Por que o ataque ao Consórcio Intermunicipal do Grande ABC?
Os prefeitos anunciaram a saída dos municípios do Consórcio num ato político individualista, ideológico e que prejudica a população
Nesta semana os sete prefeitos do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC reuniram-se em assembleia para a escolha do novo presidente da instituição. Com 4 votos a favor e 3 contrários, Marcelo Oliveira (PT), prefeito de Mauá, foi eleito presidente e José de Filippi, de Diadema, vice. Além de seus respectivos votos, a ‘chapa’ contou também com o apoio de Paulo Serra, atual presidente e prefeito de Santo André, e de Cláudio Manoel Melo, de Rio Grande da Serra. Foram derrotados no processo Orlando Morando, de São Bernardo do Campo, José Auricchio, de São Caetano do Sul, e Guto Volpi, de Ribeirão Pires. A outra grande novidade é que, após perderem o processo eleitoral, os prefeitos anunciaram a saída dos municípios do Consórcio num ato político individualista, ideológico e que prejudica a população dos seus respectivos municípios e de toda a região.
Em primeiro lugar, chega a ser quase absurdo que sete prefeitos, que convivem constantemente há no mínimo dois anos e que passaram por várias ações conjuntas - sobretudo para o enfrentamento à pandemia de Covid-19 -, não consigam chegar a um acordo. Paulo Serra (PSDB) figurou como presidente por três anos e sucedeu o também tucano Orlando Morando. Com as mudanças no cenário eleitoral, é natural que o PT queira ocupar o posto - explico melhor adiante - e promover alguma alternância de poder. Convenhamos que, para além das composições de cargos da instituição e do status político e institucional, a figura do presidente tem muito mais o papel de conciliar interesses dos municípios e de diálogo com outros entes - sobretudo governos do estado e federal - do que alguma ‘bonança’ individual. É preciso muito individualismo mesquinho para justificar a saída.
Há também um componente ideológico na atitude dos três que fica cada vez mais claro. O Consórcio é a materialidade do pensamento de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André e um dos maiores gestores públicos da história republicana, grande defensor da cooperação regional e interfederativa. Orlando Morando é um dos quadros regionais que mais faz esforço para tentar desconstruir todo o legado petista no Grande ABC e já tinha dado sinais anteriormente de que o Consórcio é, também, um alvo. A disputa do prefeito de São Bernardo não parece ser somente com o PT, mas também com o próprio ‘companheiro’ de partido: Paulo Serra. A disputa pelo controle do PSDB e a necessidade constante de reafirmar o antagonismo entre os dois teve o ápice em 2022 na disputa das prévias entre Dória e Eduardo Leite tem reflexo também na decisão desta semana, quando ficam em lados opostos na disputa. Vale dizer que, na minha concepção, Orlando deve perder espaço já que Leite, governador do Rio Grande do Sul, foi conduzido a presidente do partido e tem Paulo Serra como principal aliado em São Paulo.
O arcabouço legislativo confere aos consórcios públicos o vínculo voluntário entre os entes consorciados, ou seja, não há como impedir - legalmente - a saída dos municípios do Consórcio, em caso de mudanças na orientação política como neste caso do Grande ABC. Esse é o grande desafio das estruturas consorciadas no Brasil: a manutenção da coesão política entre os governantes para seguir com a cooperação. Só é possível com um grande esforço de articulação política e de compreensão da necessidade de políticas regionais. Além disso, mesmo existindo há 20 anos e sendo um dos mais conhecidos do Brasil, o Consórcio não é uma figura que faz parte do cotidiano da população. Não há um esforço político de formar uma consciência crítica na região que demonstre a importância da cooperação e seus benefícios reais. Na prática: dificilmente os prefeitos serão cobrados pelos seus eleitorados por saírem do Consórcio já que estes não têm consciência da necessidade de permanecer - o que facilita muito as decisões dos prefeitos.
A saída dos três municípios pode ser interpretada também como uma tentativa dos prefeitos de praticar o ‘efeito carona’: os municípios não participam do consórcio e não contribuem com as obrigações políticas e orçamentárias, mas indiretamente beneficiam-se dos benefícios proporcionados pelas ações consorciadas. Explico: o Consórcio do Grande ABC será, nos próximos anos, o principal instrumento de interlocução da região tanto com o governo Lula (PT) quanto com o governo Tarcísio (Republicanos) para atrair recursos para investimentos que as prefeituras não têm capacidade orçamentária de executar, sobretudo grandes obras de infraestrutura. Ora, ter um presidente petista deve conferir ao Consórcio um trânsito melhor no Governo Federal e, consequentemente, aumentar a possibilidade de transferências destes recursos. Já no governo estadual, apesar do indicativo republicano do governador eleito, pode haver um pouco mais de dificuldade e é onde os três prefeitos que saíram têm as portas abertas. E aqui fica evidente a tentativa de ‘pegar carona’: mesmo estando fora, os municípios terão impacto positivo de possíveis investimentos do governo federal e, ao mesmo tempo, terão o já garantido trânsito aberto com o governo estadual para negociar recursos diretamente.
Por fim, apesar de toda a movimentação ainda não concretizada e que pode ter algum recuo nos próximos dias, Marcelo Oliveira (Mauá) e Filippi (Diadema) têm a grande oportunidade de assumirem o protagonismo regional na atração de investimentos e na retomada da capacidade institucional do consórcio de planejar o Grande ABC e formular uma política regional que considere, sobretudo, os desafios acentuados pelas transformações constantes na indústria e nas relações de trabalho para os próximos anos.
*Bacharel em Ciências e Humanidades e Planejador Territorial
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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