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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Preparem-se para a próxima virada no jogo: o Yuan digital

    O yuan digital será efetivamente lastreado pela imensa quantidade de bens e serviços Made in China - e não por um império transoceânico de 800 Bases. E seu valor será determinado pelo mercado - como já acontece com o bitcoin

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    Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

    Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

    Um nova e radical mudança de paradigma está curso. A economia dos Estados Unidos talvez encolha até 40% no primeiro semestre de 2020. A China, já há alguns anos a maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra, talvez venha em breve a se tornar a maior economia do mundo até mesmo em termos de taxas cambiais.

    O mundo pós-Planeta Confinamento - ainda uma miragem nebulosa - talvez necessite mesmo de uma moeda pós-Planeta Confinamento. E é aí que um sério candidato entra na briga: o yuan digital fiduciário.

    No mês passado, o Banco Popular da China (BPC) confirmou que  um grupo de bancos de primeira linha começou a testar pagamentos eletrônicos em quatro regiões chinesas, usando o novo yuan digital. No entanto, não há ainda um cronograma para o lançamento oficial do que vem sendo chamado de Pagamento Eletrônico com Moeda Digital (PEMD).

    O autor do plano é  Yi Gang, presidente do BPC, que confirmou que, além das experiências em Suzhou, Xiong’an, Chengdu e Shenzhen, o BPC vem testando cenários hipotéticos para os Jogos Olímpicos de 2022. 

    Embora o PEMD, segundo Yi, "venha avançando de forma muito satisfatória", ele insiste que o BPC será "cauteloso em termos de controle de riscos, principalmente no que se refere a mecanismos anti-lavagem de dinheiro e a exigências de 'conheça seu cliente' a serem incorporadas no desenho e no sistema do PEMD".

    O PEMD deve ser interpretado como um roteiro de ação para a China, cujo objetivo final é a futura e ainda mais revolucionária substituição do dólar norte-americano como moeda de reserva  mundial. A China já largou na frente nos  sorteios de moeda digital: quanto antes o PEMD  for lançado, mais fácil será convencer o mundo, em especial o Sul Global, a adotar o sistema.

    O BPC vem desenvolvendo o sistema com quatro grandes bancos estatais, e também com as gigantes do mercado de pagamentos Tencent e Ant Financial.

    Um aplicativo para celulares desenvolvido pelo Banco Agrícola da China (BAC) já está em circulação na WeChat, consistindo, na verdade, de uma interface ligada ao PEMD. Além do mais, 19 restaurantes e empresas de comércio varejista, entre elas Starbucks, McDonald’s e Subway, participam desse projeto piloto de testes.

    A China vem avançando rapidamente em todo o espectro digital. Uma Rede de Serviços de Blockchain (RSB) foi lançada, não apenas para uso interno, mas também para fins de comércio global. Uma comissão foi criada para supervisionar essa rede, incluindo entre os seus muitos membros executivos do Banco Popular da China, da Baidu e da Tencent, segundo fontes do Ministério da Indústria e da Tecnologia da Informação (MIIT).

    Lastreado em ouro

    Mas o que tudo isso quer dizer? 

    Fontes bem informadas do sistema financeiro de Hong Kong me afirmaram que Pequim não pretende substituir o dólar norte-americano pelo yuan - apesar do interesse de todo o Sul Global, principalmente agora, que o petrodólar está em coma.

    A posição oficial de Pequim é a de que o dólar norte-americano deve ser substituído por uma cesta de moedas com Direitos Especiais de Saque (DES) aprovada pelo FMI (dólar, euro, yuan, yen). Isso eliminaria a pesada carga que seria colocada sobre o yuan, caso ele fosse a única moeda de reserva.

    Mas essa pode ser apenas uma tática diversionista em um ambiente de guerra de informação escancarada. Uma cesta de moedas sob o controle do FMI ainda implicaria o controle pelos Estados Unidos - o que não é exatamente o que a China quer.

    O cerne da questão é que o yuan digital e soberano pode ser lastreado em ouro. Isso não está confirmado - ainda. O ouro poderia servir como lastro direto ou apenas existir como garantia colateral. O que é certo é que assim que Pequim anunciar uma moeda digital lastreada em ouro, será como o dólar norte-americano ser atingido por um raio. 

    Nessa nova estrutura, os países não precisarão exportar para a China mais do que exportam hoje para ter uma quantidade suficiente de yuans para negociar. E Pequim não terá que continuar a imprimir yuans eletrônica e artificialmente, como no caso do dólar americano, a fim de atender à demanda comercial. 

    O yuan digital será efetivamente lastreado pela imensa quantidade de bens e serviços Made in China - e não por um império transoceânico de 800 Bases. E o valor do yuan digital será determinado pelo mercado - como já acontece com o bitcoin.

    Todo esse processo vem sendo construído há anos em discussões sérias que tiveram início já em fins da década de 2000 nas reuniões de cúpula dos BRICS, por iniciativa principalmente da Rússia e da China - a parceria estratégica central dos BRICS. 

    Examinando as múltiplas estratégias visando a superar progressivamente o dólar norte-americano, começando pelo comércio bilateral em suas próprias moedas, a Rússia e a China, por exemplo, criaram, há três anos, um Fundo de Cooperação RMB Rússia-China.

    A estratégia de Pequim é cuidadosamente calibrada, como em um jogo de Go de longo prazo. Além de já vir há sete anos acumulando ouro, metodicamente e em grandes quantidades (da mesma forma que a Rússia), Pequim vem defendendo um uso mais amplo dos direitos especiais de saque (DES) e, ao mesmo tempo, providenciando para que o yuan não seja posicionado como um concorrente estratégico.  

    Mas agora, o ambiente pós-Planeta Confinamento está se configurando como ideal para uma iniciativa de Pequim. Mesmo antes da eclosão da crise do Covid-19, predominava entre as lideranças a impressão de que a China estava sob um ataque de espectro total por parte do governo dos Estados Unidos. O fato de a Guerra Híbrida já estar atingindo o pico febril significa que as relações bilaterais só irão piorar, nenhuma melhora podendo ser esperada.

    Então, enquanto a China continuar na posição de maior economia do mundo não apenas em termos de paridade de poder de compra, mas também de taxas cambiais; permanecendo como a grande economia que mais cresce no mundo, com a exceção do primeiro semestre de 2020; mantendo-se produtiva, inovadora, eficiente e posicionada para alcançar um nível tecnológico mais alto com o programa Made in China 2025; e capaz de ganhar a "guerra popular" contra o Covid-19 em tempo recorde, todos os elementos necessários estarão colocados.

    Mas ainda há o poder brando. Pequim tem que ter o Sul Global a seu lado. O governo dos Estados Unidos sabe muito bem disso, o que explica a atual histeria de demonização da China, acusando-a - sem nenhuma prova - de ser "culpada"  pela criação da pandemia de Covid-19 e de ter mentido sobre ela.

    Uma "chegada iminente" 

    Uma vantagem importante do yuan digital é que Pequim não terá que usar a flutuação do yuan de papel - que, por sinal, já está sendo abandonado em toda a China, com a quase a totalidade da população passando a usar os pagamentos eletrônicos.

    O yuan digital usando tecnologia de blockchain irá flutuar automaticamente - contornando assim o cassino financeiro global controlado pelos Estados Unidos. 

    A quantidade de moeda digital soberana é fixa, o que, por si só, já basta para eliminar uma peste: a flexibilização quantitativa, como, por exemplo, o dinheiro de helicóptero. E isso faz da moeda digital soberana o meio preferido pelo comércio, por eliminar os impedimentos geográficos às transferências de moeda e, ainda de quebra, dispensar a intermediação dos bancos, com suas taxas absurdas. 

    É claro que vai haver reações contrárias. Como, por exemplo, uma incessante  demonização neo-orwelliana da China, acusando-a de se afastar do propósito central do bitcoin e das criptomoedas - que é  o de se libertar de uma estrutura centralizada por meio da propriedade descentralizada. Haverá uivos de horror acusando o BPC de ter a capacidade potencial de se apoderar dos fundos digitais de qualquer pessoa, ou de recusar uma carteira caso o proprietário desagrade ao PCC.

    Não apenas a China, mas também os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia e a Índia estão a caminho de lançar suas próprias criptomoedas. Por razões óbvias, o Banco de Compensações Internacionais, o Banco Central dos Bancos Centrais, tem plena consciência de que o futuro é agora. Sua pesquisa junto a mais de 50 Bancos Centrais não deixa margem a dúvidas: estamos frente a uma "chegada iminente". Mas quem levará a Sorte Grande?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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