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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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RS precisa respirar sem aparelhos

"Temos razões suficientes para não tolerar mais que gestões liberais assumam os destinos das diversas unidades federativas do país"

Enchente no Rio Grande do Sul (Foto: Lauro Alves-Secon-RS)

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Há dois meses o Rio Grande do Sul (RS) sofreu uma tragédia climática sem precedentes, com consequências que atingiram não só para a população vulnerável, mas também as camadas sociais mais favorecidas economicamente.  

A catástrofe produziu muitos estragos na maioria dos municípios e também na capital do Estado pela falta de manutenção e modernização de equipamentos de contenção contra os efeitos de inundações do Rio Guaíba que circunda a cidade. Sem ligar para os estudos científicos do Instituto de Hidráulica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre outros estudos feitos pela inteligência científica do Estado que alertaram sobre os riscos climáticos, os governantes negacionistas e inimigos da ciência optaram por engavetar tais alertas.

Essa tragédia não se deveu somente às variações do clima no planeta, causadas pelos maus tratos à natureza, mas pelas administrações neoliberais, tanto no plano estadual, como municipal. 

O RS e o município de Porto Alegre têm sido administrados, nos últimos anos, por governos de direita alinhados à onipotência do mercado. Nesse período, os gestores optaram pela venda de empresas públicas ao setor privado, apesar dos serviços qualificados que ofereciam à população. Realizaram a privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica, da Companhia Riograndense de Saneamento, da Companhia de Gás do RS, entre outras. Essas privatizações resultaram no oferecimento de serviços precarizados, não só pela falta de investimentos em suas estruturas de funcionamento, como pela demissão em massa dos trabalhadores que detinham conhecimentos e formação continuada para a resolução imediata de falhas nos serviços.   

Nessa perspectiva contrária às promessas de melhoria na prestação dos serviços básicos, o povo gaúcho tem sofrido, de modo recorrente, com o desabastecimento de luz e de água toda vez que ocorre alguma situação climática adversa. 

O mesmo aconteceu com o apagão em São Paulo, ocorrido há pouco tempo, mediante a inércia e descaso da concessionária de energia Enel em que um enorme contingente da população paulistana ficou dias sem energia elétrica depois da ocorrência de fortes tempestades.  

Atualmente o Estado, sob a tutela do governo bolsonarista de Tarcísio de Freitas, realiza a inexplicável privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sapesp) contra a vontade da população, manifestada mais de uma vez. Esta empresa, além de oferecer o melhor serviço de saneamento do país, obteve um elevado lucro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 

Por que privatizar a Sabesp? Que razões movem o governo estadual paulista, apoiado por seu aliado ideológico, prefeito da capital de SP Ricardo Nunes, a vender essa companhia? 

A mesma empresa que detém o controle acionário da antiga Companhia Estadual de Energia Elétrica no RS, a Equatorial de Energia, terá controle da 15% da Sabesp, ou seja, um desserviço caótico anunciado aos paulistas a exemplo do que vem ocorrendo no abastecimento de energia elétrica no RS. 

Enquanto os gestores brasileiros da direita e da extrema direita, promovem suspeitas privatizações de serviços públicos essenciais, outros países decidiram pela reestatização por constatarem os prejuízos causados à população. De acordo com os dados informados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 37 países reestatizaram serviços públicos e, entre esses, citaram empresas de saneamento dos EUA, França, Reino Unido e Alemanha (https://sintaemasp.org.br/?s=reestatiza%C3%A7%C3%A3o+de+servi%C3%A7os+de+saneamento+nos+EUA%2C+Alemanha).

Nesse contexto trágico de sucateamento ou venda de serviços públicos básicos a preços risíveis para mãos privadas, temos razões suficientes para não tolerar mais que gestões liberais assumam os destinos das diversas unidades federativas do país, entre estas, a do Rio Grande do Sul, destruído pelo descaso absoluto das administrações de Eduardo Leite e de Sebastião Mello, bem como dos que os antecederam com o mesmo ideário.

Está na hora do povo gaúcho responder nas urnas o nó sufocado na garganta pelo desprezo dos governantes, tanto aos estratos mais vulneráveis, quanto às demais camadas sociais, que infelizmente têm votado em gestores que nada fazem em favor de políticas públicas de sustentabilidade do bem estar da população. Trabalham com pautas liberais, com concessões para o mercado rentista que atrai investimentos para poucos, sem retorno para os que mais necessitam. 

Entre os pre candidatos à prefeitura de Porto Alegre, temos a Deputada Federal Maria do Rosário que está despontando em primeiro lugar nas pesquisas de intenções de voto, o que já nos sinaliza uma expressiva mudança na consciência progressista dos gaúchos. Contudo, o atual prefeito bolsonarista ainda aparece em segundo lugar para reeleição, apesar do desastre em todas as pastas de sua administração. A outra candidata da esquerda, Juliana Brizola do PDT aparece em quinto lugar atrás dos candidatos dos partidos da direita e extrema direita: PMDB, Cidadania e PL. 

O panorama geral de intenção de votos, no entanto, ainda sinaliza a inclinação de uma fatia do povo em favor de candidatos reacionários. Há muitas razões para essa tendência direitista, como a falta de informações sobre a materialidade das propostas dos candidatos, o pânico que alguns nutrem contra o campo da esquerda alimentado pela extrema direita sobre as pautas de costumes e ilusória ameaça  socialista, as fake news em torno dos candidatos de esquerda pela ala bolsonarista sem escrúpulos, a mistura entre política e religião, a inércia dos partidos de esquerda no estabelecimento de diálogo e mobilização do povo no plano da conscientização política, o acesso majoritário da população aos meios de comunicação de massa corporativos, que sistematicamente se opõem aos governos de esquerda. 

Um exemplo clássico de influência subliminar da grande mídia nas mentes dos telespectadores/eleitores reside no uso ideológico de imagens de fundo, durante as falas dos jornalistas, como as notas de dinheiro escorrendo pelos dutos na tela do Jornal Nacional, que representavam as investigações envolvendo os atos de corrupção na Petrobrás, durante os primeiros mandatos do governo Lula. Outra estratégia é a da ocultação de fatos que não corroborem com a intenção ideológica do editorial. Enquanto o ancora noticiava o aumento de pena do então ex presidente Lula, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foram omitidos de modo proposital, dados da defesa de Lula, que citavam a conduta pífia da Juíza Gabriela Hardt ao copiar e colar a sentença do ex juiz suspeito Sergio Moro. Nada poderia ser dito que viesse a fragilizar a imagem dos juízes que estavam destruindo a imagem do sindicalista de esquerda que terminou o seu segundo mandato com avaliação positiva de 80%. 

A estes aspectos acrescentam-se outros de natureza diversa e bem mais complexos que plasmam o comportamento dos eleitores.

Espera-se que o bom senso afaste esse “cálice de vinho tinto de sangue” do absoluto atraso evidenciado na política brasileira, pelo avanço do extremismo que tomou de assalto significativa parcela da população brasileira. Cálice que abateu o país em várias dimensões humanas.

Nesse triste panorama, nos resta “esperançar” que finalmente seja resgatado o bom senso dos eleitores. Como referiu Leonardo Boff num trecho de seu artigo “Em meio à irracionalidade, resgatar o bom senso”, publicado no Instituto Humanitas Unisinos: “O bom-senso está ligado à sabedoria concreta da vida. É distinguir o essencial do secundário. É a capacidade de ver e de colocar as coisas em seu devido lugar”. 

Aguarda-se que parte do povo brasileiro e, em especial do povo gaúcho, coloque “as coisas em seu devido lugar” e desperte sua humanidade na escolha dos próximos governantes. O Rio Grande do Sul precisa voltar a respirar sem aparelhos. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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