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    Olimpíadas para quem? Golfe para quem?

    No Brasil, convencionalmente, as autoridades públicas alegam almejar "legados sociais" para promover a realização de eventos esportivos internacionais. Essa é uma das suas mais conhecidas ladainhas

    No Brasil, convencionalmente, as autoridades públicas alegam almejar "legados sociais" para promover a realização de eventos esportivos internacionais. Essa é uma das suas mais conhecidas ladainhas (Foto: Roberto Bitencourt da Silva)

    No Brasil, convencionalmente, as autoridades públicas alegam almejar "legados sociais" para promover a realização de eventos esportivos internacionais. Essa é uma das suas mais conhecidas ladainhas. Igualmente, uma das mais ilusórias.

    Os Jogos Pan-Americanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro, resultaram em absoluta incompatibilidade entre a retórica oficial e os "legados" para a população. Equipamentos esportivos caros e hoje depreciados, em parte transferidos para a iniciativa privada, sem qualquer utilidade pública.

    A Copa do Mundo de 2014, no que diz respeito ao Rio, redundou na transformação do Maracanã em um estádio privatizado e elitista, com preços de ingressos elevados. Tivemos o "legado" da transferência do lendário palco do futebol para um consórcio de empresas privadas – formado pela Odebrecht, AEG (empresa estadunidense de seguros), IMX Venues e Arenas. Mas, a sua reconstrução se deu com vultosos recursos públicos. Por outro lado, um "legado" adicional da Copa foi a intimidação e a repressão às manifestações na cidade, culminando na arbitrária prisão de ativistas, ao final da Copa.

    O que se tem visto, no Rio, é o "legado" de uma cidade sitiada pelos negócios, pelas grandes marcas corporativas internacionais, pelo uso sistemático de recursos públicos para atender a poderosos interesses empresariais. Em suma, "legado" de uma cidadania encurralada pelo capital. Inúmeras autoridades públicas a seu serviço.

    As Olimpíadas de 2016 já têm revelado o seu "legado": desapropriações de casas de milhares de famílias das classes populares, caos urbano – em que se torna cada dia mais difícil transitar no Rio – e degradação ambiental. É este último "legado" que quero destacar.

    O movimento "Ocupa Golfe" e a crítica aos danos ambientais

    Há mais de uma semana ativistas têm ocupado a entrada de uma obra bastante controversa, voltada às Olimpíadas, no bairro da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. O nome dado ao movimento de protesto é "Ocupa Golfe". Estive conversando com os ativistas na ocupação, no sábado (13/12). Tratam-se de simpáticos/as e bastante esclarecidos/as jovens estudantes universitários/as e trabalhadores/as, não poucos/as de campos de conhecimento associados à área ambiental.

    O grau de desprendimento desses/as jovens, muito mal acomodados/as nas precárias e improvisadas instalações, é incalculável. Um comprometimento com o interesse público raramente encontrado em nossa sociedade. Ademais, eles preferem preservar o anonimato, por conta da lógica horizontalizada e sem lideranças da ocupação. Refutam qualquer laivo de personalismo e de hierarquia dirigente.

    O protesto tem como foco a construção de um campo olímpico de golfe. A cidade do Rio de Janeiro possui dois campos, o Gávea Golf Club e o Itanhangá Golf Club. Porém, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) decidiu promover a criação de nova área para a prática esportiva, tendo em vista as Olimpíadas.

    A página oficial dos Jogos Olímpicos afirma que a área na Barra da Tijuca se "tornará o primeiro campo de golfe público da cidade, contribuindo para a popularização do esporte" (leia mais). Tenho dúvidas se é para rir ou chorar com tamanho absurdo. Um campo de golfe como "legado social"? Escárnio com a população, particularmente com amplos setores sociais que convivem com péssimos transportes públicos, saúde e educação desvalorizadas.

    Segundo informações oferecidas por um manifestante, "o prefeito alegou que o Comitê Olímpico Internacional enviou carta, afirmando que um dos campos de golfe existentes – o Itanhangá – não atendia aos parâmetros estabelecidos". Contudo, solicitações de acesso à carta do COI não foram atendidas pela Prefeitura, pecando a mesma por falta de transparência.

    Alegando não querer gastar o dinheiro do contribuinte, Paes fez uma parceria com um empreendimento imobiliário na região, da empresa Fiori Empreendimentos, para que se construa com recursos próprios o campo de golfe. Um ativista informou ter o prefeito acentuado que os "custos públicos girariam em torno de R$ 60 milhões para construir o campo de golfe". Por isso o prefeito tem defendido a ideia de que os recursos serão exclusivamente privados. No entanto, em pesquisas realizadas pelo mesmo ativista, a "construção de um campo de golfe não chegaria a R$ 10 milhões".

    As contrapartidas oferecidas pela Prefeitura representam, precisamente, os principais problemas identificados pelos/as manifestantes do "Ocupa Golfe": de um lado, a alteração do gabarito para construção predial na área, de 6 para 22 andares, com mais de 20 blocos de apartamentos. Na projeção feita, isso pode "corresponder à obtenção de R$ 1 bilhão em lucros para os donos do empreendimento imobiliário e esportivo".

    Para um mercado que explora o consumo suntuoso e a moradia de luxo, nada mal um campo de golfe ao lado de condomínio. Por outro lado, o prefeito comprometeu-se em oferecer renúncia fiscal. Esta envolve o perdão de 5 anos de dívidas com o IPTU e a isenção futura por mais 20 anos. Conforme estimativa de um ativista, tudo isso pode fazer com que a Prefeitura "deixe de arrecadar R$ 60 milhões em IPTU".

    Não bastassem as evidentes vantagens econômicas concedidas ao empreendimento privado, eis o problema maior: Eduardo Paes incluiu área de reserva ambiental do Parque Natural Municipal Marapendi na construção do campo de golfe. Uma área de preservação permanente, junto à lagoa de Marapendi. De acordo com estimativa feita por um manifestante, a extensão da área que deveria ser protegida corresponde "a algo em torno de ¼ a 1/3 de todo o empreendimento". Os danos ambientais, com as intervenções em curso, já se fazem sentir.

    O jacaré-de-papo-amarelo – leitor de outro estado, acredite, existem jacarés na urbe carioca –, espécie considerada em extinção, está submetido a uma drástica redução de território e à intensa poluição das águas, por conta dos frutos da especulação imobiliária na região. Há poucos dias um filhote foi encontrado atropelado na movimentada avenida das Américas.

    Segundo uma ativista, a coruja-buraqueira é também uma "espécie ameaçada". Ela guarda seus filhotes em buracos feitos no chão. Com o aterramento da área do campo de golfe, "muitos filhotes morreram e os adultos se veem perdidos em migração". Espécies endêmicas, isto é, que só existem na região, têm sofrido demasiadamente com a redução do habitat. A "borboleta da praia, a lagartixa branca e a planta" conhecida como "jarrinha", estão "sob ameaça".

    Conforme outro manifestante integrante da ocupação, relato de uma moradora das proximidades afirma ter visto um inédito bicho-preguiça em seu condomínio. O habitat da preguiça é (ou era) a reserva. Assim, os animais estão evadindo do local, fazem coro os/as ativistas. Comprometendo a beleza e a pujança da natureza da "Cidade Maravilhosa", o que igualmente está em evasão no Rio é a sua notória identidade associada aos "encantos mil".

    Vale observar que, segundo David Harvey, uma das características do capitalismo contemporâneo é a "acumulação de capital por meio da desapropriação à força". Desapropriação de casas populares visando a valorização de terrenos e áreas antes desinteressantes ao capital financeiro e imobiliário. Nisso o prefeito Eduardo Paes em muito tem contribuído, removendo inúmeras famílias pobres de suas moradias.

    Nesse processo especulativo em que vive a cidade do Rio, sob a égide de Paes, nem a fauna consegue deixar de ser desapropriada. O capital acima de tudo, os ganhos muito bem privatizados. Contudo, para usar clássica e antiga expressão cunhada por Celso Furtado, a degradação social e, no caso em questão, ambiental, tem patrocinado uma verdadeira "socialização das perdas", para as atuais e as futuras gerações.

    Em busca de uma CPI na Câmara de Vereadores

    O Ministério Público entrou no circuito no mês de agosto, requisitando embargo das obras no campo de golfe e a suspensão do licenciamento ambiental concedido. O juiz Eduardo Antonio Klausner rejeitou o pedido, mas o MP procura recorrer. De acordo com um ativista, a questão "continua tramitando no Judiciário". Um grave problema identificado é a "falta de repercussão e visibilidade nos meios de comunicação". Nesse sentido, chamar a atenção pública traduz o significado maior da desconfortável, mas corajosa ocupação em frente ao terreno (ver nota de esclarecimento do "Ocupa Golfe").

    O vereador Renato Cinco (PSOL), ao final do mês de novembro, deu entrada em pedido de instalação de uma CPI do "Campo de Golfe" na Câmara de Vereadores. Até o momento alcançou poucas assinaturas em apoio, dos seguintes parlamentares: Eliomar Coelho (PSOL), Jefferson Moura (PSOL), Paulo Pinheiro (PSOL), Leonel Brizola Neto (PDT), Márcio Garcia (PR), Reimont (PT) e Teresa Bergher (PSDB).

    Em contato com o vereador, Renato informou que precisa de "17 assinaturas para ver instalada a CPI" e que perseguirá o intento "também no próximo ano". Indagado sobre a posição dos integrantes da base parlamentar do governo Paes – formada por aproximadamente 40 vereadores –, segundo Renato, "a turma lá é parlamentar, mas não gosta de parlar muito". Portanto, o silêncio e o desinteresse imperam na casa legislativa, amplamente dominada pelo Executivo.

    E o PT?

    Ainda sem muita clareza na definição dos recursos a serem encaminhados pelo governo federal para as obras destinadas às Olimpíadas, no momento cerca de R$ 2 bilhões são informados publicamente (saiba mais). Importa observar que o PT é um estreito aliado de Eduardo Paes, ocupando a cadeira de vice-prefeito com Adílson Pires (PT). Se este consistisse apenas em uma "nulidade política", como muitos afirmam, não se sairia tão mal. Mas, não, o vice-prefeito e o partido apoiam, em sua maioria na Câmara, a concepção negocista de cidade esposada por Paes. Teve ainda em Jorge Bittar (PT), na Secretaria de Habitação, um dos personagens das remoções de casas populares. Bittar não surpreende, já que, como tantos outros petistas, anos atrás fazia coro com a Globo na desqualificação conservadora dos CIEPs de Brizola e Darcy.

    Na sexta-feira (12/12) a presidente Dilma Rousseff esteve no Rio. Apareceu em fotos sorridentes ao lado do prefeito Paes (PMDB) e do governador reeleito Luiz Pezão (PMDB). Evidentemente a presidente sabe: se dependesse desses aliados não receberia um voto sequer. Cartazes cujo slogan era "Aezão", em referência à dupla Aécio/Pezão, pululavam nas ruas durante o período eleitoral. Dilma – como de resto o PT, ao menos desde 2002 nas eleições presidenciais – obteve mais uma vitória eleitoral no Rio. Não porque o PT tenha força no Rio. Pouca à mediana expressão sempre caracterizou a legenda na cidade.

    Dilma venceu com o voto de uma maioria cuja cultura política guarda relações com a história da cidade: antiga capital federal, detentora de um expressivo setor público – municipal, estadual e federal –, sobremodo relevante para o emprego dos/as trabalhadores/as. Dilma, uma vez mais, ganhou no Rio porque a maioria não acolhe a cantilena flagrantemente liberalóide do PSDB, na cena nacional. Em meio a uma cidade que tanto tem desprezado a qualidade de vida da maioria, que tanto tem agredido a natureza, o sorriso compartilhado por Dilma com Paes e Pezão resvala no desrespeito com grossa parte dos seus eleitores cariocas.

    Desse modo, reciprocidade mínima demandaria da presidente ter maior ingerência – obviamente, com exclusiva atenção ao interesse público – nas decisões sobre os usos dos recursos oficiais para as Olimpíadas. Assinar embaixo de tudo que Eduardo Paes realiza é perder o que resta de credibilidade do PT, em âmbito federal, aos olhos dos cariocas. Uma credibilidade relativa, diga-se, em grande parte associada a um pragmatismo que acaba envolvendo o voto do eleitor, por conta das opções existentes.

    Em âmbito municipal, na esteira do PMDB de Paes, é difícil dizer que reste ao petismo alguma credibilidade. Calar-se ante à absurda criação de um campo de golfe olímpico, sobretudo envolvendo tamanha degradação ambiental e concessão de estratosféricas vantagens econômicas empresariais, seguramente não ajuda a resgatar um fiapo sequer de imagem positiva que o PT já tenha tido na cidade.

    Créditos das fotos: 1,2,3 - Denise Felipe Ribeiro. 4 - Ocupa Golfe

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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