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    Brasil não avançou no entendimento de quem financia fake news, diz pesquisadora

    “Seria importante que a Polícia Federal e o TSE se envolvessem”, disse Flávia Lefèvre, integrante do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede

    (Foto: Reuters | Reprodução)

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    Brasil de Fato - Desde 2018, o Brasil pouco caminhou na identificação dos setores e grupos que financiam a produção e difusão de desinformação no país, segundo a pesquisadora Flávia Lefèvre, advogada, integrante do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede. 

    Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] ampliou as medidas de combate às notícias falsas durante tendo em vista as eleições presidenciais deste ano, a partir da Comissão de Segurança Cibernética. Os ministros do TSE ampliaram a atuação da comissão a fim de incluir a incidência sobre notícias falsas. Agora a comissão também irá “monitorar, elaborar estudos e implementar ações para combate à disseminação em massa de informações falsas em redes sociais”. 

    Antes, o TSE e o Twitter firmaram um memorando de entendimento para juntar esforços no combate à desinformação no processo eleitoral deste ano. Entre as medidas do memorando, o Twitter se comprometeu a criar uma ferramenta em sua plataforma que possibilite aos usuários buscar informações sobre as eleições sem sair da rede.  

    Lefèvre celebra as mudanças, mas acredita que ainda são insuficientes para fazer frente à disseminação de desinformação, o que fez com que o Brasil caminhasse pouco na identificação das fontes de financiamento. 

    “A gente precisa que as instituições, a Polícia Federal, o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] e o Ministério Público Eleitoral sigam o rastro do dinheiro e identifiquem as forças que estão financiando [a desinformação]”, afirma. Leia a entrevista abaixo:

    Das eleições presidências de 2018 para cá, a sociedade e as autoridades brasileiras já conseguiram identificar quais são as fontes de financiamento da produção e difusão da desinformação? 

    Aqui no Brasil, as pesquisas que foram feitas com base nas eleições de 2018 e que têm sido feitas de lá para cá identificaram que esses grupos estão financiados por forças de direita, não só daqui do Brasil, mas por um financiamento internacional. Mas a gente ainda não conhece esses grupos. Seria importante que a Polícia Federal e o TSE se envolvessem. 

    A indústria é muito bem financiada. A gente precisa que a Polícia Federal investigue e chegue nessas empresas. Esse dinheiro não é um dinheiro só brasileiro, mas tem instituições internacionais que financiam que são voltadas para a defesa do neoliberalismo, e a necessidade de sustentação do neoliberalismo não acontece só no Brasil.  

    A gente precisa que as instituições, a PF, o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] e o Ministério Público Eleitoral sigam o rastro do dinheiro e identifiquem as forças que estão financiando essas figuras. Não dá para achar que é uma coisa de um partido específico do Brasil. Pelo contrário, é um movimento global. 

    Entre o primeiro e segundo turno das eleições de 2018, quando houve aquela publicação da Patrícia Campos Mello [da Folha de S. Paulo], denunciando o patrocínio por empresas dessas campanhas de desinformação, teve uma coletiva de imprensa do TSE, presidida pela ministra Rosa Weber na época. Ela disse aos jornalistas que fake news sempre existiram, que não tinha como reagir e caso alguém soubesse de alguma solução deveria dizer. Eles ignoraram. 

    Não é orgânico, a difusão é artificial. O PSL, na legislatura anterior, tinha oito deputados. Depois das eleições de 2018, passou a ter 54 deputados. Isso não é um resultado orgânico. Isso é nitidamente um resultado artificial, que foi consequência da propaganda ilegal usando o WhatsApp em 2018, e que não teve reação devida do TSE. 

    É muito difícil conter a difusão a partir do momento em que cai na rede, ainda mais quando a gente pensa que isso acontece pelos serviços de mensagens, que são protegidos. Então precisa ter uma estrutura, inclusive da PF que precisa estar habilitada para acompanhar esse tipo de crime eleitoral. Não é fácil, é desafiador.  

    Para confrontar essas forças de direita ultra neoliberais, precisa ter uma rede muito bem articulada entre as instituições, os partidos, a sociedade civil e o terceiro setor, de modo que os eleitores possam estar mais informados e tenham canais para se informar, porque só com base na informação é possível combater esse tipo de ilícito.  

    Como deve funcionar a produção e distribuição de notícias falsas nas redes sociais nesse ano eleitoral? A gente pode esperar alguma mudança em relação aos anos eleitorais anteriores? 

    Isso [notícia falsa] aí já virou uma técnica que não começou aqui no Brasil, mas entre os grupos fascistas de todo o mundo que não conseguem ganhar as eleições pelo voto, por causa das pautas impopulares que defendem, restando explorar o medo e a insegurança das pessoas. Então, a primeira coisa que se faz é a identificação desses medos e inseguranças. Aqui entram também as questões ligadas às pautas identitárias e as questões religiosas.  

    Um bom exemplo foi aquele caso clássico que aconteceu em 2018 com a Cambridge Analytica. Empresas de marketing político utilizam dados dos usuários que captam das redes sociais para identificar e formar perfis de eleitores, fazendo a perfilização das pessoas. E aí definem mensagens e notícias falsas para difundir para esses perfis, de acordo com as questões de medo e insegurança identificadas.  

    Por exemplo, na época da eleição de 2018, esses produtores e divulgadores de notícias falsas começaram a difundir a notícia de que se o Haddad ganhasse, ele ia soltar os presos. Aí as pessoas ficaram morrendo de medo.  

    Identificam-se essas questões para depois utilizar ilegalmente dados pessoais para formar perfis de eleitores e a partir disso desenvolver uma máquina de difusão e desinformação de mensagens que estimulam o ódio, o medo e a discriminação. 

    E a difusão dessas notícias? Como é feita? 

    Existe um efeito cruzado entre os canais de Youtube, como Terça Livre, Mamãe Falei e outros canais de direita, onde se produz as notícias, e a partir dali alguns trechos dos conteúdos vão para os serviços de mensageria privada, como WhatsApp, que foi usado largamente nas últimas eleições, Telegram, TikTok, Facebook e Instagram.  

    Quando Bolsonaro fala, por exemplo, é para esses canais. Com base nisso, jogam as informações na internet e exploram as vulnerabilidades de todas as pessoas. 

    Utiliza-se especialmente o Facebook e o WhatsApp por uma questão específica. Hoje a gente tem, segundo dados da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], mais de 100 milhões de planos de telefonia móvel pré-pagos. Isso significa que as pessoas têm uma quantidade de dados, que é a franquia, para utilizar mensalmente. Na hora em que acaba aquela quantidade de dados, o usuário só tem acesso ao WhatsApp e ao Facebook.  

    Nesses casos, o usuário recebe uma notícia e não tem como checar, porque não consegue acessar outros sites e fontes. A gente sabe pelo Cetic.br [Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade Informação], que é um órgão do Comitê Gestor da Internet no Brasil, que nas classes D e E 95% dos usuários só acessam a internet por redes móveis e especialmente com planos pré-pagos.  

    Na classe C, esse percentual é de 65%. Isso com dados de 2021. Então, por baixo, existem 120 milhões de usuários que têm acesso limitado e que estão vulneráveis a essas campanhas desinformativas mais do que quem pode pagar por um plano ilimitado de internet. 

    Por isso que, em 2018, a estratégia utilizada para a campanha de desinformação foi aquela compra de chips pré-pagos, porque aí não precisa se identificar na hora da compra e dá para difundir notícia falsa pelo WhatsApp [de forma ilimitada]. 

    A senhora comentou que esses grupos são da extrema-direita e quem financia tem interesse na defesa do neoliberalismo. É possível encontrar, também, setores da esquerda por trás dessa produção e difusão? 

    De uma forma organizada e estruturada, [isso é praticado] muito mais pelas forças de direita do que pelas forças de esquerda, justamente pelo interesse do neoliberalismo e pela necessidade de ganhar eleitores explorando a vulnerabilidade das pessoas, porque as pautas deles são extremamente impopulares. 

    E como a senhora tem analisado a reação da esquerda à essa produção e difusão? 

    Essa é uma máquina bastante poderosa que funciona com financiamento internacional e isso demandaria uma organização também da esquerda em termos de reagir o tempo inteiro à desinformação. Pessoalmente, acho que hoje a reação é muito incipiente perto da força e da sofisticação da máquina de desinformação que existe. 

    A reação da esquerda tem de ser não só nas redes, mas no campo institucional também, precisa informar o TSE e denunciar no MPE para desmontar na medida do possível essa rede. São reações em campos diferentes. Não pode abrir mão de uma reação no campo institucional, porque tem uma série de conquistas no campo do direito e da democracia que vieram desde o período pós-ditadura que a gente não pode abrir mão.

    A gente tem que atuar no sentido de fortalecer o que a gente conseguiu com a Constituição de 88 e avançar com base em outras leis já aprovadas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD]. Não dá para reagir a esse movimento sem contar com os instrumentos institucionais. 

    Ao mesmo tempo, a esquerda tem de melhorar a presença nas redes, que faça frente a essa estrutura sofisticada que eles [setores da direita] têm hoje de difusão de desinformação, de ataque às pautas progressistas. 

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