Projeto de lei que busca equiparar aborto a homicídio vai na contramão dos Direitos Humanos
"Há algum tempo, propostas que vão na contramão dos direitos humanos insistem em aparecer no Congresso e curiosamente em anos eleitorais, como este de 2024"
Em menos de um minuto, a Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (12/06), o caráter de urgência do Projeto de Lei 1904/2024 do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) que equipara aborto a homicídio. Isso significa que o projeto pode entrar no plenário para votação sem que passe por comissões.
O projeto vem na esteira de outro projeto de lei em discussão desde 2007 (Lei 478/2007), o Estatuto do Nascituro que propõe a instituição de direito à vida desde a concepção.
Isso demonstra que há algum tempo, propostas que vão na contramão dos direitos humanos insistem em aparecer no Congresso e curiosamente em anos eleitorais, como este de 2024.
É importante lembrar que essas propostas buscam alterar a legislação brasileira, que hoje autoriza a realização de aborto em casos de gravidezes em decorrência de estupro, que tenha risco à vida da pessoa gestante ou em casos de fetos com anencefalia. Com a proposta do deputado Sóstenes Cavalcante, essas previsões mudariam e, em qualquer situação, seria considerada homicídio.
O projeto vem sendo amplamente criticado pela sociedade. Na manhã do dia 14/06 a enquete da Câmara já indicava que 86% dos respondentes discordam totalmente do projeto. Mais de 123 mil comentários contra também já estavam disponíveis na página da enquete.
Essas propostas vão na contramão dos Direitos Humanos, porque os direitos sexuais e reprodutivos fazem parte desta agenda e o Brasil é um dos países signatários. Inclusive quando essa agenda ganhou os contornos que tem hoje, o Brasil esteve em Cairo em 1994 e contribuiu significativamente para o relatório final da Conferência das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento.
O relatório e o plano de ação da conferência informam que é direito humano decidir se, quando e com quem ter filhos e filhas. O plano também insta os países membros das Nações Unidas, inclusive o Brasil, a garantir esse direito, inclusive desenvolvendo políticas públicas de planejamento da vida reprodutiva (planejamento familiar), ofertando informação e insumos para que as pessoas possam planejar ou evitar gravidezes.
Segundo o último relatório global produzido pelo Fundo de População das Nações Unidas, divulgado neste ano, Situação da População da População Mundial, é preciso chamar a atenção para as desigualdades em saúde e no acesso e garantia dos direitos sexuais e reprodutivos.
Pessoas que menstruam e podem gerar estão sendo deixadas para trás devido à sua identidade e/ou local de nascimento. O racismo, o sexismo, o machismo e outras formas de discriminação estão se colocando como elevados obstáculos para a garantia desse direito.
Para além de violar os direitos humanos, o projeto de lei em discussão na Câmara, se aprovado, pode ainda ampliar a discriminação agravada e atingir de forma desigual, prioritariamente as mulheres pobres, negras, indígenas e em situação de vulnerabilidade, que historicamente enfrentam mais obstáculos no acesso às políticas públicas e também a justiça.
Por isso, é fundamental que as mulheres, que representam a maior parcela do eleitorado brasileiro, se posicionem e cobrem seus representantes neste momento decisivo que pode levar ao retrocesso na agenda de direitos.
Rachel Quintiliano é jornalista com experiência em gestão, relações-públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está à frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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