Quando falta a Política e sobra o bolsonarismo puro: uma comparação dos últimos atos de 07 de setembro no Rio de Janeiro
Começo este texto caracterizando os atos pró-Bolsonaro, dos dois últimos anos, como o bolsonarismo puro, pois é o extrato do que sobra, quando se esgotam todas as possibilidades razoáveis de argumentação em defesa do atual presidente da república. Acrescente-se a este fenômeno a perda de terreno das pautas concretas da realidade brasileira e o fato do fascismo bolsonarista e o seu jogo antipolítico ganharem supremacia.
Se a ascensão fascista contemporânea, no Brasil, teve o despertar nas Jornadas de Junho de 2013, ano este que abre um cenário de crise política, 2018 é marcante para elucidar a consolidação deste processo. A literatura sobre o fascismo aponta que crises no capitalismo são momentos que podem abrir espaço para a construção de uma alternativa de conotações autoritárias das mais diversas.
A analogia que faço sobre o ano de 2018, é como se apagassem as luzes no país e jogassem um contraste na população. O desenho do fascismo floresceu, abarcando desde o tecido social, chegando até o poder do executivo nacional. Até então não tínhamos dimensão deste tipo de aglutinação de forças, nem vivido experiência similar, através de uma votação com tamanha amplitude.
Hoje aproximadamente 50 milhões de pessoas apoiam o presidente Bolsonaro, direta ou indiretamente, por motivos distintos. Este dado representa cerca de 34% de intenção de votos, o que é muita gente. Este campo de poder elegeu uma gama de parlamentares, sendo que o Rio de Janeiro dobrou a aposta, construindo um grande cinturão bolsonarista envolvendo inúmeros prefeitos, o governador do estado, além de dois senadores.
O preço disto vem se revelando caro demais. Por outro ângulo, a atual conjuntura ajudou a delimitar os campos de luta política, para o melhor entendimento de quem defende quais pautas, neste país altamente desigual e de frágil democracia.
Um exemplo do custo desta escalada autoritária é o impeachment sui gêneris de Wilson Witzel. Todavia, situações mais graves aconteceram, como as chacinas promovidas pelas forças policiais, em diversas favelas fluminenses. Algo sem precedentes e que chama atenção da população, até mesmo em um estado tão marcado pela trágica violência urbana. Tais atos passaram pela conivência do atual governador Cláudio Castro.
Tratando mais do fascismo de massas, pude acompanhar bem de perto uma dimensão disto, ao testemunhar, nas caminhadas pelas ruas de Copacabana, os atos bolsonaristas de 07 de setembro deste ano e de 2021. Analisarei um pouco do que notei neste exercício e vou expor a minha síntese provisória sobre os respectivos atos, como um todo.
De um ano para o outro à aparência dos manifestantes não mudou muito, apenas ficou a impressão de que em 2021 havia mais gente, até mesmo pelo apelo de poder ser o “dia D” do golpe de Estado. Manifestantes ocuparam nove quadras na Avenida Atlântica. Não houve divulgação oficial da quantidade de participantes, mas os registros ajudam a entender que os manifestantes não passaram de 400 mil pessoas, nas cidades brasileiras.
Ainda em 2021, avistei algumas pessoas conhecidas minhas, de diversas classes sociais, etnias e orientações religiosas, porém aparentemente havia uma hegemonia branca, masculina e de uma camada social mais endinheirada. Praticamente não notei, em ambos os anos, pessoas LGBTQIA+. A estética dos acontecimentos foram predominantemente preenchidas pelo verde e amarelo, com camisas da CBF ou vestes de conotação militar. Ao que parece a estética que aponte para a diversidade não é bem vinda. A sensação que tive é que elementos fora deste script seriam rechaçados, com violência.
Em 2022, houve uma melhor amostragem dos dados e o que parecia ser uma mera impressão se concretizou um pouco mais, com informações detalhadas. O Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, constatou que dos 64 mil manifestantes, a maioria era de homens brancos, classe média, com ensino superior completo. 77% são antipetistas, 91% votaram em Bolsonaro, em 2018, 82% são de direita. Na pauta dos costumes, 80% são conservadores, são pessoas com mais de 50 anos (ou seja, já votaram várias vezes), mas mesmo assim, 69% querem intervenção militar, em caso de fraude nas eleições.
Os dados sobre o perfil dos participantes corroboram com a constatação histórica do fascismo italiano e nazismo alemão (os casos clássicos) de que uma pequena burguesia incorpora a alternativa fascista, se esta se consolidar, em uma conjuntura de crise política.
Voltando ao quadro comparativo, em 2021, o contexto já assinalava uma perda de hegemonia do bolsonarismo puro, quando os dados do Ipec de junho, asseguravam para uma queda de 53% dos votos de quem apertou o 17, no segundo turno de 2018. Grande parte destes eleitores criticavam o cenário econômico do atual governo e diziam não se identificar ideologicamente com o presidente. A avaliação do governo demonstra ter um peso fundamental nos pleitos eleitorais, sobretudo, quando se tenta a sucessão. Neste ponto, se confirmando a derrota de Bolsonaro, em outubro, será um abalo altamente ressonante para esta direita.
O primeiro grande ato de 07 de setembro pode ser encarado como uma das últimas cartadas do bolsonarismo que tenta demonstrar forças, através do campo simbólico, propagandeando potencia e uma sobrevida. Esta movimentação foi acompanhada da pauta contra o STF (principalmente), pelo voto impresso e auditável, além da corriqueira pauta dos costumes. Bandeiras da monarquia também foram vistas (em ambos os anos).
Em 2021, as ruas do bairro apresentavam uma movimentação, desde cedo. A militância estava igualmente empolgada, porém mais barulhenta. Já em Brasília, circulavam notícias de adesão dos caminhoneiros. Bolsonaro também tentou desestabilizar a relação das Policias Militares com os governadores, convocando-os para a construção de uma alternativa autoritária. A fala do presidente, no palanque foi diretamente de afronta ao STF. Depois, ele se dirigiu até São Paulo para fazer novo discurso inflamado. Este conjunto da obra acirrou a relação com os demais poderes nacionais e como o golpe não aconteceu, o bolsonarismo acabou descartando mais um cartucho.
A pesquisa, daquele ano, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, apontou que 59% dos manifestantes, entendiam que o STF era o principal inimigo do presidente.
Na ocasião, a preocupação sanitária era mais elevada, Bolsonaro não tinha partido, a imprensa também noticiou enfaticamente a aglomeração gerada e que a maioria das pessoas não usava mascara. Por outro lado, houve maior força na convocação dos atos dos movimentos de oposição ao presidente.
Vale ressaltar que no mesmo dia, diversas cidades também fizeram atos contra ele. Vários movimentos sociais mobilizaram suas bases para participar do grito dos excluídos e manifestações contundentes, no campo da esquerda, aconteceram. A imprensa noticiou os episódios. As pautas centrais eram: a melhoria das condições de vida e vacina. Em 2022, as esquerdas foram mais discretas nas ruas.
Nos atos da semana passada, houve repetição do fenômeno de tentativa de demonstração de força de massas bolsonaristas, só que agora com maior desgaste, menos adesão e com o nítido recuo da pauta golpista.
Na véspera, as FFAA fizeram preparativos no bairro de Copacabana, com ensaios técnicos, inclusive. Todavia, no dia 07 de setembro, em si, a simbiose entre o militarismo oficial e o bolsonarismo se fundiram, havendo predominância da figura do presidente. Testemunhamos então a imbricação fascista entre aparelho repressivo, poder de Estado, frações burguesas, movimento de massas e luta simbólica.
Jamais havíamos passado por tamanha façanha de adesão das FFAA a uma candidatura à presidência da república, em pleno dia da independência. Os desdobramentos políticos e institucionais disto ainda devem ser melhor compreendidos e tratados.
No campo burguês, o “veio da Havan” aparece como uma figura de destaque no ato de Copacabana. O Pastor Silas Malafaia firmou presença, como representando os religiosos. Figuras como Fabrício Queiroz também foram vistos, mais uma vez, contanto com alto prestígio e aceitação das pessoas. Nenhuma menção à pauta corrupção foi levantada, com vigor. Tanto 2021, quanto 2022, demonstrou que o bolsonarismo possui uma moral e indignação seletiva sobre este tema. Isto enaltece a capacidade adaptativa do campo e a sua resiliência.
Em 2022, por sua vez teve um novo alvo central, o candidato favorito à presidência, o ex-presidente Lula, que em 2021, já parecia como favorito nas eleições futuras. Verifiquei muitos cartazes e camisas questionando institutos de pesquisa, com os dizeres “aqui é o Data Povo”.
Uma equipe de jornalistas flagrou um dos momentos mais contrastantes das manifestações de 2022, quando jovens que estavam no estigmatizado ônibus da linha 474 (Jacaré x Copacabana) discutiram com manifestantes bolsonaristas. A Polícia Militar, na sequência, parou a condução e revistou os jovens, de forma ostensiva. É muito comum esta linha ser noticiada nos telejornais locais, principalmente, nos dias de lazer, forte sol e calor.
Após as manifestações, a pesquisa do Data Folha confirmou que o bolsonarismo vem perdendo força, que não surtiu efeito de intenção de voto. Inclusive, no quesito engajamento nas redes, houve muita menção negativa ao presidente.
As duas manifestações enaltecem o apelo da força simbólica do bolsonarismo, como um movimento de massas. Se Bolsonaro mostrou que ainda respira, através de uma estratégia fascista, onde o culto personalista predomina, por outro lado, os indicadores mais gerais, apontam para uma derrota deste campo, ao menos, no curto tempo. Claramente, as pautas golpistas, que são o foco central, foram mais recuadas, em 2022. À medida que a Política real se mostra dominante sobra o culto ao “Duce” brasileiro.
É possível chegar a algumas importantes conclusões, como o fato do fascismo tensionar corriqueiramente a forma de regime político e o aparato burocrático de Estado. Neste sentido, claramente, houve também um recuo entre os dois atos, porém com nova tentativa golpista de subordinação das forças armadas. Estas também diminuem de tamanho político.
Parte deste processo de disputa de correlação de forças deve ser creditado à capacidade de ação das instituições, que mesmo envolvidas na crise política brasileira pós-2013 e perante suas fragilidades e contradições, vem conseguindo impor limites à Bolsonaro. Respostas políticas, em todas às direções estão sendo dadas para bloquear a escalada fascista e é preciso derrotar imediatamente Bolsonaro.
Um aspecto social que necessitamos pensar é a fusão atual entre partido-família-propaganda. Em ambas as manifestações, o enaltecimento à família (patriarcal-judaico-cristã) foi exacerbado. É propagandeado também que o partido é o Brasil, onde camisas com estes dizeres são estampadas. O uniforme da seleção brasileira de futebol é um símbolo também. As forças armadas aparecem, de uma fora indireta como representação partidária. Neste ano, ficou mais evidente o papel das FFAA como esta linha auxiliar bolsonarista, apesar deste processo já estar em consolidação ao longo deste mandato governamental.
Os dois atos, tiveram forte apelo simbólico, como tentativa ideológica de demonstração de força. Na rua, isto fica nítido e causa impacto, porém, faz-se necessário um instrumental político-analítico para não cair neste jogo movediço. Entendo que foi mais um sinal de derrota do bolsonarismo, quando a possível última tentativa golpista de 07 de setembro, foi feita exatamente no Rio de Janeiro, a base política do clã. Isto pode ser pensado como um ato de voltar para sua casamata, movimento militar de defesa.
O jogo de ilusão bolsonarista é tentar se defender atacando, o que não funcionou efetivamente, em nenhum dos anos. O efeito não ultrapassou a fronteira das suas classes de apoio consolidadas. Copacabana traz à tona também a memória de toda a movimentação dos atos golpistas de rua de 2014-2016.
Fecho esta reflexão levantando a necessidade de pensar estas dimensões políticas mais concretas e urgentes, como a fome, o desemprego, inflação, perspectiva do direito e da cidadania. O campo progressista terá que lidar com a reconstrução simbólica do país. Não será uma tarefa fácil, pois fascismo bolsonarista continuará, por mais que venha se enfraquecendo. Agora eles vivenciaram a experiência de junção de base político-econômica com o poder Político, além de saberem disputar às ruas e o discurso também.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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