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Fome atinge quase o dobro de lares chefiados por mulheres pretas em comparação com brancas

Estudo revela ainda que níveis mais elevados de escolaridade não são suficientes para garantir a segurança alimentar nos lares de mulheres negras

(Foto: Leonardo de França/Brasil de Fato)

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247 - A fome no Brasil afeta de forma desproporcional os lares liderados por pessoas de diferentes grupos raciais, com uma situação ainda mais severa para os domicílios encabeçados por mulheres negras. O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), divulgado nesta segunda-feira (26), traz dados alarmantes. O estudo indica que aproximadamente 1 em cada 5 famílias lideradas por pessoas autodeclaradas negras ou pardas (17% e 20,6%, respectivamente) enfrentam a fome, em contraste com 1 em cada 10 famílias lideradas por pessoas brancas (10,6%). Quando se trata de lares liderados por mulheres negras, a porcentagem daqueles que enfrentam insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome, chega a 22%, comparado a 13,5% dos lares chefiados por mulheres brancas, informa a Folha de S. Paulo.

Segundo a nutricionista Sandra Chaves, professora da Universidade Federal da Bahia e coordenadora da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), "a fome é maior nos domicílios chefiados por mulheres e por pessoas negras" quando se analisa a segurança alimentar sob a perspectiva de gênero e raça.

Dessa vez, os pesquisadores adotaram uma abordagem interseccional, considerando como diferentes formas de opressão se somam e afetam as pessoas. Chaves explica: "a segurança alimentar é sempre maior no domicílio chefiado por homens brancos, seguido daqueles chefiados por mulheres brancas, homens negros e mulheres negras." Os primeiros resultados do Vigisan foram publicados em junho de 2022, e agora foram divulgados dados adicionais que consideram variáveis relacionadas à raça e gênero. O levantamento revelou que 33 milhões de pessoas sofriam de fome no país. A pesquisa foi conduzida em 12.745 domicílios localizados em 577 municípios brasileiros, abrangendo áreas urbanas e rurais das cinco macrorregiões do Brasil. Os dados foram coletados pelo Instituto Vox Populi entre novembro de 2021 e abril de 2022, com apoio de organizações como Ação da Cidadania, ActionAid, Ford Foundation, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo. Os participantes responderam a perguntas sobre o acesso a alimentos nos três meses anteriores à realização da pesquisa.

Os resultados revelaram ainda que níveis mais elevados de escolaridade não são suficientes para superar as desigualdades relacionadas à raça e gênero e garantir a segurança alimentar nos lares liderados por mulheres negras. Mesmo com oito anos ou mais de estudo, um terço delas (33%) enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave. Entre homens negros, o índice é de 21,3%, enquanto entre mulheres brancas é de 17,8% e entre homens brancos é de 9,8%. 

A historiadora e pesquisadora da fome no Brasil, Adriana Salay, afirma que a fome é um sintoma das desigualdades estruturais relacionadas à raça e gênero, e destaca que o acesso aos alimentos no país é monetizado, inclusive em áreas rurais. Salay declara: "isso significa que o quanto uma pessoa ganha determina o que ela poderá comer e se ela terá acesso à alimentação adequada. E a renda de pessoas negras, pardas, indígenas e mulheres é menor do que a de pessoas brancas ou homens". Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021, o rendimento médio anual das mulheres foi cerca de 30% menor do que o dos homens. Em relação à diferença racial, um levantamento do mesmo instituto no ano seguinte apontou que o rendimento mensal médio de pessoas pardas ou negras é cerca de 60% inferior ao das pessoas brancas.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2021, 56,1% dos brasileiros se autodeclaram pardos ou negros, enquanto as mulheres representam 51,1% da população em 2022. O Vigisan também mostrou que 23,8% das famílias com crianças menores de 10 anos, lideradas por mulheres negras, enfrentaram a fome. Nesse grupo, apenas 21,3% dos lares registraram segurança alimentar, menos da metade do índice encontrado nos domicílios liderados por homens brancos (52,5%) e quase metade do índice dos lares liderados por mulheres brancas (39,5%). Chaves pontua: "quando a insegurança alimentar atinge a criança, isso significa que se chegou ao limite da fome no domicílio. É a insegurança alimentar grave levada ao extremo". Ela explica que a fome tem um impacto significativo nas crianças, comprometendo seu desenvolvimento cognitivo e causando problemas de atenção e aprendizagem. Além disso, as privações não se limitam à alimentação. A insegurança alimentar grave representa uma violação de direitos fundamentais, como o direito a uma moradia adequada, água potável, saneamento básico, educação e desenvolvimento. Trata-se de um conjunto de violações que gera pobreza estrutural, tornando a perspectiva de sair dessa situação extremamente difícil para essas crianças.

Salay argumenta que o aumento da fome no país está relacionado ao enfraquecimento de políticas como o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos, que comprava alimentos produzidos pela agricultura familiar e os destinava gratuitamente a pessoas em situação de insegurança alimentar. No entanto, ela acredita que a solução para esse problema vai além do restabelecimento dessas iniciativas. "Precisamos avançar em políticas estruturais de combate à desigualdade para que um futuro governo não possa desmantelar facilmente políticas públicas e agravar drasticamente a fome que enfrentamos hoje". Ela destaca a importância da reforma agrária e da ampliação das políticas de cotas, não apenas para o acesso à universidade, mas também para concursos públicos e empresas privadas.

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