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Milton Blay

Formado em Direito e Jornalismo, já passou por veículos como Jovem Pan, Jornal da Tarde, revista Visão, Folha de S.Paulo, rádios Capital, Excelsior (futura CBN), Eldorado, Bandeirantes e TV Democracia, além da Radio France Internationale

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Você acredita em milagre? eu não

"A satisfação em ver Aras agir como chefe do Ministério Público durou pouco, apenas nove dias", escreve o jornalista Milton Blay

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Há alguns dias aplaudi a celeridade com a qual o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, abriu uma apuração sobre as falas do YouTuber Monark e do deputado Kim Kataguiri a respeito da criação de um partido nazista no Brasil. No mesmo dia, o PGR anunciou que iria apurar suposto crime de apologia ao nazismo nas declarações feitas no podcast Flow. 

Mas como só poderia ser, a satisfação em ver Aras agir como chefe do Ministério Público durou pouco, apenas nove dias. Em 17 de fevereiro, voltou a atuar como subalterno do presidente da República, obediente como um carneirinho ao chefe. Enviou ao Supremo Tribunal Federal, no último dia do prazo estipulado pelo ministro Alexandre de Moraes, o pedido de arquivamento da apuração de crime cometido por Jair Messias. E isso muito embora a Polícia Federal, num raro ato de coragem (foi a primeira vez que a PF imputou crime ao presidente no âmbito das investigações que tramitam sob a relatoria de Alexandre de Moraes), tenha afirmado que o presidente cometeu crime ao vazar informações de um inquérito aberto para apurar a invasão de hackers na Justiça Eleitoral em 2018.

Bolsonaro passou a ser investigado a pedido do TSE, depois de ter divulgado, numa live, em agosto de 2021, material da apuração ainda em curso sobre o ataque cibernético.

O vazamento de peças do inquérito fez parte, sem dúvida possível, da estratégia do presidente de contestar, sem provas, a confiabilidade das urnas eletrônicas,  o que foi rebatido pelo TSE várias vezes.

O presidente do Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, declarou que "informações sensíveis, que facilitam a atuação criminosa, foram divulgadas em rede mundial ». Ou seja, para o presidente da Justiça Eleitoral, houve crime. 

Mesmo assim Aras afirma que nada, no inquérito da Polícia Federal, prova que houve conduta criminosa. Mesmo porque as investigações, sobre o « suposto » ataque aos bancos de dados do Tribunal Superior Eleitoral não estariam cobertas pelo sigilo.

"O expediente [inquérito] não tramitava reservadamente entre a equipe policial, nem era agasalhado por regime de segredo externo ao tempo do levantamento, pelos investigados, de parte da documentação que o compõe", opinou, concluindo: "não há como atribuir aos investigados nem a prática do crime de divulgação de segredo nem o de violação de sigilo funcional ».

O PGR chega ao cúmulo da desfaçatez ao confessar que a "aposição de carimbos ou adesivos nos quais se faz referência a suposto sigilo da investigação não é suficiente para caracterizar a tramitação reservada ». 

Em outras palavras, os carimbos e adesivos mostram que a investigação correu em sigilo, muito embora não tenha sido protegida pelo sigilo. E se não houve sigilo, não pode ter havido violação de sigilo. Entenderam? 

A Delegada Federal Denise Ribeiro rebateu a tese da defesa de Bolsonaro, acolhida por Augusto Aras, de que o inquérito não estava em sigilo e que portanto não pode ter havido vazamento. Segundo ela, ao contrário do processo judicial, o inquérito policial corre sempre ema sigilo; conforme a doutrina, a súmula 14 do STF e o artigo 20 do Código de Processo Penal, que diz de maneira claríssima: 

Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Portanto, Aras conseguiu a mágica de fazer uma leitura diferente do que está escrito preto no branco.

Por seu lado, a Delegada manteve seu ponto de vista, ao concluir que o presidente teve "atuação direta, voluntária e consciente" na prática do crime de vazamento de dados sigilosos.

O PGR aproveitou a ocasião para pedir o arquivamento do pedido de responsabilização de Bolsonaro pelo senador Randolfe Rodrigues, por não ter comparecido a depoimento na Polícia Federal. O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em declaração enviada por escrito à Polícia Federal, que exerceu o "direito de ausência" ao não comparecer, em 28 de janeiro, para prestar depoimento no inquérito que apurava se ele vazou informações sigilosas durante uma transmissão ao vivo por rede social.

Aras usou um argumento diferente da Advocacia Geral da União para proteger o seu patrão.Disse:  "A conduta do mandatário configura manifestação de seu direito constitucional ao silêncio e à não auto-incriminação, a impedir a deflagração de procedimento investigativo em seu desfavor. »

Bolsonaro ainda é alvo de 4 inquéritos. Querem apostar? Acredito que o PGR não apresentará nenhuma denúncia ao Supremo, pois isso significaria que o Ministério Público reconhece que Bolsonaro cometeu crime. Aras irá se limitar a pedir o arquivamento ou  novas diligências. 

Da mesma maneira, ele nada fará com relação aos novos ataques de Bolsonaro aos ministros do Supremo, dentre eles Luiz Edson Fachin, que no próximo dia 22 assumirá a presidência do TSE. 

Augusto Aras protegerá seu prócer até o último instante, ou seja, até o dia fatídico do anúncio do vencedor da eleição presidencial, que marcará o fim do mandato da extrema-direita. Sem a proteção do cargo, Bolsonaro passará então de presidente da República a réu. E Aras, de chefe do Ministério Público Federal a cúmplice. A não ser que, por milagre, um eventual pedido de impeachment do PGR pelos senadores integrantes da CPI da Covid seja levado adiante. 

Você acredita em milagre? Eu não.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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