Terra à vista
O tsunami do coronavírus atravessou oceanos e revelou que o horizonte não é o mesmo para todos e que o presente e o futuro dos povos depende de uma reviravolta na tendência ao abandono deliberado do estado de bem estar social
Arroba do boi a quase 200 reais, 80% de uma safra recorde de soja vendida, dólar um real acima do de janeiro... o agronegócio faz de um tudo para manter a pandemia fora da porteira, das estradas, dos portos e dos navios. E, claro, que os aloprados do Planalto parem de se meter em briga de cachorro grande e não prejudiquem nossas relações com a China.
O agricultor familiar, por sua vez, essencial para nossa segurança alimentar, pode ver luz no fim do túnel se puder se beneficiar do crédito para a compra de insumos com preços na lua e da renda mínima garantida aos brasileiros.
Nas favelas, a Globo, desde as enchentes, desceu ao abismo das moradias indecentes e superlotadas, do esgoto não tratado, muitas vezes a céu aberto ,da falta de água, renda e, portanto, comida. Nas calçadas, um mar de sem tetos.
O tsunami do coronavírus atravessou oceanos e revelou que o horizonte não é o mesmo para todos e que o presente e o futuro dos povos depende de uma reviravolta na tendência ao abandono deliberado do estado de bem estar social que, depois da segunda guerra, parecia orientar as políticas públicas da maioria dos países.
Os arautos do vale-tudo na economia, os defensores despudorados da lei da selva no campo e nas cidades, foram constrangidos, pelo furacão do coronavírus, a apostar no Estado, a aprender sobre políticas de renda mínima universal e até mesmo a sugerir, passado o tsunami, planos de investimento ao modo do Plano Marshall, ferramenta decisiva para a recuperação econômica do pós guerra.
Fernando Henrique Cardoso, esqueçam o que possa ter dito antes, depois de ralhar contra os que queriam lançar a “social-democracia” na lata de lixo da história, conclui em artigo publicado no jornal O Globo desse domingo: (devemos)...” reforçar estruturalmente a saúde pública e a ciência básica, fazer gastos extraordinários para garantir a sobrevivência das pessoas e das empresas mais vulneráveis e, mais à frente, distribuir com equidade a carga de impostos para reduzir o déficit e a dívida pública, que irão crescer inevitavelmente.”
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo no último dia 26, já lembrara: “Poucos países (nenhum capitalista e com mais de 100 milhões de habitantes; nós temos mais de 200) possuem um sistema nacional de saúde capaz de atender, de modo universal e gratuito —só no ano de 2019 foram 12 milhões de internações hospitalares e mais de 1 bilhão de consultas ambulatoriais. Nós dispomos dele.
Mas como ele mesmo pareceu ter se esquecido por algum tempo alguns traços marcantes de uma social democracia a vera, como a valorização do Estado, a organização dos trabalhadores e dos pobres, persiste em reproduzir o que vem se tornando um mantra dos cristãos novos liberais: - veja bem, é só na emergência, logo logo teremos de parar com esses gastos, não podemos deixar crescer a dívida, insistem
Mas, como disse o governador Dória, não é hora de expor discordâncias. “O momento é de foco, serenidade e trabalho para ajudar a salvar o Brasil e os brasileiros.“
O certo é que o Brasil não vai acabar. E quem sabe, da calmaria que há alguns bons anos afastava da terra a nave de todos nós, a sacudida de uma pandemia com seu rastro de morte possa nos permitir vislumbrar novos horizontes: a tal da pátria mãe gentil de novo à vista.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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