Só um áudio
Vivemos apressados e sem tempo de ouvir as mensagens de voz
Vi numa reportagem que mensagens de áudio acima de trinta segundos devem ser evitadas.
- Por quê? Perguntou a repórter.
E a entrevistada, apresentada como consultora em etiqueta de comunicação digital, respondeu.
- É falta de educação, incomoda, atrapalha a pessoa que recebe. A recomendação é escrever. De preferência, textos curtos.
Muitos concordam com a tal especialista e se apresentam assim nos aplicativos de conversa: “por favor, áudio não”, “estou ocupada não posso ouvir”, “nada de áudio, envie mensagem de texto”.
Uma das consequências é que muitas mensagens de voz começam desse jeito: “desculpe, mando esse áudio porque estou sem tempo de escrever...”, “espero não te incomodar, mas achei mais fácil gravar...”, “vou falar bem rapidinho.”
Não sei o que pode acontecer com a minha caixa postal depois desta crônica, mas divido com vocês um segredo: adoro áudios e pouco me importa a duração. Se estou apressado, ouço depois. Se há tempo, é na hora.
É claro que há mensagens inconvenientes, mas em geral, o áudio é mais natural, mais conversado.
Bem diferente do texto escrito, a voz transmite emoção, dor, angústia. É mais verdadeira, eu acho. Aposto que o mentiroso prefere escrever que falar.
Voz não engana idade. Quem passou dos 60 não se faz de adolescente e vice-versa.
O volume também informa. Em geral, notícia boa é dada com euforia e com alguns decibéis a mais. Já derrotas e fracassos chegam em sussurros. É como se a gente quisesse esconder.
Pausas podem ser só um respiro, mas quantas vezes é a inspiração, a tomada de coragem, para enfim, contar uma verdade doída, pedir favor, talvez empréstimo. É, silêncio também é diálogo.
Desabafo, choro entalado, segredo, é no áudio que nos sentimos livres, até para ser repetitivos, mesmo que depois a gente ouça de novo, apague a mensagem e regrave mais curta...
Em minha opinião, o áudio é a última migalha que sobrou da conversa telefônica. Aquela em aparelho fixo, com disco de números ou teclados. Telefones grandes, pesados de fio bem enroladinho, sempre com papel e caneta ao lado.
Aquela ligação que às vezes dava ocupado e a gente insistia. Todos, todos nós, hoje com mais de 40 anos falávamos ao telefone. Na minha casa tinha fila.
Fechava-se negócios, assinava-se contratos, ganhava-se e perdia-se dinheiro pelo telefone fixo. E quem não tinha, se virava no orelhão. Na falta de ficha ou cartão, fazia-se ligação a cobrar.
É claro que o celular é progresso – acho mesmo que tem muito mais virtudes que defeitos, o mesmo para o aplicativo de voz. Rápido, barato, acessível.
Porém, a principal vantagem da mensagem de voz é que ela é democrática. Isso quer dizer que todos podem dar o seu recado. Aí estão milhões de brasileiros, trabalhadores que não puderam estudar, alguns são analfabetos e todos se comunicam na hora em que desejam.
Isso é uma revolução.
O encanador informa o orçamento, a diarista avisa que o trem atrasou, a manicure explica que a cliente das dez vai faltar, o namorado convida pra jantar. Basta um áudio. A gente entende direitinho, pouco importa se quem fala passou ou não pela escola.
Pode escrever?, claro que pode e é bom. Porém, falar pode ser melhor e mais fácil. Quem nunca ficou em dúvida se berinjela é com G ou com J? E o azeite, a mesa, o exame, afinal o que é com Z, com S, com X?
A língua portuguesa não é para amador e pode ter certeza: o brasileiro mesmo que tenha dificuldade para escrever se vira bem na conversa.
Bem antes da internet, conheci na zona sul carioca um poeta marginal, o Chacal. Ele escreveu um poema sobre falar e escrever; sobre o encanto e o sabor das palavras.
UMA PALAVRA
- uma
- palavra
- escrita é uma
- palavra não dita é uma
- palavra maldita é uma palavra
- gravada como gravata que é uma palavra
- gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa
Se eu soubesse o número mandaria um áudio ao escritor Ricardo de Carvalho, o Chacal. Agradeceria com palavras benditas a goiaba que nos deu de presente.
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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