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César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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Sem reforma agrária, industrialização será eterno sonho de noite de verão no Brasil

O capitalismo internacional jamais concordou com a reforma agrária no Brasil

(Foto: MST)

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O documentário, muito bom, do repórter Beto Almeida, da Telesur, “O comício das reformas de base - ainda necessárias”, lançado nesta sexta feira, em Brasília, sugere, pelo impacto da sua atualidade intrínseca, que o Brasil está sempre mal posicionado, do ponto de vista geopolítico global, quanto ao desenvolvimento histórico da sua tão sonhada e nunca realizada industrialização. 

O fato é que quando se fala do governo Jango Goulart(1961-1964), o que vem à mente, como relevante, preferencialmente, é o tema da reforma agrária, algo jamais resolvido no Brasil e sem o qual o país jamais será plenamente desenvolvido.

O centro do documentário, como não poderia deixar de ser, é o histórico discurso de Jango em 13 de março de 1964, que motivou sua queda, ao largo de uma mobilização popular imensa, sinalizadora do engajamento da população em defesa dessa conquista jamais alcançada.

Getúlio Vargas, revolucionariamente, adiantou-se nas reformas que levaram o Brasil ao início da industrialização e à modernização das relações trabalhistas, sem as quais não haveria consumidor para os produtos da indústria nascente a partir da revolução de 1930.

A lição dos países capitalistas desenvolvidos era a de que a industrialização foi precedida pela reforma agrária.

A Inglaterra tinha iniciado a sua no século 18 e concluída no século 19.

Nos Estados Unidos, que viria substituir a Inglaterra como ponta de lança do sistema capitalista mundial, no século 20, a reforma aconteceu com a expansão das ferrovias financiadas pelos bancos ingleses.

Os colonos foram chegando para construção de vilas ao longo das ferrovias para desenvolver suas pequenas propriedades, financiadas pelo crédito bancário a juro baixo, quase negativo.

Era o tempo da expansão do povoamento, do faroeste, da dizimação das populações indígenas etc.

Na França, no final do século 18, início do século 19, Napoleão desapropriou a grande propriedade, nas mãos da Igreja medieval, e, igualmente, deu partida na reforma agrária, com o fim do feudalismo e ascensão do pequeno agricultor, em sua pequena propriedade, para alavancar o mercado consumidor interno, necessário para atender as demandas da indústria nascente etc.

GRANDE PROPRIEDADE E O ANTIDESENVOLVIMENTISTA

No Brasil colonizado pelas potências coloniais europeias, primeiro e principalmente por Portugal, não teve nada disso.

As capitanias hereditárias, doadas, praticamente, pelo Rei de Portugal a seus capatazes, nos séculos 15 e 16, para explorar os ciclos econômicos no Brasil, elegeram a grande propriedade.

A exploração da cana exigiu grandes propriedades para produção exportadora etc.

Falar em pequena propriedade, em reforma agrária, nos termos europeus, era impossível.

Por isso, o capitalismo internacional jamais concordou com a reforma agrária no Brasil, pois, caso contrário, se a riqueza potencial de todas as matérias primas disponíveis fossem manufaturadas, não tinha para ninguém, dadas as vantagens comparativas disponíveis no país continente.

Os colonizadores jamais se interessaram em desenvolver o capitalismo brasileiro, a partir da via história da reforma agrária, como aconteceu na Europa.

Seria criar um inimigo concorrente irresistível nos trópicos, em vez de utilizá-lo, como se fez, como abastecedor do capitalismo europeu, impondo-lhe, necessariamente, deterioração forçadas nas relações de troca, levando matéria prima barata e devolvendo produto importado manufaturado caro, aprofundando subdesenvolvimento histórico.

O reinado brasileiro, no século 19, cuidou da institucionalização política da escravidão, para inviabilizar a industrialização brasileira.

Quando o Barão de Mauá tentou industrializar o Brasil, acabaram com ele.

O fim da escravidão, no final do reinado, em 1888, não serviu de ponto de partida para revirada histórica.

O CICLO INDUSTRIAL GETULISTA

Precisou haver a revolução de 1930, que deu cabo da República Velha, no rastro de transformações mundiais, como avanço da Revolução Soviética e modernização burguesa europeia, sob impacto dos partidos sociais democratas, em favor da melhor distribuição da renda, para os ares de mudança acontecerem.

Ainda assim, a industrialização brasileira e latino-americana – que nunca se completou – começou pelo seu aspecto inverso.

Não se deu, primeiro, a reforma agrária, para a formação do mercado interno consumidor, como havia acontecido nos países capitalistas europeus e norte-americano.

Getúlio priorizou a industrialização e as modernizações das relações trabalhistas sem antes lançar a reforma agrária, ao contrário do que fez Mao Tse Tung, na China, em 1949, isto é, desapropriação da grande propriedade, destruindo os barões da terra, colocando no seu lugar a pequena propriedade, como pressuposto básico da industrialização chinesa, tocada pelo partido comunista.

Portanto, as reformas de base, a partir da reforma agrária, tema do documentário de Beto Almeida, que todo mundo deve assistir, pelo seu imenso valor histórico, acompanhado de sua análise marxista e dialética, jamais se materializaram.

O capitalismo internacional sempre se levantou – e continua se levantando – contra elas, para impedir expansão capitalista brasileira como concorrente internacional das grandes potências, mantendo-a em eterna subordinação periférica.

As forças reacionárias – aliança da elite interna udenista com as forças externas imperialistas, primeiro Inglaterra, depois, Estados Unidos – sempre se levantaram em armas quando se falou em modernização do capitalismo brasileiro.

COMUNISMO TUPINIQUIM REACIONÁRIO

O momento histórico do governo de Jango Goulart, centro do debate do documentário de Beto Almeida, representou ponto culminante da propensão popular à revolução pela reforma agrária, mas que teve como freio reacionário o não engajamento das falsas forças progressistas manipuladas pelo Partido Comunista stalinista, incapaz de priorizar a união revolucionária rumo à industrialização nacional.

Levantaram contra Jango, além da divisão das forças progressistas, o capitalismo internacional que nunca concordou que se fizesse reforma agrária no Brasil para que o país não alcançasse desenvolvimento capitalista superior aos demais concorrentes, simplesmente, pelo fato de dispor de todos os fundamentos necessários à revolução como a oferta dos insumos necessários à manufatura industrial e mão de obra disponível para se transformar no mercado consumidor interno irresistível.

A experiência janguista fracassou porque não teve o então presidente o apoio da energia social transformadora de uma esquerda politicamente consciente para se unir contra o capitalismo internacional que nunca deixou o Brasil se industrializar.

NOVA GEOPOLÍTICA PARA INDUSTRIALIZAÇÃO

O filme de Beto Almeida deixa implícita a ligação de um passado recente com o presente lulista no poder que não dispõe de força suficiente para levar adiante o debate sobre a reforma agrária como Jango também não teve.

A questão, sobretudo, que se ressalta, é a geopolítica.

Fica claro que, enquanto o Brasil, do ponto de vista geopolítico, estiver na órbita da geopolítica anglo-saxã ocidental imperialista, que não interessa que haja industrialização no Brasil,a reforma agrária continuará sendo sonho de noite de verão.

Os golpes de estados articulados pelo império sempre serão realizados para impedir essa conquista histórica sem a qual o Brasil se manterá eternamente subdesenvolvido.

A esperança é a derrocada do capitalismo americano que perde hegemonia para a China e Rússia, aliadas como poder econômico e militar, na construção do BRICS, mediante nova geopolítica para os novos tempos.

Tal geopolítica, calcada não no unilateralismo imperialista, mas no multilateralismo cooperativo, vê na reforma agrária a oportunidade de integração global de um novo capitalismo, caminhando para o socialismo nas relações de troca, para fazer frente à exploração do modo de produção burguês em colapso sob o compasso da financeirização econômica global, impulsionadora da economia de guerra.

Resta ao Brasil, ao governo Lula, dar passos mais decisivos rumo à nova geopolítica libertadora, puxada pelos BRICS.

Trata-se de frente de luta contra a geopolítica anglo-saxã imperialista, que depende da subordinação de toda a periferia capitalista aos seus mandamentos, cujos efeitos são a impossibilidade da industrialização dos países capitalistas dependentes do modelo neoliberal antidesenvolvimentista.

Jango estava no rumo da China como parceira necessária da industrialização brasileira quando o capitalismo neoliberal o derrubou com apoio das Forças Armadas reacionárias, obedientes à geopolítica de Washington.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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