Somos todos maricas
"Bolsonaro continua ofendendo as identidades e eu continuo me situando. Se ele acha que reclamar da pandemia nos torna um país de maricas eu confirmo. Sim, somos todos maricas", escreve Miguel Paiva, do Jornalistas pela Democracia
Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia
Já disse uma vez aqui nesta coluna que era idoso e me sentia ofendido com a qualificação que Bolsonaro fazia dos velhos no início da pandemia. Tive muitas mensagens solidárias e justas. Agora, Bolsonaro continua ofendendo as identidades e eu continuo me situando. Se ele acha que reclamar da pandemia nos torna um país de maricas eu confirmo. Sim, somos todos maricas.
Gostamos de viver, do cuidado com as coisas, da preservação da natureza, dos sentimentos, das lágrimas e dos sorrisos, da arte, da pintura, do cinema, das belas imagens fotográficas, das cenas românticas, das emoções baratas e rasgadas, dos corações partidos, das trocas de olhares, dos beijos, ah os beijos, do amor livre, do sexo prazeroso e libertário, das palavras ao vento, das palavras cantadas e escritas, do teatro, das cenas dramáticas e cômicas, da cortina se abrindo, dos três sinais tocados antes do espetáculo começar, dos livros pesados com muitas letras e palavras, com as histórias bem contadas, até das mal contadas gostamos, dos refrões musicais, dos riffes, dos solos de guitarra e de violoncelo, das letras enormes e profundas do Bob Dylan, da poesia concreta dos Campos e das sua esquinas, de Caetano, Gal, Gil e Bethânia, do carnaval de rua, dos blocos, dos peitos de fora, das fantasias materiais e das fantasias imaginadas, dos sonhos, dos museus, seus quadros e esculturas, da história contada nas gravuras, das danças primitivas, da herança afro da nossa cultura e da nossa culinária, do hip-hop, do funk, do samba de fundo de quintal, do sertanejo raiz, dos grandes solistas líricos, das morrendo com o cisne ou num pas de deux eterno simbolizando amores que nascem e desparecem, das comédias pastelão, dos filmes cabeça, dos cantos dos pássaros no pantanal antes do incêndio, do silêncio cheio de sons das matas, das tribos da Amazônia, seus rituais e danças, da língua portuguesa, seus desvios, seus abismos e suas revelações, das mãos dadas pelos caminhos, dos abraços sem risco depois da pandemia, das reuniões para comer, beber e jogar conversa fora, da chuva no mar, do nascer de mais um dia ali por detrás da praia de Copacabana, e o por do sol sob aplausos no verão de Ipanema, os corpos de homens e mulheres expostos sem crime e sem pecado que se tocam e se apreciam num gesto único de liberdade e prazer, da velhice que insiste, da vida que não desiste e do tempo contado que repete o tempo vivido e promete o tempo futuro.
Tudo coisa de maricas e maricas somos, com prazer.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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