Patrícia Campos Mello
"O trabalho dessa jornalista, a fibra e a dignidade que ela demonstrou enfrentando as mentiras e a baixeza de bolsonaristas e do próprio Bolsonaro via Twitter e redes sociais a enquadram como a nossa principal e mais combativa jornalista no presente momento histórico", diz o colunista Gustavo Conde, sobre a atuação de Patrícia Campos Mello no jornalismo brasileiro
Há alguns anos, Patrícia Campos Mello estava nos EUA, prestigiada como correspondente do Estadão em Washington e vista por colegas brasileiros e americanos como uma das jornalistas mais respeitadas no mundo.
Entrevistou George Bush - cobria a Casa Branca - e esteve diversas vezes na Síria, Iraque, Turquia, Líbia, Líbano e Quênia fazendo reportagens sobre os refugiados e a guerra.
É desnecessário dizer que se trata de um dos mais extensos currículos do mundo da reportagem.
Mas não é só.
Patrícia tem um dos melhores textos do jornalismo e dialoga com correntes contemporâneas do universo da interpretação aplicada, conscientemente ou não - certamente, pelo lastro de leitura.
Foi a única repórter brasileira a cobrir a epidemia de ebola em Serra Leoa em 2014 e 2015.
É também uma das jornalistas mais premiadas do país.
Não sei o que fez Patrícia voltar ao Brasil. Arrisco a dizer que é o traço incansável do profissional de quem não vive sem um desafio.
E, a rigor, ela realmente encontrou um imenso desafio, o maior de sua carreira. Depois de fazer reportagens em mais de 50 países pelo mundo, cobrindo guerras, epidemias, catástrofes humanitárias, ela se depara com a maior de todas as catástrofes internacionais: o Brasil de Bolsonaro.
O pior governo do planeta, instalado com requintes de fraude eleitoral (que ela denunciou), em que integrantes estão atolados em denúncias de corrupção, favorecimento pessoal e formação de cartel e em que o próprio presidente é o principal suspeito de mandar executar uma vereadora e seu executor, num coquetel tóxico de política de extermínio e queima de arquivo.
Tudo isso a céu aberto, sem a menor sem-cerimônia, numa escalada de ofensas a jornalistas, a petistas, a indígenas, a negros, gays e mulheres.
Não bastasse o pior, mais corrupto e desumano governo da história dos governos, ainda experimentamos uma sociedade extremamente machista, misógina, violenta, genocida e semiletrada (cujo ministro da Educação é praticamente um analfabeto com déficits severos também no plano oral).
Serra Leoa certamente foi um desafio "menor" do ponto de vista humanitário - até porque o PIB elitizado brasileiro só piora a situação de desigualdade aqui instalada. Trata-se de um país escravocrata e genocida na acepção máxima dos termos.
Patrícia Campos Mello, que ousou praticar jornalismo de qualidade em um país também tomado por práticas precarizadas de ofício, depara-se agora com o linchamento virtual patrocinado também pelo gabinete do ódio instalado em pleno Planalto.
Insultada por uma testemunha - que ainda cometeu o crime de mentir em uma Comissão Parlamentar de Inquérito -, ela ainda enfrenta a pressão de ser humilhada pelo próprio presidente da República, com o mais baixo nível de machismo já encontrado em uma figura de Estado.
Bolsonaro faz Alfredo Stroessner, ex-ditador do Paraguai - assassino, pedófilo, torturador, bandido e ídolo do próprio -, parecer um amador. A verborragia sangrenta desta criatura a que denominamos miseravelmente de presidente do Brasil é o terror de Estado presentificado. Um verdadeiro indutor e incitador de violência e morte.
Por tudo isso, por enfrentar essa abominação e esse desafio de cobrir a maior crise humanitária do planeta no presente momento, Patrícia Campos Mello caminha para se tornar uma das mais aclamadas jornalistas do mundo, possivelmente a primeira brasileira a merecer o Pulitzer.
Quando tudo isso acabar - e espero que seja em breve -, teremos a felicidade de celebrar uma jornalista como uma das maiores inspirações e bastiões democráticos de um país que flertou com a própria aniquilação de maneira insana, patética e cruel.
A consagração de Patrícia como a mulher que enfrentou a besta em futuro previsível, já nos fortalece de antemão - e nos prepara para re-formatar uma sociedade que demanda cuidados múltiplos na interpretação de suas bases fundadoras.
O trabalho dessa jornalista, a fibra e a dignidade que ela demonstrou enfrentando as mentiras e a baixeza de bolsonaristas e do próprio Bolsonaro via Twitter e redes sociais a enquadram como a nossa principal e mais combativa jornalista no presente momento histórico.
Ela acaba por representar também a energia feminina que está contraposta a um governo masculinizado, autoritário e truculento, que ofende jornalistas, professores e todos os profissionais ligados a práticas humanistas.
É muito reconfortante saber que o Brasil pôde produzir uma jornalista com os atributos de Patrícia Campos Mello. É sinal de que o caminho é árduo e longo, mas que a democracia vai vencer o arbítrio. Mais uma vez em nossa história.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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