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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 61 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Segunda carta aberta a Chico Buarque

A festa foi bonita. O povo cantou na rua e fãs pediram que teu dia vire feriado

Chico Buarque (Foto: Reprodução)

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Querido Chico, a culpa foi da ansiedade, desconfio. Só isso explicaria eu ter deixado de fora dois temas tão importantes na última carta. Ou seria malandragem do inconsciente para arrumar assunto para uma segunda carta?

Seja como for, peço desculpas por não ter lembrado do Futebol e do Teatro nesses seus 80 anos de vida.

Sem firula, acompanhei à distância os clássicos do seu time, o Politheama, lá no campo do Recreio dos Bandeirantes, quase uma roça da Barra da Tijuca naqueles tempos.

Nunca pisei no gramado do “estádio Vinicius de Moraes”, mas vi nas fotos você com Toquinho, Carlinhos Vergueiro, Moraes Moreira, Hyldon, João Nogueira. Timaço.

Deu no jornal e eu até guardei a reportagem que dizia:  “Chico, Paulo Cesar Caju e Bob Marley tabelaram e estufaram o filó.” Do jeito que você cantou na música Futebol, anos depois.

Futebol e música também entraram na pauta de uma antiga entrevista. Você está ao lado do Edu Lobo e então a jornalista pergunta: "Dizem que Chico e Edu são o Pelé e o Coutinho da MPB. Como se dá essa parceria?". Aí, você toca de primeira pro Edu: “Diz aí, Coutinho.”

Já com o Fluminense o caso é sério. Soube que você, ainda bem menino, escolheu o time depois de uma derrota de 3x1 pro Palmeiras, é mesmo?

Sou Botafoguense e te confesso inveja boa. Meu “olho gordo”, Chico, não é por causa dos muitos craques que passaram lá pelas Laranjeiras, mas sim dos teus companheiros de arquibancada. Escalei essa seleção em grená, verde e branco: Millôr, Gil, Cartola, Tom e Wanderléia; Pixinguinha, Elis e Niemeyer; o ataque é teatral, as  Fernandas – Montenegro e Torres -  e Nelson Rodrigues.

Quem já passou dos 50 sabe da importância artística e política de tuas peças: Ópera do Malandro, Roda Viva, entre outras. Você escreveu, fez as músicas e o público sentiu em ti a inquietude de quem desejava se arriscar além da música e foi solidário com tua indignação durante a interminável ditadura de censura e ódio à Arte. 

Numa noite sem lua, o Comando de Caça aos Comunistas invadiu o teatro para agredir o elenco de Roda Viva. Quanta estupidez.

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Capa do livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luís Cosme Pinto(Photo: Reprodução)

Chico, não quero te chatear com recordações negativas. A peça que mais vezes vi na vida foi tua: Os Saltimbancos. Até hoje eu e minhas filham lembramos das músicas que cantam a história da revolta dos animais diante da exploração dos seres humanos.

Na semana passada você comemorou o aniversário em Paris. Por aqui, rádios e bares te festejaram. Meu vizinho também. Numa calçada de Copacabana, em frente ao Bip-Bip, a multidão formou um coral. Tinha maestrina e banda de Chorinho, até os paralelepípedos cantaram. O povo entoou com ritmo Meu Guri, depois Injuriado e de saideira: Quem Te Viu Quem Te Vê.

 Só faltou você, Chico.

Vi e revi, li e reli reportagens e homenagens. Alguns fãs querem que teu dia vire feriado nacional. Tá com tudo, hein?

É estimulante perceber como você nunca desiste de aprender e – incrível – como sabe escolher professores. Compôs e cantou com o melhor da MPB, teve peça dirigida pelo Zé Celso e quando começou a escrever seus livros pediu ajuda e leitura sincera a Rubem Fonseca.

Chico, você foi humilde e com seus versos nos ensinou a dar voz a quem não conseguia se expressar.

Hoje, boa parte da população reconhece a importância do feminismo e luta para que o nosso país respeite suas mulheres. Apesar da indiferença de alguns, a maioria sabe: combater o machismo é pra anteontem.

Porém, há 50, 60 anos, quando as mulheres mal tinham o direito de trabalhar, ou se descasar, você levantou sua viola e com a tal “voz chinfrim”, deu um jeito do país inteiro ouvir as brasileiras. Suas músicas traziam personagens femininas que denunciavam violência, desrespeito, injustiça, solidão.

As mulheres, claro, perceberam a sua boa malandragem. Nossas melhores intérpretes acolheram suas canções e a brasileira comum cantou contigo. No show, na vitrola, no chuveiro.

Mulheres do morro, mulheres de Atenas; mães, prostitutas, cozinheiras e outras que não vimos e mesmo assim jamais esqueceremos.  

Beatriz. Rita. Lígia.

Carolina. Joana. Luiza.

Muitas brasileirinhas, hoje adultas, ganharam nome de música. Sucesso até no cartório.

Em ronda pela internet, encontrei Paulo Vanzolini a falar de ti. O repórter queria saber quem ele achava teu melhor parceiro. Edu Lobo? Francis Hime? Tom?

Pois Vanzolini decretou: “Para Chico Buarque? Chico Buarque.”

Parabéns e, se você não se importar, ano que vem te escrevo de novo.

*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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