Elisabeth Lopes avatar

Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

29 artigos

HOME > blog

Pessimismo da razão, otimismo da vontade

O avanço da extrema direita tem sido um sintoma no mundo, por razões diversas

Ato bolsonarista na Avenida Paulista (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A despeito de todas as revelações que têm vindo à tona pela liberação de documentos e gravações pelo STF sobre o monitoramento ilegal de pessoas e autoridades públicas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) paralela durante o governo do inominável, amplamente divulgadas pela mídia, ainda assim, parte dos “devotos” do bolsonarismo perseveram em sua defesa com argumentos enfraquecidos, mas convincentes para eles. 

Por que, apesar das provas robustas das ilegalidades cometidas por Bolsonaro, por seus filhos e pelos demais participantes da turba que governou o país nos mais obscuros tempos da República Brasileira, ainda encontramos postagens de seus seguidores no X e nas demais plataformas, em defesa dessa organização criminosa que espoliou o país em vários sentidos? 

A cegueira é tanta, que tentam justificar de inúmeras maneiras os atos ilícitos cometidos pela família, atos que ultrapassam a prática das rachadinhas em que o grupo familiar amealhou uma fortuna por meio de vários funcionários fantasmas, entre estes, os parentes de bandidos milicianos. 

Por que um significativo contingente de brasileiros ainda mantém expressiva confiança nessa família? É notório que esse grupo familiar vem se locupletando por anos a fio de desvios do dinheiro público, arrecadado via impostos, que cada brasileiro paga para sustentá-los em cargos públicos, sobretudo, os mais pobres.

A postura desses brasileiros, justificadores de plantão dos atos ilícitos da familícia, precisa urgentemente ser estudada. Esse fenômeno não ocorre só no Brasil, também tem sido recorrente em outros países, como a devoção de parte dos estadunidenses ao desprezível extremista de direita, Donald Trump, que responde a vários processos por ilegalidades cometidas, entre esses o crime de abuso sexual e difamação. A escolha pelos argentinos de Javier Milei e suas ideias ultraliberais, diametralmente opostas às políticas de bem estar social. Como referi em outro artigo publicado neste site, a preferência dos eleitores argentinos pelo extremismo de Milei, talvez possa ser entendida pelo desapontamento de parte do povo com a inércia dos governos de esquerda em estabilizar os índices de inflação, apesar do tempo que permaneceram no poder. Quanto ao Trump talvez se deva ao desgaste da gestão de Biden na desastrosa política internacional, destacando os enormes gastos destinados às guerras Rússia-Ucrania, Israel-Hamas, em detrimento de investimentos para desenvolvimento sustentável do país. O avanço da extrema direita tem sido um sintoma no mundo, por razões diversas.

No caso brasileiro, embora a gestão progressista do governo Lula esteja apresentando bons resultados em setores essenciais, uma considerada fatia do povo nega tais avanços, preferindo viver numa realidade paralela. 

O que impulsionam pessoas sem emprego, que vivem situações sociais limítrofes, terem como líderes políticos, populistas defensores de pautas neoliberais, de retirada de direitos sociais, de desprestígio a qualquer possibilidade de melhoria de qualidade de vida das populações periféricas, absolutamente esquecidas e marginalizadas?

Como explicar racionalmente esse fenômeno em tempos de acesso fácil à comunicação de massa, ainda que amplamente manipulada pela mídia corporativa?

Talvez a resposta esteja no que Marx referiu nas páginas do livro A Ideologia Alemã, escrita por ele e Engels: “Os modos de pensar do povo se dá pelos modos como a classe dominante impõe sua ideologia”. O povo com menor consciência política, ideológica e social por suas limitações em interpretar as situações complexas da realidade e sempre mediadas pela as ideias da classe dominante, acaba por reproduzir veemente o que foi inculcado em sua mente.

Entretanto, há oscilações na reprodução de ideias que deformam os oprimidos de acordo com os interesses dos opressores. O povo vai formulando outras impressões sobre a materialidade que o cerca, a partir de percepções de mudanças palpáveis na concretude de sua vida. Quando as pessoas sentem na própria carne o surgimento de melhorias no seu cotidiano, elas reagem. Porém, essas melhorias não são suficientes para elas formarem uma consciência sustentável que as prepare a conhecer e interpretar, com clareza e verdade, os fenômenos sociais, políticos, culturais e econômicos que afetam o bem estar humano. Trata-se de um processo longo.

A transformação dos modos de pensar do povo para uma tomada de consciência crítica consistente, passa, sobretudo, pelo seu processo educacional que não precisa ser necessariamente o formal escolar, pode ser na sua própria comunidade, desde que estejam organizados para dialogarem, discutirem, problematizarem seus conflitos e circunstâncias de vida coletivamente, a partir de referenciais que lhes possibilite retirar os véus de seu entorno, a fim de descobrir as causas que interferem nas suas condições sociais de existência.

Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido refere que a conscientização é o que instrumentaliza o oprimido para inserir-se no processo histórico na qualidade de sujeito. No entanto, se o processo de educação não levar o ser humano a construir uma consciência crítica, que o emancipe como sujeito, tal processo estará fadado, tão somente, à domesticação, adaptando o subjugado à realidade que está posta. Nesse contexto, o dominado continuará na condição de objeto do dominador. É importante assinalar que o oprimido nessa situação de alienação não se refere somente ao ‘pobre de direita’, como costumam dizer, também diz respeito às pessoas da classe média, que para se equiparem a um status que não possuem reproduzem as ideias da elite econômica do atraso.

Ao contrário, se o processo educativo proporcionar aos homens e às mulheres, por meio da ação reflexão, mediada por um permanente processo dialógico e em comunhão com outros sujeitos sobre o mundo, eles estarão melhor preparados para assumir a condição emancipadora de sujeitos da práxis.  

Considerando as perguntas iniciais deste texto, que tanto me inquietam e creio que ao leitor também, na busca incessante de encontrar algumas pistas reflexivas que nos aquietem, além de recorrer às lições de Paulo Freire que dedicou seus estudos à compreensão do papel da educação no processo de conscientização e emancipação dos seres humanos, acrescento alguns reflexões do filósofo político Antonio Gramsci sobre a formação humana, quando refere que: “ao colocarmos a pergunta “o que é o homem”, queremos dizer: o que é que o homem pode se tornar, isto é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode “se fazer”, se pode criar sua própria vida. [...] o homem é um processo, precisamente o processo de seus atos”. (Cadernos do cárcere: Antonio Gramsci: introdução ao estudo da filosofia; v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 412).

Na acepção gramsciana de que “o homem é um processo, precisamente processo de seus atos” é necessário esse homem se reeducar. A superação da alienação, ou da conformação do povo ao modo de pensar da classe dominante se efetivará por meio de um processo educativo que lhe proporcione a formação de uma consciência crítica e prática sobre a realidade. Assim, o povo terá condições de produzir as relações sociais que lhe interessa.  

A práxis do sujeito se dará quando ele exercer de modo consciente e crítico o escrutínio da realidade, sem os véus que a encobre, colocados estrategicamente pelo opressor, a fim de que, na condição de oprimido, permaneça submisso a ela. A leitura crítica os possibilitará à ação e a transformação do que o tornava assujeitado.

Ao longo da história da sociedade brasileira houve muitas tentativas de superação da cegueira do povo por meio de promissoras políticas públicas educacionais. Lembro da luta de Brizola nos seus governos no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Em especial os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio, projetados por Darcy Ribeiro, um dos mais notáveis mestres da educação no Brasil. Nos governos Lula assistimos a concretização de vários projetos na área da educação nos três níveis, atualmente temos o “Brasil Unido pela Educação” com o implemento de ações para fortalecer o setor e ampliar a qualidade da educação oferecida à população.

Contudo, enquanto o país estiver submetido às mãos do mercado, à financeirização abissal da economia, ao domínio dos interesses de uma minoria rentista em detrimento da maioria necessitada; enquanto o povo e mesmo os governos progressistas estiverem sob a égide da elite do atraso, das exigências de um Estado mínimo para a maioria da população e máximo para os mais ricos, teremos uma sociedade contida nos investimentos em políticas públicas fundamentais, em razão dos contingenciamentos para alcance da meta fiscal imposta pelos detentores do poder econômico, que não estão nem aí para as necessidades básicas dos hipossuficientes. Enquanto tivermos um Banco Central impedindo o desenvolvimento produtivo do país pela elevada taxa de juros, teremos uma educação com professores mal formados e mal pagos, com um ensino transmissível e alienante, ao contrário de um ensino crítico e emancipador, teremos um congresso do atraso, de um conservadorismo torpe, de emendas impositivas distribuídas para atender os interesses particulares dos currais eleitorais de cada legislador, continuaremos a nos deparar com a insistência incompreensível de uma boa parte dos brasileiros e sua absoluta falta de consciência crítica, a cultuar políticos como Bolsonaro, Trump, Milei, entre outros oportunistas deploráveis.

Embora os esforços implementados pelos governos progressistas, ainda estamos longe de virar o jogo. Há óbices quase intransponíveis, mas não impossíveis para realizar o que será necessário para pôr fim às grotescas inclinações de muitos brasileiros ao que lhes destrói. Apesar do pessimismo da razão deste texto, não podemos perder o otimismo da vontade. Essa frase foi pronunciada por Antonio Gramsci num diálogo com setores anarquistas na década de 1920, século XX, na Itália.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: