Sobre as dificuldades eleitorais da esquerda em 2024
Não compartilho das visões derrotistas. Avaliações não podem partir da falsa ideia de que o sistema político eleitoral é um ambiente etéreo e asséptico
Duas questões preliminares se fazem necessárias: A primeira é que não compartilho das visões derrotistas, e algumas até apocalípticas, sobre o resultado das eleições municipais desse ano. A segunda, que em parte justifica a primeira, é que avaliações sobre o processo eleitoral não podem partir da falsa ideia de que o sistema político eleitoral é um ambiente etéreo e asséptico, onde a sociedade livremente manifesta suas preferências de visões de mundo e analisa as políticas públicas. Ao contrário, o sistema político é um ambiente distorcido e controlado pelo capital, desde sua legislação até sua realização.
A escolha eleitoral é condicionada pelo domínio ideológico da classe dominante, e ainda mais distorcida pelo uso de mecanismos comprados pelo capital, desde a grande mídia até diretamente votos, passando por diferentes formas de aliciamento. Portanto, o extraordinário, é o fato de que setores políticos da classe trabalhadora consigam eventualmente vencer.
Isso ocorre fruto de muitas décadas de luta social e acúmulo da consciência de classe. Muitas críticas, parecem partir do pressuposto de que há uma obrigação natural de vitória para a esquerda, ignorando todo contexto aqui descrito. Portanto, é preciso reconhecer o feito heroico da esquerda brasileira e latino-americana de produzir tantas vitórias institucionais em sociedades com as formações sociais características dos países periféricos do sistema capitalista.
Feitas essas fundamentais ressalvas, cabe então, analisar quais as dificuldades existentes que contribuíram para não ocorrência de vitórias mais expressivas da esquerda nessas eleições.
Sucintamente destaco três pontos:
1 – As políticas sociais ainda não se apresentam com robustez necessária para serem capazes de superar os mecanismos do capital na definição do voto. O que decorre das amarras neoliberais impostas ao governo federal, que embora vitorioso em 2022, não possuí hegemonia nem nas instituições, nem no senso comum, sobre o qual a dominação ideológica do capital encontra hoje baixa resistência;
2 - O outro, e talvez mais preocupante, seja o fato de que a objetividade política está em segundo plano na tomada de decisão de amplos setores da sociedade, como já alertou em entrevista recente o sociólogo Jorge Branco ao Brasil de Fato. Vou adiante, na afirmação de que elementos ideológicos foram fator central das decisões políticas tomadas pela maioria da população.
3 – Tendo sido a disputa ideológica fator determinante da decisão política nessas eleições, a esquerda se encontrou fragilizada pelo fato de ter abandonado sua mais importante premissa programática e aceitado o capitalismo como paradigma do debate, chegando a absorver elementos resultantes da crise do capital como parte de suas propostas. Ao abdicar da crítica ao sistema político e econômico, a esquerda facilitou o caminho para a direita trazer ao centro do debate questões ideológicas relacionadas a pensamentos morais e religiosos, de grande apelo popular. O que é reforçado, pela força do identitarismo nos programas da esquerda, uma armadilha bem plantada pelas “think tank’s” americanas e seus mecanismos de cooptação que operam, em especial, via as universidades, espraiando a confusão na ação política da esquerda e a divorciando de amplas massas de trabalhadores, que de explorados pelo capital passam a ser classificados como “opressores”, tornando-se facilmente atraídos pela falsa contestação ao sistema feita pela extrema direita.
Frente a esse quadro, surge a necessidade de determinadas ações, que não são novidades, aliás, a busca de “novidades” muitas vezes nos desvia do evidente. A primeira, é a retomada urgente, e necessariamente corajosa, do socialismo como paradigma político, deslocando o debate ideológico para o campo da luta contra a exploração capitalista, desnecessário dizer que a exploração econômica e o combate a mesma, sofreram alterações, mas digo isso para prevenir as possíveis críticas simplórias do tipo: “ah, más o mundo mudou”. Ao reposicionamento programático é preciso agregar ferramentas potentes de comunicação/propaganda, o que tem sido negligenciado a décadas por organizações de esquerda que possuem volumosos recursos, relegando a tarefa exclusivamente à heroicas iniciativas de jornalismo independente. Outra e importantíssima ação, muito defendida por setores da esquerda, é o uso dos governos conquistados para construção de amplos processos de participação popular, a exemplo do orçamento participativo, criando assim ambiente para retomada de um avanço da consciência política e de mobilização popular, capazes de alterarem a hegemonia ideológica e institucional das classes dominantes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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