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Marcia Tiburi

Professora de Filosofia, escritora, artista visual

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Uma reflexão sobre o barulho como categoria política

No conflito atual entre Ucrânia e Rússia vence a desinformação em uma atmosfera de muito barulho

Celulares | mídias sociais (Foto: Freepik)

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  1. A revolução não será televisionada, mas a guerra sim. A revolução não interessa como capital imagético como ocorre com a guerra. A revolução pode acontecer em silêncio. Já a guerra é fascinante e excitante e sua característica é ser barulhenta ao extremo. O barulho perturba e é importante deixar as massas bem perturbadas. A barulheira serve ao mercado dos afetos que faz lucrar tanto as redes sociais, administrando o narcisismo, e indústria de armas, administrando o desejo de matar e elogio à morte. Hoje tudo é mercadoria e a mercadoria tem a forma de arma, mesmo quando se trata de uma roupa de marca ou de um celular. 
  2. Tudo se transformou em arma de guerra: a guerra é a nova forma social. Onde havia uma sociedade do espetáculo, há hoje uma sociedade mediada pela guerra. A guerra é a forma e o conteúdo de um tempo de desespero.
  3. A guerra não é mais apenas uma questão de atos de violência entre Estados ou grupos políticos, mas uma questão de manipulação de narrativas, ou seja, de formas de contar fatos reais ou criados especificamente com objetivos de convencer pessoas. A imprensa como Quarto Poder domina todos os outros. 
  4. O voto como arma democrática é menos interessante para as populações do que a linguagem. 
  5. Kim Bartley e Donnacha O'Briain realizaram um documentário em 2002 chamado “A revolução não será televisionada” no qual mostram o golpe contra o governo de Hugo Chávez na Venezuela em 2001. No processo das gravações de um documentário com Chávez, os cineastas irlandeses foram surpreendidos por uma tentativa de golpe, mas também pela reação do povo. A Venezuela é um dos cinco maiores países produtores de petróleo do mundo e um dos maiores fornecedores dos Estados Unidos. Hugo Chávez assumiu a presidência em 1998 defendendo que os rendimentos do petróleo fossem usados em investimentos sociais voltados à maioria do povo. Crítico das políticas neoliberais ele incomodou oligarcas internos e externos. Seu governo insubmisso foi considerado uma afronta por esses grupos. O documentário revela a manipulação da imprensa corporativa, com direito à uma criminosa edição de imagens na qual aparece um grupo de apoiadores de Chávez sobre a Ponte Llaguno de Caracas, realizando disparos. As imagens manipuladas foram utilizadas para dizer que Chávez foi quem mandou disparar contra a multidão. "A revolução não será televisionada" mostra a edição completa da sequência de imagens. A manipulação na edição da TV é evidente. O que a edição escondia é que os grupos situados sobre a Ponte Llaguno de Caracas respondiam aos disparos de franco-atiradores contra manifestantes. Espectadores do mundo todo deveriam acreditar que os apoiadores de Chávez dispararam sobre os manifestantes. Chávez foi sustentado no poder porque o povo não aceitou essa mentira. Mas o barulho estava feito e a imagem da Venezuela nunca mais seria a mesma.
  6. No conflito atual entre Ucrânia e Rússia vence a desinformação em uma atmosfera de muito barulho.
  7. Mais do que ruído, o barulho é importante para fazer ferver as massas. A ebulição faz parte da guerra de desinformação da qual o cidadão participa excitado. Sem o clima de irracionalidade criado pela barulheira, a desinformação pode desaparecer, e os planos do poder podem ser prejudicados. Manipular as massas em escala mundial é uma potencialidade de uma época digital em que todos os cidadãos participam com a parte que lhes cabe no processo da democracia lançada no abismo.
  8. A desinformação é a nova atmosfera onde brota e se mantém o poder. Nas lutas por hegemonia, quem faz mais barulho ganha mais adeptos. O velho dito “falem mal, mas falem de mim” foi transformado em “falem demais e falem o tempo todo e transformem cidadãos comuns em transmissores ou papagaios de ideias que sirvam aos interesses dos poderosos”.
  9. As redes sociais transformaram todos os seus usuários em meios de informação e não mais um fim. Ninguém mais é mero emissor ou receptor de mensagens, mas cada um se tornou ele mesmo um meio. Isso quer dizer que todos estão a serviço de poderosos, de Mark Zuckerberg a presidentes de países. Todos acreditam também que sua liberdade está em fazer barulho.
  10. Na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. Essa frase atribuída a diversos pensadores vem sendo repetida por muitos que se preocupam com a verdade, mas ela também tem sido usada em um círculo vicioso para manipular a verdade, o valor que foi perdido no processo. 
  11. A indústria da informação se confunde com a indústria da desinformação. Na era do espetáculo, a verdade não é um capital. O barulho sim. Quem fala mais alto e tem mais audiência não precisa ser especialista, não precisa entender do assunto e não precisa se sentir responsável – e nem ser responsabilizado - pela mentira e pela desinformação, até porque a desinformação é a condição de possibilidade de grande parte da imprensa no mundo atual. Cada cidadão já entendeu isso, pelo menos intuitivamente, mas raramente se posiciona para esclarecer, preferindo fazer mais barulho. Participar é a forma padrão do desejo de audiência que move o mundo da mídia televisiva e que se tornou acessível com as redes sociais. Contudo, o barulho final, a grande explosão, está sendo muito mal calculada porque os barulhentos vivem isso tudo como se fosse apenas uma ficção a mais. Se a verdade não importa, tampouco a realidade. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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