com a subida do mandatário russo ao poder e com sua fórmula de reconstrução das zonas de influências das ex-repúblicas soviéticas, o país cada vez mais atrai os olhos da OTAN, que se contrapõe a Putin.

    Desse jogo entre potências, chegamos ao fatídico ano de 2014. Em 2010, nas eleições presidenciais ucranianas, foi eleito Viktor Yanukovych, o qual era próximo ao governo e à política russa. O governo anterior, de Viktor Yushchenko, nasceu da "revolução laranja", movimento contra a corrupção, e tinha por objetivo uma aproximação com a União Europeia (UE); mas o governo de Yanukovych rompeu o processo e se reaproximou da Rússia.

    A partir deste distanciamento da UE, começaram os protestos na praça Euromaidan em 2014. Tais movimentações, que reuniram desde estudantes a grupos de extrema-direita, queriam que o país entrasse na UE,tendo o apoio de organizações e instituições políticas estrangeiras, como o próprio governo dos EUA. Inclusive, de acordo com uma reportagem do Yahoo! News, a CIA havia treinado secretamente "insurgentes" - extremistas - na Ucrânia.

    Com o apoio externo somado à insatisfação de uma boa parcela da população, os protestos cresceram exponencialmente e houveram confrontos com o Estado, desencadeando uma guerra entre rebeldes e governo. Com essa convulsão social, o parlamento decidiu dar um “golpe brando'' em Viktor Yanukovych e marcou eleições para 25 de maio de 2014.

    Antes da eleição, entrou um governo interino liderado por Oleksandr Turchynov, mas que renunciou no dia das eleições presidenciais marcadas pelo parlamento. Então, nas eleições de 25 de maio, se sagrou vencedor Petro Poroshenko, bilionário de ultra direita, que iria fazer um governo totalmente anti-Rússia - mesmo querendo um acordo com o país - e pró-ocidente - aproximando o país da UE novamente.

    A resposta russa ao golpe ucraniano

    A resposta russa foi apelar para o nacionalismo, a história e os laços culturais de regiões ligadas à Rússia. Em março de 2014, o governo russo interviu e fez um referendo na Crimeia, região ao sul da Ucrânia, e após 96,8% dos moradores escolherem fazer parte da Federação Russa, o país foi incorporado à nação. Na verdade, a Crimeia sempre foi russa, fato refletido em sua cultura e em sua língua; contudo, a região, em 1954, foi dada à Ucrânia pelo parlamento soviético e pelo líder Nikita Khrushchov. A zona é de extrema importância para a Rússia, tanto por ser rica energeticamente, quanto por sua posição geograficamente privilegiada . Logo após a incorporação da Criméia, Donetsk e Lugansk, situadas na região de Donbass, tentaram sua independência da Ucrânia e uma aproximação com a Rússia; mas o Estado ucraniano não concordou com tal movimentação e ambos os lados travaram uma guerra-civil. Tendo o apoio de diversos atores estrangeiros, causou entre 13 a 30 mil mortes, chegando ao fim em 2014, com os acordos de Minsk. Os acordos assinados na capital da Bielorrússia, com mediação de atores estrangeiros, decretaram um cessar-fogo na região, até 2021 buscarem a paz e as repúblicas separatistas fazerem referendos para a construção das suas repúblicas.

    As novas escaladas militares

    A partir da eleição de Vladimir Zelenski, em 2019, a Ucrânia continuou a fazer oposição à Rússia e a encaminhar a sua integração ao Ocidente. Entretanto, essa integração não foi realizada de forma cooperativa, pois, em fevereiro de 2021, o governo ucraniano começou a comprar armamentos ocidentais para lidar com os separatistas, violando os tratados de Minsk.

    A quebra das negociações de paz foi o de menos, pois a Ucrânia chamou a OTAN para o seu território, país que deveria ser neutro, e ainda levou-a à porta da casa russa. A resposta russa foi contundente e firme: o Kremlin ordenou que 100 mil soldados terrestres e 21 mil militares da marinha e das forças aéreas ficassem na fronteira para se defender no caso de ingerência ocidental. A ingerência continuou a acontecer e, em 24 de março, os russos para a liberação da Ucrânia. Dessa forma, podemos notar que a narrativa de uma “invasão russa” vinda dos ocidentais, também abraçada pelas mídias cooperativas, não passa de uma mentira ocidental para mascarar sua busca por zonas de influência e legitimação de violência contra a segurança russa. Se a OTAN respeitasse sua palavra, acordada durante a transição do socialismo para o capitalismo na ex-URSS, não teríamos essas escaladas militares, as mortes e os refugiados. Por esses motivos, a "operação militar especial", denominada pela governança russa, tem o direito de defender seu território e a população étnica russa. Dessa forma, foi por ambos os motivo que a Rússia decidiu agir, fazendo essa resposta em etapas: a primeira etapa foi o reconhecimento das repúblicas separatistas e o envio de material bélico para sua defesa; e a segunda etapa, após inúmeros ataques ucranianos ao território independente, a Rússia decide partir para a resposta e lançar uma ofensiva contra o país do Leste Europeu, de acordo com presidente russo, Vladimir Putin, para “desmilitarizar” e "desnazificação" da nação. A ofensiva bélica se deu por terra, mar e água, causando destruições gigantes à Ucrânia e sua população, que foi a grande vítima da política oligarquia ucraniana pró-otan - pró-guerra. Além disso, estamos esquecendo dos atores que jogaram gasolina em uma área que já estava pegando fogo e, depois que o incêndio se expandiu, eles saíram correndo: os ocidentais. Esse grupo de países fez de tudo para por a Ucrânia como um fator anti-Rússia e legitimava os autoritarismo de Kiev, mas quando a resposta russa veio eles deixaram a Ucrânia sozinha, compraram a opinião pública com sua narrativa e estão jogando um caminhão de sanções. Contudo, depois das críticas demagógicas ocidentais sobre a soberania territorial, imaginemos: e se a Rússia, claramente oposta aos interesses norte-americanos, colocasse armas e tropas no Canadá, México, Cuba ou em algum país da Europa, qual seria a resposta dos EUA/OTAN? - como Putin já comparou. Essa reflexão mostra a incoerência e falta de respeito do Ocidente.

    Qual bloco sairá fortalecido?

    O mundo vive hoje uma nova bipolarização mundial entre duas potências: os EUA e a China. A nova divisão global possui várias diferenças com a do século XX - como os dois países terem laços econômicos entre si -, mas são semelhantes em alguns aspectos. Nota-se que a Rússia já escolheu seu lado, uma vez que possui com a China inúmeros acordos estratégicos e de cooperação, trazendo benefícios para ambos. Além disso, os países já se alinharam nas atitudes externas, como no caso do Cazaquistão, o qual estava passando por uma série de protestos violentos coordenados por atores estrangeiros e por ONGs que inflamavam os manifestantes. Os países também concordaram no caso da Ucrânia e mostraram-se unidos para enfrentar o Ocidente. Além de rechaçar suas críticas ao ocidente por não serem leais e não atenderem as demandas russas sobre a soberania nacional, aliás, a China reconhece como legítima a ida das tropas russas para defender sua população na Ucrânia. Desse modo, observamos que a resolução dos eventos na Ucrânia fortalecerá algum dos lados dessa nova “guerra fria”.

    Portanto, a crise na Ucrânia nada mais é do que um cerco exagerado: o lado do "vilão", de Putin, não quer pegar a Ucrânia e torná-la uma zona de influência russa; na verdade, a Rússia quer respeito e neutralidade da nação. Respeito aos acordos de não expansão para o leste, respeito aos referendos nas republicanos separatistas e respeito aos acordos de Minsk. A guerra não é culpa da Rússia, pois a nação já tinha avisado: não queremos a OTAN na porta da nossa casa.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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