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    Armínio Westermann

    Analista político

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    Por que o PT, apesar dos bons resultados econômicos, é combatido pela burguesia brasileira?

    Dilma Rousseff (Foto: Ricardo Stuckert)

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    Dilma Roussef deu uma excelente entrevista à TV 247, em 23/01 (https://www.youtube.com/watch?v=Y_IQG72bUg0), na qual corroborou a tese de que o Brasil, em 2013, tornou-se objeto de uma guerra híbrida, por motivos geopolíticos, cuja objetivo foi tirar o PT do poder, abrindo espaço para a chegada ao Planalto de um governo subserviente ao desígnios imperiais dos EUA. 

    Esse argumento é valido e certamente explica, em alguma medida, o processo de desestabilização do Brasil a partir de 2013. Enfatizar a dimensão geopolítica não deve, no entanto, nos fazer esquecer de fatores propriamente locais. 

    Nesse contexto, recordo aqui os termos gerais de um argumento que circulou em 2016 como explicação para o golpe parlamentar que depôs Dilma Roussef. Lamento não conseguir localizar a(s) fonte(s), mas farei o possível para reproduzir aqui o raciocínio então apresentado (e agora esquecido).

    Em pimento lugar, é preciso ter em conta que em situações de pleno emprego -- tal como ocorreu no Brasil, de modo crescente, durante os governos petistas -- o poder de barganha dos trabalhadores fica muito elevado e isso tende a despertar reações. 

    Convém recordar, apenas a título ilustrativo, que durante o governo Dilma ônibus eram enviados ao Acre em busca de trabalhadores haitianos, tendo em vista que brasileiros passaram a se recusar, por exemplo, a trabalhar em frigoríficos, em função do ambiente insalubre, do elevando índice de acidentes de trabalho e dos baixos salários.

    Ora, vendo-se na obrigação de oferecer -- continuamente -- melhores condições de trabalho e melhor remuneração, a burguesia, sobretudo em países de precária tradição democrática, tende a sentir-se tentada a bagunçar o tabuleiro da economia e da política para promover um rearranjo em "melhores condições".

    Numa situação de pleno emprego, deve-se destacar, mesmo uma reforma trabalhista precarizante, como depois ocorreu no Brasil, tende a oferecer magros resultados para os patrões, já que a própria dinâmica do mercado de trabalho favorece a concessão de reajustes e outros benefícios aos trabalhadores -- posto que a "mão-de-obra" passa a ser uma mercadorianaltamente escassa. 

    Ora, isso é justamente o que estaria por trás da consolidação da burguesia na oposição ao PT, a despeito do extraordinário sucesso econômico das gestões petistas.

    Uma vez gerada a crise, entre 2013 e 2016, -- por meio de "pautas-bomba", do insuflamento de protestos, entre outros fatores -- foi possível para a burguesia nacional oferecer ao Brasil as "soluções" de sempre, com destaque à "reforma" trabalhista. Mas a grande primeira vitória do capital teria sido simplesmente elevar o desemprego de modo a restaurar o poder de barganha dos patrões. Para a burguesia, não há dúvida de que é importante haver um forte mercado interno, mas talvez haja, para a burguesia brasileira, um ponto ótimo, o qual, ultrapassado, geraria mais custos do que oportunidades.

    Para o capitalismo brasileiro -- talvez preguiçoso, talvez pouco inovador, talvez meramente moldado pelo escravismo -- parece ser preferível ganhar cortando custos do que ganhar oferecendo melhores produtos para um mercado interno de maior renda (e, portanto, mais exigente) ou aumentando a produtividade do trabalho (pela implantação de novos métodos ou pela compra de maquinário avançado) para compensar custos mais elevados de mão de obra.

    Estaríamos, desse modo, revivendo, no século XXI, os problemas gerados pela escravidão.

    A disponibilidade de mão de obra barata, antes como agora, corta incentivos à modernização e portanto favorece a manutenção de uma estrutura econômica ultrapassada. 

    O natural encarecimento da mão de obra, em função do crescimento econômico, deveria resultar, como resultou nos países do centro do capitalismo, no desenvolvimento de novos métodos de trabalho e novos produtos, adequados a mercados mais competitivos e exigentes. Mas, no Brasil, o processo jamais se completa em função da periódica reação "conservadora" burguesa. 

    É necessário definir com precisão o que "conservadorismo", nesse caso, quer dizer. Trata-se de conservar as condições habituais de acumulação. O desenvolvimento de novas condições de acumulação exigiria da burguesia brasileira investimentos e criatividade. Mas a burguesia nacional, "conservadora", tende a optar pela caminho mais fácil, de acordo com a  lei -- colonial, escravocrata -- do menor esforço.

    Talvez seja possível descrever o capitalismo brasileiro, desse ponto de vista, como "rentista", com a sem a prevalência do mercado financeiro, no sentido de que se prioriza a mera manutenção de arranjos tradicionalmente lucrativos, ainda que ultrapassados, em flagrante desacordo com o papel efetivamente dinâmico que o capitalismo desempenhou e continua a desempenhar em muitos países, inclusive com redução dos níveis de desigualdade social, mesmo na periferia do capitalismo (Coréia do Sul; China).

    Algumas conclusões importantes podem ser extraídas dessa reflexão:

    a) a "ponte para o futuro" foi literalmente uma ponte para o passado;

    b) fatores culturais devem ser aplicados à análise econômica; 

    c) os padrões de acumulação estabelecidos durante o período colonial continuam a servir como "benchmark" para a burguesia nacional (o discurso "liberalizante", supostamente pró-modernização, da burguesia nacional esconde, portanto, uma "agenda" arcaísta, radicalmente "conservadora" em termos econômicos, tendente ao escravismo);

    d) Lula e Dilma foram punidos pelo capital por terem tentado modernizar o capitalismo brasileiro (antes, pelos mesmos motivos, já foram punidos com a deposição: D. Pedro II, Getúlio Vargas e João Gourlart; talvez seja necessário lembrar que a escravidão foi abolida durante o governo de D. Pedro II, deposto logo em seguida);

    e) a transformação do Brasil num país desenvolvido é possível, mas isso depende de um processo extra-econômico: é preciso criar condições politicais e sociais para que o capitalismo brasileiro siga uma trajetória natural, tendente, entre muitas outras coisas, ao encarecimento da mão de obra (ou seja, ao fim da pobreza ou dos "exércitos industriais de reserva") de modo que surjam incentivos suficientes (competição por trabalhadores, sobretudo) para aumento da produtividade, pela via do investimento e da sofisticação de métodos e da educação e não pela via da exploração radicalizada (uma nova classe burguesa -- não colonial, não escravista -- terá que surgir ao longo desse processo);

    f) há um limite (a fome, a doença, a morte) para aumento das taxas de exploração, mas não há um limite (teoricamente, supondo avanços técnicos contínuos) para aumento das taxas de produtividade; o crescimento baseado no aumento da taxa de exploração, portanto, tem um baixo "teto" e jamais levará o Brasil a lugar nenhum, daí porque a "reforma" trabalhista precarizante produziu apenas estagnação. 

    g) vivemos num curioso cenário no qual a burguesia se opõe ao desenvolvimento do capitalismo, enquanto os trabalhadores esperam e batalham por novas oportunidades, sonhando com a transformação do Brasil num país (capitalista e democrático, com uma coisa alimentando a outra) plenamente desenvolvido.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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