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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Racismo não é liberdade de expressão e punir racistas não é censura

    "A tolerância excessiva com os intolerantes nos leva à naturalização do absurdo", escreve o colunista Ricardo Nêggo Tom

    Bruno Gagliasso e Titi Ewbank Gagliasso (Foto: Instagram)

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    Fui “presenteado” com um vídeo onde o presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, faz uma análise da condenação por racismo sofrida pela socialite (pelo menos é assim que ela se apresenta) Day McCarthy, conhecida nas redes sociais por seus comentários absurdos e criminosos a respeito de tudo e de todos, e fiquei perplexo com a defesa feita por ele à liberdade de expressão que a referida cidadã teria direito, ao chamar uma criança preta de “macaca terrível”. Rui chega a usar o termo “censura”, para se opor à condenação aplicada pela justiça a uma pessoa que manifesta, não apenas preconceito, mas profundo ódio e desprezo pela existência de outros seres humanos que ela não considera fenotipicamente dignos de respeito e apreciação. Como ela mesma reiterou em entrevista a Roberto Cabrini, quando disse que é racista mesmo e que não iria pedir desculpas.

    Por vezes, me deparei com os meus argumentos textuais publicados aqui no Brasil 247 sendo rebatidos por colunistas do Diário da Causa Operária (DCO), portal informativo do partido que Rui preside. Ok! Divergência de ideias faz parte do convívio democrático e civilizatório. Até me sinto honrado ao saber que a leitura dos meus textos desperta interesse em pessoas tão qualificadas e aptas a promoverem um debate mais amplo na sociedade. Ainda que seja para se contrapor às minhas ideias, tentar desqualificá-las ou ironizá-las. Não quero que esse texto soe como revide, porque não é. Eu apenas me sinto na obrigação de dizer que não podemos confundir crimes cometidos de forma verbal com liberdade de expressão. Até porque, em crimes cometidos de forma verbal está implícito, não apenas o desejo de agir de forma criminosa, mas também o de incitar outras pessoas a fazê-lo. É o caso da tal de Day McCarthy e de sua manifestação monstruosa, cruel e impiedosa contra uma criança preta.

    Muitas pessoas não pretas, de certa forma, podem encontrar dificuldades no entendimento sobre racismo estrutural, violência racial e desumanização de seres humanos em função da cor da pele. Como diria o poeta, só quem apanha sabe, de fato, o quanto dói a pancada. Isso explica o fato de ele classificar apenas como um “comentário grotesco”, uma agressão que historicamente o povo preto sofre numa sociedade racializada e com carregados traços de colonialismo no comportamento de boa parte dela. Achar injusta a pena de 8 anos de prisão em regime fechado recebida pela socialite racista, é uma controvérsia muito grande para qualquer pessoa que não concorde com o racismo e lute contra o imperialismo. Afinal de contas, não existe imperialismo sem racismo e sem a subjugação de pessoas racializadas. Entendendo que o juiz que aplicou a sentença está defendendo a lei, não há quem possa classificar como censura tentar impedir de forma legal e pedagógica a perpetuação do racismo na nossa sociedade.

    Concordo quando ele sugere em sua análise, que o fato de os pais da menina Titi serem dois artistas brancos, globais e midiáticos, contribuiu para que a lei fosse aplicada. Evidentemente, se fosse uma menina preta filha de pais pretos e “anônimos”, a justiça não teria sido feita. Agora, dizer que a lei é uma “barbaridade” e que a condenação de uma racista abre um precedente perigoso para a punição de qualquer pessoa apenas por falar o que pensa, também se inclui entre os absurdos que não podemos mais tolerar. Rui compara o processo que puniu Day, com o processo que o PCO está enfrentando por condenar o genocídio cometido por Netanyahu contra o povo palestino. Obviamente, a alegação de racismo (antissemitismo) contra os judeus israelenses não passa de uma narrativa diversionista para legitimar os crimes de Israel contra a Palestina. Entender que a pena aplicada a socialite “abre caminho para indiciar pessoas por motivos políticos mais sérios”, é uma ideia tão intelectualmente confusa quanto permissiva com o crime de racismo.

    Todos nós, pretos e pretas, sofremos em algum momento de nossas vidas com esse processo de desumanização, sob a égide do racismo recreativo, como bem definiu o jurista Adilson Moreira, ou, como Rui Costa Pimenta entende, da liberdade de expressão. Desde que tomamos consciência de que somos pretos num país racista, a nossa vida e a nossa visão de mundo muda completamente. Lutamos contra complexos, traumas, perseguições, inferiorizações, violências, dores, omissões, entre outras mazelas e camadas subliminares e cordiais de racismo, que tentam minar a nossa existência e nos dizer que não somos bem-vindos em determinados lugares por causa da cor da nossa pele e do nosso fenótipo. Punir com base na lei alguém que tente animalizar o outro, negando a este a condição de ser humano, de ser tratado com dignidade e respeito, não é censura. É a defesa da civilidade.

    Racismo não é liberdade de expressão. Racismo é crime previsto por lei e quem o pratica não pode ser mais tolerado. Do contrário, estaremos defendendo a manutenção de preconceitos, estereótipos e de um status quo racial que domina sobre todos os outros. Quem não é preto não está no seu lugar de fala para definir como um simples “comentário grotesco”, o que para nós, pretos e pretas, é uma violência contra a nossa existência. Numa sociedade onde até a Igreja nos tirou a alma para justificar a nossa escravização, não podemos ignorar opiniões que podem confundir os ouvintes e induzi-los ao erro de uma interpretação pessoal para um crime que já matou milhões de pessoas ao longo da história, e ainda mata outras tantas diariamente de forma institucional. O tão e justamente condenável imperialismo também é racial. Tolerância zero.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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