Pandemia, auxílio emergencial, pobreza e desigualdades rural
Em resumo, o auxílio emergencial viabilizado pelo Congresso Nacional contra a proposta do governo de R$ 200,00, vem sendo decisivo para evitar uma catástrofe social no campo. Certamente o auxílio não será mais renovado. A tendência é de desastre nas áreas rurais com reflexos igualmente desastrosos para o abastecimento alimentar nos grandes centros urbanos
Em parceria com o Ministério da Saúde, o IBGE vem publicando desde 4 de maio de 2020 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/ Covid-19) com o objetivo de estimar o número de pessoas com sintomas associados à doença e monitorar os impactos da pandemia no mercado de trabalho brasileiro. A coleta da pesquisa ocorre com entrevistas realizadas por telefone em aproximadamente 48 mil domicílios por semana, totalizando cerca de 193 mil domicílios por mês, em todo o País.
Para além de informar sobre os pavorosos impactos sanitários da pandemia, agravada pelo descaso criminoso do governo Bolsonaro, a pesquisa tem contribuído para expor, ainda que de forma indireta, as dimensões da pobreza e das desigualdades no Brasil.
Desigualdades - Segundo artigo da pesquisadora Solange Monteiro publicado na revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, de julho de 2020, o auxílio emergencial de R$ 600,00 teria chegado a 42% dos domicílios brasileiros. Para termos a dimensão desse dado, o programa Bolsa Família alcança 19%. Segundo o IPEA, em média, a renda domiciliar no País, com o auxílio emergencial, alcançou 95% do que teria sido na ausência da pandemia. Ainda segundo o IPEA, graças ao auxílio, a renda domiciliar no País alcançou 95% do que teria sido na ausência da pandemia.
Analisando os dados da PNAD/Covid-19 para as áreas rurais, onde a pobreza é duas vezes maior que a média nacional, artigo de Nicole Castro e Geraldo de Campos Barros, da USP, de 3 de agosto, apresenta um retrato extremamente preocupante no campo.
Pobreza rural- Dos 9,4 milhões de domicílios rurais, 5,3 milhões tiveram acesso ao auxílio emergencial, o que correspondeu a 56,2% do total, enquanto no urbano esse alcance foi de 36,4% dos 61,4 milhões de domicílios. Com o recebimento do benefício, o incremento de renda no meio rural, em maio, foi, em média, de R$ 934,00, sendo que 93% dos domicílios rurais tinham renda domiciliar per capita menor inferior a esse valor. Os dados revelam, ao mesmo tempo, o grande impacto do auxílio e a dimensão da pobreza da população rural.
Os autores destacam que, para os domicílios rurais com renda menor que R$ 110,00 a renda efetiva recebida em maio (somatória de todas as receitas da família, exceto o auxílio financeiro) foi quase nula. Com o valor médio de R$ 833 do auxílio financeiro, a renda domiciliar média total + auxílio emergencial foi 244% maior que a renda média habitual dessas famílias, de R$ 341,00. Esse dado reforça o forte alcance do auxílio financeiro entre as populações rurais mais pobres. No entanto, quase 500 mil pessoas em domicílios com renda mensal de até R$ 100,00 não receberam o auxílio.
Desastre social - Considerando que dificilmente o governo Bolsonaro irá manter por mais tempo o auxílio emergencial, e considerando as estimativas (conservadoras) de queda do PIB da ordem de 5,95%, a situação das famílias rurais mais pobres tende ao desastre sem o benefício que foi aprovado pelo Congresso Nacional.
Diante desse quadro os autores do artigo alertam para a premência de um programa de renda básica, obviamente sem citar o PT, que há muito propõe a medida.
Outro estudo, de autoria do professor Mauro DelGrossi, da UnB, publicado em 31/julho/2020, foca os achados da PNAD/Covid-19 no caso específico da agricultura familiar. O IBGE revela que metade das famílias de agricultores familiares (51% em maio e 50% em junho) teve redução nas suas rendas, perdendo, em média, um terço da renda que habitualmente recebiam (35% e 33%, respectivamente). Entretanto, conforme o estudo do pesquisador, pouco mais de um terço dessas famílias recebeu o auxílio emergencial.
Drama - Confirmando o drama atualmente vivenciado neste segmento, o estudo indica que mais de 1,1 milhão de pessoas integrantes da agricultura familiar procuravam emprego ou queriam trabalhar. O Pará integra o conjunto dos três estados nos quais o quadro é considerado preocupante, o qual inclui ainda Bahia e Minas Gerais.
No mês de junho, 236 mil pessoas integrantes das famílias de agricultores familiares no Pará se encontravam sem nenhum integrante trabalhando na semana da pesquisa. Nesse quesito, o Pará só perdeu para a Bahia, Maranhão, Piauí e Ceará.
Risco para abastecimento alimentar - A conclusão do autor do artigo coincide com abordagens que temos feito em outros artigos apontando os severos riscos atuais para o abastecimento alimentar no Brasil. Diz o autor: do lado da oferta temos uma multidão querendo trabalho e produzir alimentos. Do lado do consumidor, os índices de inflação já apontam para uma elevação dos preços dos alimentos básicos, agravando ainda mais a segurança alimentar das famílias mais pobres do País.
Em resumo, o auxílio emergencial viabilizado pelo Congresso Nacional contra a proposta do governo de R$ 200,00, vem sendo decisivo para evitar uma catástrofe social no campo. Certamente o auxílio não será mais renovado. A tendência é de desastre nas áreas rurais com reflexos igualmente desastrosos para o abastecimento alimentar nos grandes centros urbanos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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