Por Trás do Terror Negro de Hong Kong
Continuando sua busca para decifrar quem está por trás da violência dos "protestos pró-democracia" de Hong Kong, o jornalista Pepe Escobar chega a uma longa lista de possibilidades
Pepe Escobar, Hong Kong, para o Asia Times - Tradução de Patricia Zimbres - "Se nós queimarmos, vocês queimam conosco". "Autodestruirmo-nos juntos" (Lam chao).
Os novos slogans dos black blocs de Hong Kong - uma turba violenta ligada aos manifestantes camisas-negras - apareceram pela primeira vez em uma tarde chuvosa de domingo, rabiscados nas paredes de Kowloon.
Decodificar esses slogans é de importância essencial para entender a insana violência de rua que foi desencadeada mesmo antes da entrada em vigor da lei anti-máscaras do governo da Região Administrativa Especial (RAE), à meia-noite da sexta-feira, 4 de outubro.
Por sinal, a lei anti-máscaras é um tipo de medida autorizado pelas Ordenações das Disposições de Emergência do governo colonial britânico, de 1922, que dava ao governo da cidade autoridade para "decretar quaisquer medidas que ele (ou ela) julgar necessárias ao interesse público em casos de "emergência ou perigo público".
Talvez a Deputada Nancy Pelosi, Presidente da Câmara de Representantes do Congresso dos Estados Unidos, desconhecesse essa nobre linhagem quando ela comentou que a lei "apenas intensificava as preocupações quanto à liberdade de expressão". Talvez não seja arriscado supor que nem ela nem qualquer dos outros adversários virulentos da lei saibam que uma lei anti-máscaras de teor muito semelhante foi aprovada no Canadá em 19 de junho de 2013.
Quem provavelmente tem pleno conhecimento da questão é Jimmy Lai, magnata dos setores de mídia e de vestuário de Hong Kong, o bilionário editor do jornal pró-democracia Apple Daily, o principal crítico do Partido Comunista Chinês da cidade e interlocutor de alta visibilidade de figurões políticos de Washington DC, como o Vice-presidente dos Estados Unidos Mike Pence, o Secretário de Estado Mike Pompeo e o ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional, John Bolton.
Em 6 de setembro, antes do início do vandalismo e da violência insana que vêm marcando os "protestos pró-democracia" em Hong Kong nas últimas semanas, Lai falou com Stephen Engle, da Bloomberg TV, de sua casa em Kowloon.
Ele se disse convencido de que, caso os protestos se tornassem violentos, a China não teria outra escolha que não a de enviar contingentes da Polícia Armada do Povo de Shenzen para Hong Kong para conter os confrontos.
"Isso", disse ele à Bloomberg, "será a repetição do massacre da Praça Tianmen, que fará com que o mundo inteiro fique contra a China... Isso será o fim de Hong Kong e o fim da China também".
No entanto, em junho, antes de a violência irromper, centenas de milhares de hong-konguêses haviam se reunido em protestos pacíficos, demonstrando o quão profundo é o sentimento vigente em Hong Kong. São esses os cidadãos que Lai apóia nas páginas no Apple Day.
Mas a situação mudou drasticamente desde as manifestações não-violentas do começo do verão. Os black blocs veem essa intervenção como a única maneira de atingir seu objetivo.
Para os black blocs, o incêndio é assunto deles, e não da cidade de Hong Kong e de seu povo trabalhador. Estes últimos se subordinam à vontade dessa minoria extremista que, segundo a polícia de Hong Kong, sobrecarregada e carente de pessoal, totaliza 12.000 pessoas no máximo.
Rigidez cognitiva é um eufemismo quando aplicado à tirania das massas, que é essencialmente um culto religioso. A mera tentativa de estabelecer uma discussão rudimentarmente civilizada com essa gente é esforço baldado. O supremamente incompetente e paralisado governo de Hong Kong pelo menos conseguiu definir esses grupos como "desordeiros", que atiraram uma das cidades mais ricas e até agora mais seguras do planeta em "medo e caos", e cometeram "atrocidades" muito abaixo do mínimo exigido de uma sociedade civilizada".
"Revolução em Hong Kong", antes o slogan favorito e aparentemente uma causa utópica da geração millenial, foi abafado pela vandalização heróica de estações de metrô, ou seja, da propriedade pública, pelo uso de coquetéis molotov contra policiais e pelo espancamento de cidadãos que não rezam pela mesma cartilha. Assistir ao vivo essa gangues enfurecidas correndo à solta no Central, em Kowloon, e também no canal de televisão RTHK, que mostra os conflitos em tempo real, é uma experiência estarrecedora.
Em artigo anterior, esbocei o perfil básico dos milhares de jovens manifestantes que saíram às ruas, com pleno apoio de uma massa silenciosa de professores, advogados, juízes emperucados, servidores públicos e outras profissões liberais, que fazem vista grossa a qualquer ato abusivo - contanto que esse ato seja contra o governo.
Mas o ponto crucial são os black blocs, sua tirania das massas e suas táticas violentas, e também a questão de quem os financia. Muitos poucos, em Hong Kong, dispõem-se a discutir abertamente o assunto. E, como notei em conversas com membros bem-informados do Clube de Futebol de Hong Kong, com empresários, colecionadores de arte e grupos de mídia social, pouquíssimas pessoas em Hong Kong - ou, por sinal em toda a Ásia - fazem ideia o que venha a ser os black blocs.
A matriz dos black blocs
Os black blocs não são exatamente um movimento global - eles são uma tática empregada por grupos de participantes de manifestações de protesto - embora intelectuais pertencentes a diversas cepas do anarquismo europeu, principalmente da Espanha, Itália, França e Alemanha, desde meados do século XIX os considerem mais uma estratégia do que uma tática, e parte de um movimento mais amplo.
A tática é bastante simples. Você veste roupas pretas e bem acolchoadas, usa máscaras de esqui ou balaclavas, óculos escuros e capacetes de motociclismo. Assim, você se protege do gás pimenta e/ou lacrimogêneo da polícia, esconde sua identidade e some na multidão. Você age como um bloco, geralmente algumas dezenas, às vezes algumas centenas. Você se desloca rapidamente, procura e destrói, e então se dispersa, reagrupa e ataca de novo.
Desde o início, ao longo de toda a década de 1980, principalmente na Alemanha, essa foi uma espécie de tática de guerrilha urbana de inspiração anarquista empregada contra os excessos da globalização, e também contra a ascensão do cripto-fascismo.
No entanto, a explosão dos black blocs na mídia global só ocorreu mais de uma década mais tarde, na notória Guerra de Seattle, de 1999, durante a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio, quando a cidade foi fechada. A cúpula da OMC entrou em colapso e um estado de emergência vigorou por quase uma semana. Um ponto crucial foi que não houve mortes, embora os black blocs tenham se apresentado como parte de um motim de massas organizado por anarquistas radicais.
A diferença, no caso de Hong Kong, é que os black blocs foram instrumentalizados em favor de uma agenda de "busca e destruição" flagrante. Está aberto o debate quanto a se o uso indiscriminado das táticas black bloc não serviria apenas para legitimar ainda mais o estado policial. O que é claro é que a destruição de uma estação de metrô usada pelo povo trabalhador é absolutamente irreconciliável com a defesa de um governo local melhor e mais responsável.
Meu interlocutor chega, impecavelmente vestido para um dim sum, a degustação de petiscos chinesa, no sábado, em um estabelecimento deserto da CITIC Tower, na Victoria City, com uma vista espetacular da baía. Ele é da aristocracia de Xangai, pertencendo a uma família que migrou para Hong Kong em 1949, e particularmente bem-informado sobre todos os aspectos do triângulo Hong Kong/China/Estados Unidos. Por intermédio de contatos em comum na diáspora chinesa que datam da época da devolução, ele concordou em falar comigo anonimamente. Vamos chamá-lo de Mr. E.
Após o desfecho da sexta-feira negra, Mr. E. ainda está horrorizado: "Eles não estão apenas prejudicando pessoas que ganham a vida em empresas e centros comerciais. Eles estão destruindo estações de metrô. Destruindo nossas ruas. Destruindo nossa reputação de centro empresarial internacional seguro, construída com tanto esforço. Destruindo nossa economia".
Ele não sabe explicar por que razão, durante horas, não se via um único policial para conter a destruição que corria solta.
Indo direto ao ponto-chave, Mr. E. atribui todo o drama ao ódio patológico que uma "maioria significativa" da população de Hong Kong tem pela China. É significativo que, no dia seguinte à nossa conversa, um pequeno contingente de black blocs passou a rondar o Quartel de East Kowloon, em Kowloon Tong, do Exército Popular de Libertação, no começo da noite. Soldados chineses camuflados filmaram o grupo a partir do telhado.
É fora de questão que os black blocs, com suas máscaras de gás, suas barras de ferro e seus coquetéis molotov, pretendessem lutar contra o exército chinês. Esse é um patamar totalmente diferente da vandalização de estações de metrô. E os manuais das "revoluções" coloridas não ensinam como fazer isso.
Mr. E. observa que não há nada de "espontâneo" nos black blocs de Hong Kong. A tirania das massas é estritamente arregimentada. Um dos slogans dos camisas negras - "ocupar, badernar, dispersar, repetir" transmutou-se em "aglomerar, destruir, dispersar, repetir".
Mr. E. me pergunta sobre os black blocs da França. A mídia tradicional do Ocidente há meses vem ignorando os protestos sólidos e pacíficos dos Gilets Jaunes/ Coletes Amarelos, que ocorrem em toda a França, em protesto contra a corrupção, a desigualdade e a tentativa do governo neoliberal de Macron de transformar a França numa start-up que beneficie o 1%.
Ouvem-se por toda parte acusações de que a inteligência francesa vem manipulando os black blocs e infiltrando agentes secretos e casseurs (pessoas que vandalizam propriedade, em especial durante os protestos) para desacreditar e demonizar os Coletes Amarelos. Eu próprio testemunhei em primeira mão, em Paris, que a temida CRS vem sendo absolutamente cruel em suas operações militares em terreno urbano formuladas pela Rand, que, na verdade, são táticas de repressão que não excluem sequer o espancamento de cidadãos idosos.
A tirania das massas de Hong Kong, ao contrário, é justificada como sendo um protesto contra a China "totalitária".
Grande parte de minha conversa com Mr. E. centrou-se nas possíveis fontes de financiamento dos primeiros protestos não-violentos e, principalmente, da tirania das massas que os black blocs criaram para substituir esses protestos.
Motivação e oportunidade são razões suficientes para garantir o ingresso nessa lista, que não é terrivelmente longa, mas é longa o suficiente para incluir nomes de pessoas e organizações diametralmente antagônicos, e portanto pouco prováveis de estarem trabalhando em conjunto.
Entre os governos, podemos começar com aquele que ainda é (embora não por muito tempo) a potência número um. Os altos funcionários do governo Trump, emaranhados numa guerra comercial com Pequim, não teriam a menor dificuldade em imaginar as vantagens que adviriam de um enfraquecimento do domínio da República da China sobre Hong Kong, e talvez vissem com bons olhos a desestabilização ativa da China, que poderia começar com o incentivo a uma revolução violenta na antiga colônia britânica.
O Reino Unido, vendo-se às voltas com uma solitária velhice pós-Brexit, talvez tenha imaginado como seria bom se reaproximar de sua ex-colônia favorita, ainda uma ilha de britanicidade em um mundo cada vez menos britânico.
Taiwan, é claro, teria interesse em pôr a teste a fórmula "Um País, Dois Sistemas" - que a República Popular da China e o Reino Unido usaram em Hong Kong em 1997, e que Pequim propôs também a Taiwan, verificando como essa fórmula funcionaria em condições de tensão. E depois de os protestos pacíficos terem exposto bases frágeis, é bem possível que tenha surgido a tentação de ir ainda mais longe, transformando a Hong Kong governada pela China em um caos tamanho que nenhum taiwanês voltaria a dar ouvidos à propaganda a favor da fusão.
A República Popular seria um protagonista improvável na fase inicial e não-violenta, mas muitos hong-konguêses agora acreditam que a China esteja incentivando as provocações para justificar uma grande investida repressiva. E não podemos afastar de todo a possibilidade de que uma facção do Partido Comunista Chinês do continente - contrária à quebra de tradição que foi a extensão do mandato presidencial de Xi Jinping, em data recente - esteja tentando desacreditá-lo.
Ok, chega de governos. Agora precisamos de alguns agentes atuando no terreno, chineses capazes de desmentido plausível e de se misturarem e passarem desapercebidos enquanto recebem e repassam as verbas necessárias e tratam de questões organizacionais e de treinamento.
Aqui as possibilidades são numerosas demais para serem listadas, mas um nome muito conhecido seria Guo Wengui, vulgo Miles Kwok. O bilionário indispôs-se com o PCC e, em 2014, fugiu para os Estados Unidos para seguir a carreira de agente político à distância.
Mais popular ainda seria o nome de Jimmy Lai, citado acima. Confirmando outro de meus principais contatos, quando Mr. E. cita os suspeitos de costume, é inevitável que o nome de Jimmy Lai apareça. Na verdade, a combinação EUA/Taiwan/Jimmy Lai talvez seja a número um nas paradas de sucesso quando se trata de senso comum.
Mas quando testei essa combinação, encontrei problemas. Uma contradição importante é que Jimmy Lai nunca se deu ao trabalho de esconder sua ajuda ao grupos pró-democracia, mas em suas declarações públicas sempre apoiou agendas não-violentas.
Como não faz muito tempo escreveu o colunista Alex Lo do China Morning Post, "O que há de errado em fazer grandes doações a partidos políticos e a grupos contrários ao governo? Nada! Por isso, fico intrigado com toda essa onda criada pela mídia a respeito das supostas doações de mais de 40 milhões de HKdólares feitas por Jimmy Lai Chee-ying, dono do Apple Daily, a seus amigos do campo pan-democrático no correr de dois anos".
Mas não desistamos assim tão facilmente. Acredito que a melhor maneira de esconder certas coisas seja expô-las à plena luz do dia.
Sim, a voz pública de Lai por acaso é Mark Simon, que trabalhou por quatro anos como analista de informações da Marinha dos Estados Unidos.
Sim, Lai se tornou um bom amigo do guru neo-con Paul Wolfowitz quando este assumiu a presidência do Conselho Empresarial Estados Unidos-Taiwan, em 2008, segundo um assessor de Lai.
Wolfowitz foi vice-secretário de defesa de 2001 a 2005 sob Donald Rumsfeld, meio que por acidente: era para ele ser diretor da CIA no governo de George W. Bush, mas, ó desgraça, não deu certo porque a mulher de Paul, então membro do Conselho do Fundo Nacional para a Democracia (NED), ficou sabendo de um caso do marido com uma funcionária que à época era casada... e por aí vai.
E sim, segundo documentos da Wikileaks, Lai, em 2013, pagou 75.000 dólares a Wolfowitz para ser apresentado a manda-chuvas do governo de Myanmar.
Mas nada disso prova o que quer que seja, não é? Inocente até prova em contrário. Conspirações com a pessoa que talvez seja o principal agente da política e da inteligência dos Estados Unidos nas últimas duas décadas, parece que de fato ocorreram. Mas seria possível provar a participação ativa dos Pauls ou dos Jimmys da vida nas provocações dos black blocs com o objetivo de provocar a intervenção sangrenta da China prevista por Lai? Inocente até prova em contrário.
Isso vai dar muito trabalho. De volta à velha prancheta no Asia Times.
Vai haver reações negativas
"Nós, em Hong Kong, somos poucos em número. Mas sabemos que o mundo jamais terá paz genuína até que o povo da China seja libertado".
Wall Street Journal, editorial, Jimmy Lai, 30 de setembro.
Apesar dos esforços desesperados dos suspeitos de sempre para escondê-las, as imagens dos black blocs vandalizando e espalhando destruição maciça por toda Hong Kong estão agora impressas em todo o Sul Global, e também no inconsciente de milhões de cidadãos chineses das redes virtuais.
Até mesmo os financiadores invisíveis dos black blocs talvez estejam assustados com os efeitos contraproducentes dessa fúria destrutiva, a ponto de, essencialmente, declarar vitória e ordenar retirada. Seja como for, Jimmy Lai continua a culpar a polícia de Hong Kong por "violência excessiva e brutal" e a demonizar a "besta ditatorial, fria e violenta".
No entanto, não há garantia alguma de que a turba do terror negro venha a desistir - especialmente agora que autoridades do corpo de bombeiros de Hong Kong mostram-se alarmadas com a proliferação das instruções online para a fabricação de coquetéis molotov usando fósforo branco de alta letalidade. Mais uma vez - lembrem-se dos combatentes pela liberdade da al-Qaeda - a história nos ensinará a temer os terrores dos Frankenstein que viermos a criar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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