Pessoas de bem – pra quem?
até hoje, com provas e convicção, pode-se dizer: esse "bem" de alguns, o mal da sociedade
1961: a filósofa alemã Hannah Arendt é uma entre os punhados de correspondentes que vários países enviaram a Israel para cobertura do julgamento do monstro nazista adolf eichmann, não apenas um dos principais genocidas do povo judeu, mas um dos maiores criminosos contra a humanidade.
eichmann alegou inocência, dizendo que, como qualquer trabalhador "normal", apenas cumpria ordens.
terminada a cobertura, Arendt aprofundou-se no caso, escrevendo "Eichmann em Jerusalém", livro no qual desenvolveu a tese da "banalidade do mal", esta encarnada à perfeição pelo monstro nazista: durante o dia, com a obediente naturalidade de quem apertava parafusos, cometia assassinatos e torturas contra qualquer um que não representasse os valores que comungava, que lhe garantiam ascensão social e profissional; à noite, esposo exemplar, pai amantíssimo, enfim, um homem de bem.
2016: em São Paulo, um dos assassinos do vendedor ambulante morto a socos e pontapés por sair em defesa da travesti que ele e outro sociopata da classe média agrediam unicamente por não ser como eles, declara: "Não sou uma pessoa má".
2017: em Campinas, um misógino invade uma festa de Ano Novo, mata sua ex-esposa, o próprio filho, mais 10 pessoas, e se mata depois.
numa carta escrita uma semana antes, na qual se dirige ao filho, destila ódio contra feministas, a Lei Maria da Penha, os Direitos Humanos, "essa bosta de país" e todos os mantras vomitados como 'virtudes' por quem adora se dizer uma "pessoa do bem".
eichmann acreditava-se um bom profissional.
o assassino do ambulante acredita-se uma pessoa do bem.
o misógino assassino de Campinas sentia-se "injustiçado".
comum a todos, o assassinato também da lógica, pelo desprezo da resposta à pergunta obrigatória: "bom" e "do bem" pra quem?
até hoje, com provas e convicção, pode-se dizer: esse "bem" de alguns, o mal da sociedade.
até antes de seu julgamento, eichmann sentia-se redimido e valorizado pela máquina de propaganda e comunicação criada por göebbels para afirmar a "supremacia" ariana.
o baronato midiático brasileiro, discípulo de göebbels desde as primeiras salsichas, por meio de seus híbridos de colunistas e pinschers hidrófobos amestrados, é quem confere a todo e qualquer sociopata fascista da classe média essa hipócrita certeza de supremacia afirmada tanto por um dos assassinos de um trabalhador, como pelo misógino assassino de Campinas.
apenas por um exemplo, em todas as matérias que fez até agora sobre o assassinato do ambulante, a folha de são paulo se recusa a usar a expressão "assassinos" para apresentar os criminosos, recorrendo a um malabarismo retórico cúmplice ["suspeito", "agressor" etc], assim protegendo a imagem de dois elementos que encarnam o predominante público autoproclamado "do bem" do jornal, um dos veículos responsáveis não apenas pelo GOLPE, mas, acima de tudo, por, num misto de omissão e manipulação dos fatos, insuflar o ódio de classes que serviria como "voz das ruas" para legitimar o GOLPE.
em vários veículos similares à folha, além da própria, matérias sobre a chacina em Campinas mancheteiam que "foi por vingança", como se as vítimas, de alguma maneira torta, tivessem provocado – e, pois, justificado – o crime bárbaro, para deleite, nos campos de comentários, de outros hidrófobos e misóginos cidadãos de bem.
banalizando a verdade, banalizou-se o mal.
de novo.
Hanna Arendt vive.
o jornalismo $A brasileiro está morto.
e a civilidade já respira por aparelhos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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