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    Carlos Carvalho

    Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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    Um domingo no quilombo

    Em todas as atividades na serra, a Comunidade é partícipe, como tem que ser. E que assim seja!

    (Foto: Carlos Carvalho)

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    O parque de diversões ao lado da Igreja Matriz de Baturité, no Ceará, ainda dormia quando chegamos por lá na manhã do último domingo. À nossa espera, um caminhão pau de arara já nos sorria. Assim, enquanto a cidade ainda relutava em despertar, começávamos a subir os dez quilômetros de serra que nos levariam até a Comunidade Quilombola da Serra do Evaristo, localizada na zona rural de Baturite, a 112 quilômetros de Fortaleza. As orientações e informações gerais sobre a Comunidade nos eram dadas a todo o momento por Igor Pedroza, responsável pelo convite para conhecermos a referida comunidade quilombola, guiando-nos até ela. Nosso ponto de apoio seria a casa da mestra Socorro Castro e sua família.  

    Embora se tenha a impressão de que o tempo passa mais lentamente na calmaria da serra, era preciso “correr” para chegarmos a tempo de acompanhar o cortejo que sairia por volta das 8h30 da casa da Família Castro; percorreria algumas ruas da comunidade e chegaria até a escola onde seria realizada a Dança de São Gonçalo, que é uma tradição do folclore brasileiro realizada em homenagem ao santo. É nessa ocasião, que se pagam promessas e se agradece pelas graças alcançadas. Chegamos a tempo. Ufa! E lá fomos nós. Quando o cortejo chega à escola, sua parada final, a população também começa a chegar e buscar os melhores lugares para acompanhar a celebração. Uma lindeza!

    O Altar é posto. As dançadeiras e os tocadores assumem suas posições. Em nome do quilombo, dona Socorro dá as boas vindas, agradece e começa a conduzir as atividades. Assim, durante quase quatro horas de festa, tivemos a oportunidade de vivenciar uma das mais belas manifestações culturais do povo brasileiro. Mas, mais importante que os visitantes que ali estavam era a presença das pessoas do quilombo que, aplaudindo, cantando e dançando, saudavam suas tradições e reafirmavam seus inquebrantáveis laços com nossa ancestralidade. Em coro, cantava-se: (...) “Tem que acabar com essa história de negro ser inferior/O negro é gente e quer escola/Quer dançar samba e ser doutor/Dança aí negro nagô! (...). “Vou botar fogo no engenho aonde o negro apanhou/O negro é gente como o outro/Quer ter carinho e ter amor (...).  

    A Comunidade Quilombola da Serra do Evaristo foi certificada pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2010 e, além da beleza natural que a abraça, a Comunidade também é um reconhecido sítio arqueológico, cujas escavações realizadas pela equipe coordenada pelos arqueólogos Igor Pedroza (lembram-se do nosso guia?) e Cláudia Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) localizaram, entre outros artefatos, uma urna funerária http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/446/museu-comunitario-recebe-achad, a qual está hoje exposta no Museu Comunitário Serra do Evaristo http://museus.cultura.gov.br/espaco/8958/. As atividades desenvolvidas pelos profissionais, do Iphan e da UFPE, contaram com a participação de membros da Comunidade, especificamente estudantes. Ou seja, em todas as atividades na serra, a Comunidade é partícipe, como tem que ser. E que assim seja!

    Após o almoço (pobres galinhas caipiras!), um breve descanso para reposição das energias. Em seguida, uma longa caminhada em meio ao imenso bananeiral (a banana é o principal produto da região), que se espalha até onde a vista alcança e além, até chegarmos a um dos pontos mais altos e mais bonitos da serra.  Na volta, moídos, o pau de arara nos espia, com olhos de comer fotografia. Dez quilômetros serra abaixo nos aguardam. Voltamos. Alguém pode pensar que um domingo no quilombo pode valer mais que um mês na cidade. Será? Não serei eu a dizer que não.  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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