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    Victor Assis

    Dirigente dos comitês de luta contra o golpe em Pernambuco e editor do Diário Causa Operária

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    Tem humorista que não deveria aparecer na TV

    Capacho da Rede Globo desde o berço quer ditar o que pode ou não ser dito em uma piada

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    Bruno Mazzeo, um dos funcionários vitalícios da Família Marinho, empregado no Projac desde a puberdade, escolheu como tema da vez para suas piadas a liberdade de expressão. Disse Mazzeo: “tem piada que não se deve fazer hoje na TV porque não se deve fazer na vida”. Pela primeira vez, ri com alguma coisa que o cidadão falou — ri de alguém ser tão idiota assim. Eis que, no entanto, não era uma piada: Bruno Mazzeo falava a sério.

    A declaração foi dada na série “Comediantes que Amamos”, da Viva (vulgo Rede Globo de Televisão). E não poderia ser diferente: se há alguma coisa na televisão brasileira que simbolize o humor sem graça e a censura moralista é a Globo.

    Mazzeo nos explica que “o humor evolui junto com a sociedade, a partir do momento em que a sociedade evolui em alguns comportamentos, em alguns entendimentos de erros históricos” e que não há “nada mais justo que o humor acompanhar essa sociedade”. A que vem tamanha baboseira?

    Ora, o que está em debate hoje, tanto no humor, quanto na imprensa e na política, é a seguinte pergunta: liberdade de expressão tem limite? Dito de outra forma, Léo Lins tem o direito de fazer uma piada sobre deficientes físicos nordestinos? Monark tem o direito de defender a liberdade de organização da extrema-direita? O Partido da Causa Operária tem o direito de falar que as eleições de 2018 foram fraudadas?

    Bruno Mazzeo procura fugir do debate. Para não ter de falar que é a favor de o Estado censurar humoristas, jornais e partidos políticos, como bem fez a ditadura militar, o empregado da Rede Globo direciona o debate para “os bons costumes”. Isto é, concedido o direito de cada um falar o que bem quiser, seria moralmente adequado falar tal coisa? Será que um comediante pode falar que a mulher tem pés pequenos para chegar mais perto do fogão ou isso estaria em desacordo com os “valores” da sociedade?

    O problema dessa discussão é que ela é absolutamente relativa. Quem determina quais são os “valores” vigentes? A Santa Inquisição não dizia atuar em nome de seus interesses, mas sim em defesa da moral da época. Assim como a ditadura militar, a ditadura hitlerista ou qualquer outro regime que tenha usado a censura e a perseguição política em ampla escala.

    No caso de Bruno Mazzeo, é fácil de se perceber onde fica o Vaticano da nova moralidade. Basta olhar para a trajetória do ator.

    Embora muito carente de qualquer talento humorístico ou mesmo criativo, Mazzeo certamente teve no “Cilada” (2005-2009) o seu auge. O programa, que consistia em esquetes narrados pelo próprio Bruno Mazzeo, mostrava, sob um olhar debochado, uma série de situações da vida cotidiana consideradas constrangedoras. Muitas das cenas seriam hoje censuradas pela própria Rede Globo.

    Tomemos como exemplo o episódio “Praia”, exibido em 2006, que começa com uma longa troca de ofensas, incluindo palavrões. Durante o esquete, um vendedor ambulante oferece a própria mãe a um turista estrangeiro e a câmera faz questão de dar vários “closes” na bunda da mulherada de biquíni. Bruno Mazzeo ainda ensina várias formas de os homens conseguirem alguma vantagem sexual com as mulheres:

    “A técnica de passar o bronzeador nas costas da mulher é, até hoje, a mais popular forma de paquera na praia. Em segundo lugar, vem a técnica do afogamento, onde o homem finge que está afundando na água para ser salvo por uma salva-vidas gostosa. Por último, vem a técnica kamikaze, que consiste em escolher aleatoriamente uma bunda de mulher virada para cima e depois mergulhar de cara”.

    O apelo a bundas, praia, biquínis e mulheres bonitas não era, nem de longe, uma ousadia de Bruno Mazzeo, mas simplesmente aquilo que era comum de se ver na televisão da época. Em uma propaganda do mesmo ano, a atriz Juliana Paes, a musa da Antártica, aparece se esticando para alcançar um copo de cerveja, ao mesmo tempo em que sua saia ameaça desamarrar e todos os homens da cena começam a torcer para que se arrebente e exponha os glúteos da atriz.

    Outro episódio que talvez possa causar ainda mais escândalo nos dias de hoje foi gravado no ano de 2009: “Mulher com filho”. O esquete se resume ao personagem interpretado por Bruno Mazzeo chamar o filho de sua parceira de “pentelho” e a reclamar que ela, por causa dos compromissos do garoto, nunca tem horário disponível para ter relações sexuais. Por fim, podemos ainda citar o episódio “Carnaval”, de 2006, em que Bruno Mazzeo ridiculariza uma suposta mulher — que na verdade era um travesti — que entra no banheiro masculino e faz uso do mictório.

    A fala de Mazzeo sobre a “evolução da sociedade” deve ser entendida, portanto, como uma tentativa de explicar a sua própria involução no humor. Esforçando-se hoje para se enquadrar no “politicamente correto”, o ator se sentiu na obrigação de explicar porque, naquela época, suas piadas atentavam contra o que hoje não seria “bem visto”: “eu não vou me culpar por ter feito e nem me arrepender delas, porque eu acho que naquele momento, daquela sociedade, ela funcionava”.

    O problema dessa explicação é que não há uma “mudança na sociedade” de 2006 para os dias de hoje. A sociedade brasileira é, fundamentalmente, a mesma das últimas décadas. O negro é tratado como lixo, as mulheres são oprimidas e exploradas sexualmente, o operário trabalha como um condenado e vive na miséria… Enfim, não há “evolução” alguma. Que mudança deveria haver, portanto, no humor?

    A verdadeira mudança, que fez com que Mazzeo abandonasse as bundas, as piadas sobre homossexuais e tudo que tornavam seu programa minimamente interessante, é a mudança na orientação política do seu Vaticano — a Rede Globo. Isto é, apesar de a sociedade ser fundamentalmente a mesma, os patrões de Bruno Mazzeo decidiram, nos últimos anos, que determinados temas seriam “tabu”. E isso, por sua vez, por motivos puramente políticos: como o imperialismo, na atual etapa, está se esbaldando na demagogia identitária, proibir piadas que seriam supostamente ofensivas para os identitários seria uma necessidade por parte da Globo.

    Essa mudança é flagrante. No caso da exposição de corpos femininos, basta lembrar da Globeleza, a mulher que desfilava praticamente nua na Rede Globo durante o carnaval. Após muita pressão da direita conservadora, sobretudo evangélica, a Globo decidiu “vestir” a Globeleza, utilizando, para isso, a demagogia identitária de que “mulher não é objeto”. As propagandas de cerveja que iam no mesmo sentido também desapareceram.

    Em 2021, o jornal O Globo publicou um artigo de título “Profissão-mãe”. O texto, assinado por uma tal Diretora Executiva do Instituto Identidades do Brasil, é uma demagogia sem fim com a maternidade e certamente pediria cadeia para Bruno Mazzeo caso “Mãe com filho” viesse ao ar nos dias atuais.

    Se Bruno Mazzeo acha que o humor precisa mudar, é por um motivo bem simples: caso não se adeque às bulas papais da Família Marinho, vai parar no olho da rua. Não se trata de “acompanhar” a sociedade, mas sim de seguir aonde o dinheiro vai.

    Quando o ator diz que “tem piada que não se deve fazer na TV”, ele quer dizer: “tem piada que a Família Marinho não deixa fazer”. Sendo assim, como nada temos a ver com a Família Marinho — pelo contrário, que se dane essa máfia criada pela ditadura militar —, deveríamos dizer: todas piadas devem ser feitas em qualquer lugar. O humorista que se priva de fazer uma piada porque o patrão não quer não é um humorista, é um capacho. Esse sim que não merece aparecer em lugar nenhum.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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