São Paulo não aceita comando da morte
Não é razoável e nem podemos naturalizar a violência policial e admitir, por exemplo, que o afastamento de 14 policiais seja a conclusão de um caso de agressão de jovens rendidos pela abordagem policial, em cenas de violência extrema e humilhação
O drama da pandemia do coronavírus e os traumas dela decorrente têm, em São Paulo, condições e dimensões peculiares frente à tragédia que atinge todo o país. O Estado foi afetado com tamanha rapidez e intensidade pelo vírus que, logo no primeiro mês da pandemia, apresentou o maior número de casos de infecção e morte por Covid-19.
Como um dos efeitos sociais e políticos do coronavírus, em São Paulo esta a escancarar a falta de pudor político, econômico e social dos governos do PSDB que, há décadas, camufla a desigualdade e a miséria de dimensões gigantescas existentes no Estado, que estão diretamente ligadas à ausência do poder público que, adepto do estado-mínimo, abandona à própria sorte, em especial as periferias dos centros urbanos.
Não bastasse o desastre que esta desigualdade social acarreta neste momento, há o terror da polícia que abate moradores pobres, negros da periferia, sobretudo a juventude negra. A última vítima conhecida dessa escalada de terror foi o adolescente Guilherme Silva Guedes, executado há uma semana com dois tiros na cabeça, depois de ter sido levado por dois homens, apontados pelas testemunhas como policiais.
Em meio à pandemia, a Polícia Militar de São Paulo já matou, neste ano, 373 pessoas. É o maior número de mortes em ações da PM, num quadrimestre, desde 2001, ano em que a secretaria de Segurança Pública paulista iniciou esse levantamento. Só no mês de abril, foram 116 as vítimas da PM de Doria, em casos registrados como "morte decorrente de intervenção policial", implicando aumento de 54% no número de assassinatos cometidos por policiais.
Não se está falando aqui apenas de números e índices, está se falando de vidas. São seres humanos, com nome, sobrenome, com famílias que agora estão destroçadas pela violenta perda, em verdadeiras execuções que ceifaram precocemente a vida de seus entes queridos.
Pesquisadores apontam que as ruas vazias em razão do isolamento social, oferecem, para alguns policiais, a sensação de que a sociedade não está vendo e que, assim, eles não serão descobertos. Dados sistematizados pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio indicam, como padrão, que as vítimas das ações policiais são jovens de 15 a 24 anos, homens, negros, moradores de áreas vulneráveis.
Um dos casos acompanhados pela Rede de Proteção e Resistência a demonstrar esse padrão é o do adolescente Igor Rocha Ramos, de 16 anos, morador do Jardim São Savério. Ele saiu de sua casa no dia 2 de abril, por volta das 13h, para comprar cachorro quente e um maço de cigarros para a mãe, e foi executado, cerca de vinte minutos depois, com um tiro na nuca desferido por policiais militares que alegaram ter sido ameaçados com arma pelo adolescente. Familiares contestam a versão policial e testemunhas afirmam que o garoto foi encurralado numa viela e executado. Dois meses antes de ser assassinado, Igor já tinha sido ameaçado por policiais por ter sido ex-interno da Fundação Casa.
É urgente que se exerça um controle externo da PM. É necessário e um debate franco e aberto com a sociedade sobre formação, papel, limites e controle das polícias. É imprescindível a punição severa dos casos de abuso e violência cometidos por policiais. E as mudanças devem ser estruturais, de forma a coibir situações como a de oito PMs que só foram presos depois de terem sido identificados em imagens publicadas nas redes sociais, que mostravam o espancamento de um jovem na casa de sua namorada, enquanto ele gritava que era trabalhador.
Não é razoável e nem podemos naturalizar a violência policial e admitir, por exemplo, que o afastamento de 14 policiais seja a conclusão de um caso de agressão de jovens rendidos pela abordagem policial, em cenas de violência extrema e humilhação.
Não podemos aceitar a explosão da letalidade nas ações policiais que estão, sob o comando do governador do Estado, João Doria que reage às denúncias com formalidade, sendo que, no período eleitoral surfou na onda bolsonarista e abusou do discurso bélico quando se referia as polícias do Estado. É preciso dar um basta! O povo paulista não aceita o comando da morte que tira a vida daqueles que, resistindo às condições dadas pela desigualdade social, driblam o coronavírus, mas não escapam da bala policial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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