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Ádamo Antonioni

Jornalista e professor de Filosofia. Doutor em Educação e mestre em Comunicação. Autor do livro “Odeio, logo, compartilho: o discurso de ódio nas redes sociais e na política.

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"Vai chupetinha": Nikolas Ferreira e a espetacularização da política

Aquele Nikolas que desrespeitava o parlamento e todas as mulheres no dia 8 de março, hoje, se mostra como um domador devorado pelos leões

Deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) foi motivo de chacota durante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 28, que recebeu o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. O parlamentar da extrema-direita foi chamado de “chupetinha” e “Nikole” e, ao tentar se defender, usou de uma expressão misógina:  

- “Se fosse o contrário [falas contra a esquerda], estava todo mundo aqui ovulando”, disse Nikolas, como sinônima de histeria. Esse tipo de discurso machista é uma tentativa de desqualificar mulheres no debate público, porque são classificadas como desequilibradas. Esse estigma acompanha as mulheres desde a Antiguidade, quando apenas homens podiam fazer Ciência e determinavam o conhecimento científico pela ótica masculina. Foi na Grécia Antiga que Hipócrates, um dos pais da medicina, associou histeria como uma “doença feminina”, ele acreditava que o útero podia vagar pelo corpo, sendo responsável por sintomas como irritação e ansiedade. Histeria é derivada da palavra grega Hystéra, que significa ventre.  

  Mas não foi esse assunto que pautou a grande mídia. Os jornalistas se apressaram em noticiar que “Nikolas Ferreira foi alvo de insultos homofóbico na CCJ”, alçando o deputado_ que responde pelo crime de transfobia contra a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), que é uma mulher trans_ à posição de vítima. Já outro jornal escreveu: “Nikolas Ferreira é chamado por apelido homofóbico em sessão da CCJ”. Mas o apelido foi cunhado pelo youtuber Felipe Neto, que negou a conotação homofóbica: “O apelido é ‘chupetinha da milícia’. Se o chupetinha quiser alegar que isso é homofobia, aí ele está admitindo algo que nem passou pela minha cabeça e nem imaginava”, alegou Neto pelo twitter.  

  É curioso como vem atuando os políticos da extrema-direita nos últimos anos. Eles ficaram conhecidos pelo uso da desinformação para atacar, justamente, minorias sexuais e de gênero, como a população LGBTI+, elegendo o ex-deputado Jean Wyllys como um dos principais inimigos, além da violência política de gênero contra mulheres de esquerda, tendo como alvos a jornalista e ex-deputada federal Manuela D’Ávila, a deputada federal Maria do Rosário e a filósofa Márcia Tiburi. Na onda do bolsonarismo, que adoeceu o Brasil com ódio e violência, os extremistas da direita sempre negaram problemas estruturais da sociedade como o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Mas, num passe de mágica, quando se sentem atacados ou por conveniência, eles passam a enxergar esses problemas que há anos a esquerda vem denunciando. 

  A tentativa de estabelecer um enquadramento do discurso reacionário para convencer o público é uma arte retórica. A extrema-direita domina esta técnica, impulsionada pelas plataformas digitais que são alimentadas por essas narrativas inflamáveis, apelativas, virais. São esses conteúdos_ nem sempre checados ou baseados em fatos e evidências_ que mais aparecem, porque engajamento. Sua fórmula é bem comum: uma imagem impactante, uma legenda curta, já que ninguém tem tempo para ler mesmo. Ou basta um vídeo de trinta segundos de um parlamentar usando uma peruca no parlamento, não importa o conteúdo do seu discurso, o importante é a forma.  

  Foi se utilizando desse “recuso imagético”, uma peruca loira e o nome de “Nikole”, que o Nikolas Ferreira utilizou a tribuna da Câmara dos Deputados em 8 de março deste ano, no dia internacional da mulher, para atacar mulheres trans. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo o Dossiê “Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras”. A expectativa de vida é de 35 anos.  

Na sociedade do espetáculo, como diria o filósofo Guy Debord, “o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico”. O deputado Nikolas Ferreira, assim como outros da extrema-direita, se caracteriza por esse modo de fazer política, a política do meme, dos debates rasos e vazios, mas com muito barulho, paranoias e factoides, recortados em pequenas imagens, selecionadas cuidadosamente para ser distribuídas, como mercadoria, nas redes sociais: “O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social. Tudo isso é perfeitamente visível com relação à mercadoria, pois nada mais se vê senão ela: o mundo visível é o seu mundo”, afirma Debord.  

  Acontece que a extrema-direita não é a dona do circo. Prova disso é que a espetacularização da política pode ser revertida contra ela própria. E foi esse efeito colateral que Nikolas teve que engolir, apesar do seu cinismo e hipocrisia, ao dizer na CCJ: “Aqui não tem palhaço, aqui não tem circo e a gente precisa manter o respeito com o parlamento”, logo em seguida, só se ouvia outros deputados dizendo “vai chupetinha”, além das gargalhadas por toda parte.  

  No final das contas, alguém prestou atenção naquilo que ele realmente queria dizer? Alguém conseguiu se concentrar em seu argumento principal? Só a velha mídia caiu no seu discurso, porque nas redes sociais, o deboche era geral. Aquele Nikolas que desrespeitava o parlamento e todas as mulheres no dia 8 de março, sentindo ser a grande atração circense, hoje, se mostra como um domador devorado pelos leões, comido pelo espetáculo que ele mesmo ajudou a montar.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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