TV 247 logo
    Luis Cosme Pinto avatar

    Luis Cosme Pinto

    Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

    64 artigos

    HOME > blog

    Produtividade, segunda parte

    Na parte final da crônica, vamos conhecer Lívia: a mulher que transformou a vida do entregador Rodrigo

    Motoboy (Foto: Pixabay Free)

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    - Senta aí que a pizza tá embaçada, grande. Sabe aquele corredor entre as filas dos carros que a gente passa voado?

    - Ô! Há um tempo a gente falava “passar chispado”.

    - Chispado é massa. Deixa eu voltar pro corredor. Foi ali que conheci a Livia. Eu vinha com a moto entre os carros. Primeiro vi lá longe o boné branco começando a entrar no corredor e só depois o tênis rosa, a blusa, a calça justa e aquele monte de panfleto na mão. Eu juntei nos freios, controlei e fui pra esquerda.

    - E a Lívia?

    - Ela assustou com a freada e correu pro mesmo lado. No ato, eu virei o guidão pra direita e ela deu um passo na mesma direção. Sabe quando dois pedestres ficam...

    - Indecisos?

    - Isso, valeu. Pois é, ficam indecisos na calçada, tipo: vai você; não, vai você e aí ninguém vai?

    - Isso acontece direto comigo.

    - Só que com a gente rolou ali no meio do trânsito. Aí que eu vi que ela era linda e distribuía pros motoristas aqueles papéis de venda de apartamento.

    - Você falou algo pra ela?

    - Eu queria, mas fiquei sem jeito, o farol já ia abrir. Acelerei, furei o cruzamento e quase chorei de raiva.

    - Por quê?

    - Porque eu queria fazer que nem a gente vê nas séries. O cara desce, dá uma ideia, fala uma coisa engraçada e conquista a mina.

    - Na vida real não é tão fácil.

    - Na moral, voltei pra casa lá no Jardim Jaqueline com ela na cabeça. Os olhos, a tatoo no ombro e o corpo... não dava pra esquecer

    - Mas pelo jeito vocês se reencontraram.

    capa-birinaites-catiripapos-borogodó
    Capa do livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luís Cosme Pinto(Photo: Reprodução)

    - Sim. Eu voltei várias vezes naquele cruzamento, mas nunca achava a mina. Um dia eu vi os panfletos jogados no chão, como se ela tivesse acabado de sair. Fui seguindo os papeis no asfalto, até desaparecerem. Que tristeza!

    - Você continuou a insistir?

    - Claro. Perguntei no posto de combustível, ponto de táxi, nada. Até que num domingo de muito sol, era 20 de março, eu vi a gata.

    - Tomou coragem?

    - Mais ou menos, tava nervoso. Daí pensei, com esse calor vou comprar uma água gelada. Fui até um bar na outra avenida e acelerei pra lá. Me apresentei, ofereci a água e expliquei que quase tinha atropelado ela umas semanas atrás.

    - Qual foi a reação?

    - Abriu o sorriso mais lindo do mundo e deu um gole na água. Só que ela disse que o supervisor tava na esquina e que não podia parar de entregar os panfletos. Aí eu falei pra ela: você trabalha por produtividade, sabia? Ela arregalou aquelas duas azeitonas e perguntou: “que que é isso?”. Aí eu falei que ia voltar pra explicar. Ela me disse que se liberava às 13h. Começamos a conversar pelo zap durante uns dias. Chamei pra gente tomar uma cerveja. Ela disse que tinha que estudar e não topou.

    - E aí?

    - Aí que eu fiquei com mais vontade e tive uma ideia.

    - Qual?

    - Já te conto. Primeiro perguntei pra ela se podia passar lá na esquina no fim de semana. Consegui uma folga com o gerente do aplicativo e fui com fé. Até pedi pra minha mãe fazer uma oração.

    - Isso é que é vontade.

    - Nem desci da moto e convidei: bora tomar aquela cerveja na praia? “Cê é loco. Olha como eu tô vestida”. Eu disse: “Suave. Tenho uma surpresa pra você que eu comprei lá no Brás. Vê se gosta?” Ela desembrulhou o biquini florido e pela cara, senti que amou. Gostou da minha ideia, grande?

    - Maravilhosa. E depois?

    - Começou o encontro da minha vida. A Livia subiu na moto e descemos a serra. Ela apertadinha entre meu corpo e o bagageiro, que delícia. Cada curva melhor que a outra. Uma hora depois, mergulhamos na Praia Grande.

    - Produtividade, hein?

    - Você não viu nada. A gente piscou o olho e já vieram os meninos. O Tarcísio e o Vitor.

    - Chegou a pizza.

    - Que pena, queria terminar a história. Mas a muçarela tem que chegar ainda derretida.

    - Fica com meu zap.

    - Tá salvo. Vou te mandar áudio e mais fotos da família.

    - Boa viagem.

    - Agora são só mais 20 km até o jardim Jaqueline. Fui.

    47 passos depois, boto a chave na porta de casa e encontro meu vizinho. Demétrio desce a escada com o celular na mão. Vai buscar o jantar da sexta-feira.

    (Leia aqui a primeira parte da crônica)

    Meu muito obrigado ao melhor entregador do Brasil, Guilherme Jesus. Ele me ajudou com sua memória incrível e seu talento de contar boas histórias do mundo dos motoboys.

    *Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados