Tarifa zero e o direito à cidade
A luta por cidades justas, sustentáveis e democráticas
Por Clóvis Girardi e Danielle Angelo*- O transporte público urbano é uma peça-chave para garantir que todos nós tenhamos acesso aos serviços e locais essenciais nas cidades. Escolas, postos de saúde, hospitais, parques, lojas e outros pontos vitais se tornam acessíveis através deste sistema. Nessa perspectiva, propomos a implementação da tarifa zero como um ponto crucial que traz à tona aspectos fundamentais relacionados à inclusão, acessibilidade e mobilidade com o objetivo de obstáculos que impeçam as pessoas de desfrutar plenamente do que a cidade tem a oferecer.
O debate em torno da tarifa zero no transporte público, à luz do Direito à Cidade, representa um ponto crucial na busca pela equidade urbana. O Direito à Cidade, um conceito que emergiu nos anos 1960 e foi consolidado por Henri Lefebvre, enfatiza que todos, todas e todes têm o direito de participar ativamente na construção e na gestão da cidade feita por quem a governa. A tarifa zero no transporte público se alinha com essa perspectiva ao eliminar um dos principais obstáculos que limitam a participação plena na vida urbana: o custo do deslocamento.
Mas, afinal, quanto custa esse deslocamento? Por que é excludente? Imaginemos uma situação como a do município de Santo André, em que a passagem de ônibus municipal custa 5 reais. Supondo que uma pessoa faça uma viagem de ida e volta durante 6 dias para estudar, trabalhar ou acessar, são 60 reais por semana, 240 por mês. Como a cidade faz parte de uma dinâmica metropolitana, pra muitas pessoas as viagens precisam ser complementadas com o sistema sob trilhos, elevando o custo para 451,20 por mês, que representa 34% do salário mínimo. Valor, inclusive, que pode ser ainda maior a depender da utilização de ônibus intermunicipais, já que não há integração entre modais.
Ao garantir a gratuidade no transporte público, como são os serviços de Saúde ou Educação, rompemos com a lógica de exclusão que restringe o acesso a determinados serviços urbanos a uma parcela da população. Isso implica em uma democratização efetiva da cidade, permitindo que todos, independentemente de sua condição socioeconômica, usufruam do espaço urbano de maneira plena e igualitária. A tarifa zero não é, portanto, apenas uma questão de comodidade, mas uma afirmação do direito de todos à cidade, combatendo as desigualdades de mobilidade que caracterizam muitas realidades urbanas.
Eliminar a tarifa no transporte público também contribui significativamente para a diminuição de problemas ambientais e de saúde - e consequentemente, diminui a necessidade de investimentos. A redução do uso de veículos particulares resulta em menor emissão de gases poluentes e menos congestionamentos, impactando positivamente a qualidade do ar e a qualidade de vida das pessoas, ou seja, o benefício não é só daqueles que utilizam o transporte mas de toda a população. Além disso, promove-se uma cidade mais sustentável ao incentivar a mobilidade ativa e o uso de um meio de transporte mais eficiente e coletivo.
Contudo, a implementação da tarifa zero não é simples e requer uma reestruturação cuidadosa do sistema de financiamento do transporte público. É importante encontrar fontes alternativas e viáveis de recursos para garantir a sustentabilidade econômica desse modelo. Pode-se explorar, por exemplo, a realocação de recursos atualmente destinados à subsídio de combustíveis fósseis para investimentos no transporte coletivo, além de buscar parcerias público-privadas e incrementar a arrecadação por meio de tributação progressiva.
Outro aspecto relevante é a necessidade de uma gestão eficaz e transparente dos recursos destinados ao transporte público, garantindo que esses sejam efetivamente revertidos em melhorias no serviço. A participação da população e do poder legislativo nesse processo é fundamental para assegurar que as decisões atendam às reais necessidades da comunidade e promovam uma cidade mais justa e inclusiva.
Além disso, ao adotar a tarifa zero, é preciso considerar a capacidade de infraestrutura existente para suportar um provável - e incentivado - aumento na demanda. Investimentos em expansão e modernização do transporte coletivo são indispensáveis para garantir a eficiência e a qualidade do serviço. Fundamental, também, que esses investimentos sejam aliados às políticas de uso do solo e planejamento urbano que privilegiem o adensamento populacional em áreas próximas aos corredores de transporte coletivo, promovendo uma cidade mais compacta e sustentável.
A tarifa zero não é uma solução isolada, principalmente em regiões metropolitanas. Os municípios têm, a cada ano, mais dificuldades orçamentárias e financeiras. Por isso, a solução passa por um arranjo interfederativo colaborativo, com a participação dos estados e da União no financiamento dos investimentos. E passa também por políticas integradas e matriciais que promovam o acesso à habitação adequada, à educação, à saúde e a outros direitos, garantindo, assim, um ambiente urbano verdadeiramente democrático.
A implementação da tarifa zero no transporte público, à luz do Direito à Cidade, representa uma abordagem inovadora e essencial para alcançar a equidade urbana. Ao remover barreiras econômicas e promover a democratização do acesso aos benefícios urbanos, essa medida contribui para uma cidade mais justa, sustentável e inclusiva.
*Clóvis Girardi é planejador territorial e mestrando em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC.
Danielle Angelo é bacharel em Ciências e Humanidades, e bacharelanda em Ciências Econômicas e Planejamento Territorial pela Universidade Federal do ABC.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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