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    Linhas expressas não resolvem transporte do DF

    Quem conhece as técnicas de agendamento da mídia percebe a existência de um lobby que tenta impor tecnologia atrasada de ônibus sobre trens, metrôs e VLTs na capital federal

    Chico Sant´Anna avatar
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    Uma grande pressão, via opinião pública, está sendo implementada para acelerar a execução de obras estruturais de grande porte no Distrito Federal. Trata-se da construção de cinco eixos de vias expressas provenientes de diversos pontos do Distrito Federal, mas convergindo todos ao Plano Piloto.

    A Confederação Nacional dos Transportes Terrestres, CNTT publicou em sua newsletter uma reportagem especial apontando que o caos tomará conta do trânsito da Capital Federal até 2020. Segundo o texto com feição de reportagem, mas elaborado pela assessoria de imprensa da entidade representativa dos interesses dos donos das empresas de ônibus de transporte coletivo -, a mobilidade urbana no Distrito Federal: está à beira de um colapso, requer investimentos.

    Simultaneamente, como se fosse uma estratégia de comunicação corporativa planejada, a empresa de assessoria de imprensa Ex-Libris Comunicação Integrada divulgou nota a toda imprensa, com o título "BRT é unanimidade entre especialistas em transportes". BRT é a abreviação, em inglês, para Bus Rapid Transit. Tratam-se dos ônibus articulados, semelhantes aos utilizados há décadas em Curitiba. No texto, datado de 14/5, citando especialistas, a Ex-libris afirma que "o BRT é uma tendência mundial".

    Reportagem com conteúdo bastante similar foi publicada pelo jornal Correio Braziliense, no domingo, 20/5. A previsão do periódico é que em oito anos, as principais vias do DF tenham trânsito semelhante ao das marginais do Tietê, cujas imagens estamos acostumados a ver nos noticiários da TV.

    Quem conhece as técnicas de agendamento da mídia percebe com clareza a existência de um lobby organizado. Um lobby que defende a tecnologia do ônibus, movido a diesel e todos os problemas ambientais que ele pode trazer diante de alternativas com maior capacidade de transporte e menor agressão ambiental, tais como o metrô, trem suburbano e o veículo leve sobre trilhos – VLT.

    Esta ação de comunicação corporativa tem resultado, por exemplo, numa forte pressão contra a construção de uma linha de metrô na Bahia. A opção de construção do metrô teve que enfrentar os interesses de potentes empreiteiras que defendiam a opção de vias exclusivas para ônibus. É de se ressaltar, que em cada viagem, o metrô de Salvador poderá transportar cerca de 1.200 passageiros, contra uma média de 180 a 200, nos ônibus articulados. O preço de execução dos projetos viários, segundo as propostas apresentadas ao governo baiano, era igual para ambos os projetos: R$ 2,9 bilhões, conforme informou o Portal 2014 - A arena dos negócios da Copa.

    Na defesa dos ônibus estão, com certeza, as empresas de transporte coletivo, as fabricantes de ônibus e empreiteiras especializadas em abrir rodovias. Do outro lado, estão ambientalistas e acadêmicos especialistas em transporte público que defendem técnicas conjugadas de transporte, priorizando outras alternativas, que ao contrário do afirmado pela Ex-libris, tem sido as opções preferenciais na Europa e mesmo aqui na América do Sul. Alternativas como o VLT, monotrilho (que será usado em São Paulo), metrô e trem.

    Peguemos o caso de Brasília.

    Em sua reportagem, o principal jornal local de Brasília, não revela que o GDF de Agnelo já tem projetado um verdadeiro crime ambiental para tentar aliviar parcialmente este caos no trânsito. Pelo menos do lado Norte da cidade. O projeto prevê a construção de um novo acesso ligando Sobradinho ao Plano Piloto. Duas pontes no Lago Norte e uma verdadeira auto-estrada atravessando uma extensa área de preservação ambiental, o Parque das Nascentes, perto da recém inaugurada Torre Digital, serão necessárias para a sua consecução.

    Nesta nova via, moradores de Sobradinho, Planaltina, dos condomínios do Lago Norte e até do Paranoá e São Sebastião ganhariam um novo acesso ao Plano Piloto. A chegada deste acesso dar-se-ia próximo ao Centro Olímpico da Universidade de Brasília. Entre o CO-UnB e a margem do Setor de Mansões do Lago Norte, seria construído um conjunto de duas pontes tendo a península do Lago Norte como passagem.

    Há muitas décadas, a comunidade do Lago Norte se opõe à construção de pontes interligando a Península do Lago Norte e o Plano Piloto. Temiam e ainda temem o afluxo de veículos. Acreditam que mais uma porta de entrada na Península do Lago Norte colocará em risco a segurança do bairro. Com uma única entrada e saída – próxima à ponte do Bragueto -, o local é de fácil controle policial. Basta fechar a única passagem e ninguém poderá sair ou entrar. Inclusive, estrategicamente, já existem delegacia e posto policial nas imediações.

    Do lado do Plano Piloto, estaria se jogando uma massa de veículos numa área que às margens do Lago Paranoá ainda é bem virgem e, do lado urbano é afetaria diretamente o campus Darcy Ribeiro. Além disso, só com o tráfego que possuem atualmente, a Avenida das Nações Norte – a L.4 – e a L.2 Norte já não agüentam o trânsito existente Ficariam super engarrafadas com o tsunami viário que se projeta.

    A proposta, que já está desenhada nos projetos viários do GDF, atravessaria a Serrinha do Paranoá, o núcleo rural Jerivá e afetaria o Parque das Nascentes. De tão importante para o ecossistema do DF, este local foi escolhido, em 2011, para se comemorar o Dia do Cerrado. O Córrego do Jerivá é um dos afluentes que alimentam o Lago Paranoá, pelo lado Norte. Estes córregos e os Núcleos Rurais, ao longo dele, são responsáveis pela manutenção da boa qualidade da água do Lago. Os núcleos rurais localizados na Serrinha do Paranoá, bem como suas áreas adjacentes são responsáveis pelo Corredor de Biodiversidade que une as áreas protegidas do Jardim Botânico, a reserva do IBGE, e a Fazenda Água Limpa, da UnB, com o Parque Nacional, onde fica a Água Mineral.

    Esta nova via de acesso, assim como a via Interbairros (projetada para ligar Taguatinga ao Plano Piloto, passando por onde está a rede de alta tensão da CEB – chegando próximo ao Parkshopping) são considerados paliativos ao já caótico trânsito em Brasília. A solução passa pela substituição do veículo particular por meios eficientes de transporte coletivo

    Este novo eixo de circulação previsto pelo GDF para o Lago Norte faz parte das cinco bacias viárias projetadas pelo governo e que deverão ser alvo de construção de vias expressas para ônibus e de licitações de transporte coletivo em ônibus. Num futuro próximo, entre a DF-4 e a UnB passaria a existir algo equivalente a Estrada Parque Taguatinga – a EPTG.

    Sobre o avião projetado por Lúcio Costa, chegariam cinco potentes eixos de transporte massivo: 1) EPTG, 2) a Estrutural com passageiros de Brazlândia, Ceilândia, Taguatinga Norte, Águas Lindas de Goiás, etc., 3) a BR-20, proveniente do Gama, Santa Maria e Entorno Sul associada à EPNB, com os provenientes do Núcleo Bandeirantes, Riacho Fundo, Samambaia, Recanto das Emas, e municípios do Entorno Oeste; 4) a ponte JK, recebendo o afluxo do Lago Sul, Paranoá, São Sebastião e todos os condomínios existentes do Jardim Botânico a Unaí; e 5) a BR-20, com interligações para Sobradinho, condomínios do Colorado, Planaltina, Formosa, etc. Dá pra imaginar como ficará o trânsito interno na cidade.

    É certo que o crescente engarrafamento do trânsito de Brasília é decorrente da falta de opção de transporte de qualidade e confiável. É verdade, também, que é igualmente decorrente de estímulos equivocados à aquisição do carro próprio, como o IPVA zero concedido por Agnelo a novos carros. Construir bilionários estacionamentos subterrâneos também não ajudará em nada, a não ser engordar os cofres de construtoras, algumas delas financiadoras de campanhas eleitorais. O custo de transformar a Esplanada dos Ministérios em uma enorme garagem subterrânea dá para instalar no Eixo Monumental um sistema de VLT ou até de monorail, como São Paulo está executando.

    Mas o GDF parece ter abandonado de vez a implantação do VLT entre o Aeroporto e o Estádio Mané Garrincha, via W.3 Sul.

    O transporte público do DF está falido. É velho, mal projetado, carcomido, sem integração de linhas e sem bilhetagem única. Teria que implodir tudo e começar do zero. Primeiro, implantando-se um caixa único: todas as receitas de passagens, vale transporte, etc. iriam para um único caixa. Este remuneraria as empresas de ônibus, o metrô, o VLT por quilômetro rodado e não por passageiro transportado. Assim, linhas rentáveis subsidiariam as não rentáveis. Viabilizar-se-ia a integração total e o bilhete único. Como está hoje, nem o GDF tem o efetivo controle do sistema, muito menos do seu caixa.

    Entretanto, para resolver o caos, o GDF aposta no modelo atual de empresas de ônibus e, essencialmente na construção dos corredores expressos por onde correrão ônibus articulado. Os BRTs. Esta é uma antiga solução, nascida em Curitiba. Por meio destas vias expressas exclusivas para ônibus articulados, tentar-se-ia reduzir o afluxo de veículos para o centro da cidade. Em tese, ônibus rápido, barato e confortável fará com que o brasiliense deixe seu carro em casa.

    A opção pelo ônibus, na opinião de especialistas, é equivocada e ultrapassada. Em primeiro lugar, porque eles são ambientalmente inadequados. Usam diesel como combustível. No edital de licitação, recentemente suspenso pelo TCDF, nem se cogita o uso de gás natural – que já chega a Brasília -, muito menos, ônibus com motores elétricos.

    Segundo, pelo fato de transportarem bem menos gente por veículo do que potencialmente poderiam fazer outras tecnologias, tais como o VLT, o metrô e mesmo trens suburbanos. Em Curitiba, cidade pioneira no uso de sistema de ônibus em vias expressas, a fórmula está sendo substituída em algumas de suas linhas pelo metrô. Berço das tecnologias de transporte nascida na década de 80, Curitiba inspirou o sistema de transporte em cidades como Bogotá – trans-milênio - e Quito – ecovia - na Colômbia e Equador, respectivamente. Autoridades candangas realizaram diversas viagens para conhecer os sistemas de nossos vizinhos e parecem ter ignorado a realidade paranaense, que já vivencia uma nova etapa.

    E não é só Curitiba que está trocando ônibus por metrô. Quito também. Com uma população semelhante à de Brasília – mas com uma frota de veículos equivalente à metade da do DF, 500 mil carros - a capital equatoriana possui três eixos de transporte coletivo paralelos entre si. Um é operado em trólebus – ônibus elétrico – os dois outros em ônibus articulados a diesel. Quem conhece a cidade, sabe que o sistema, embora transporte milhões de passageiros por dia, não dá a vazão necessária. Os equatorianos são obrigados a se locomoverem feitos sardinhas em lata, qualquer que seja a hora do dia. E olhe que nestes eixos os ônibus circulam um atrás do outro. Os intervalos entre um carro e outro são medidos em segundos. Por isso mesmo, o governo de Rafael Corrêa já firmou convênio com a empresa do metrô de Madri, na Espanha, para projetar a primeira linha de metrô de Quito.

    Em pleno século XXI, Brasília revive um dilema semelhante ao do Brasil dos anos 50. Naquela época, Juscelino Kubitscheck abandonou as ferrovias e investiu tudo nas rodovias. O resultado é o que vemos hoje, ferrovias sucateadas convivendo com a deficiência do transportes de carga e de passageiros por via rodoviária, caro e ineficiente.

    Agora é Agnelo, que tem a oportunidade de dar um salto tecnológico e de qualidade e parece optar pelo o que é velho. Se Curitiba e Quito já concluíram que os ônibus, por mais articulado que sejam e que por mais privilégio de tráfego possam ter, não respondem a vazão, porque insistir nesta tecnologia.

    Há quem diga que investindo na opção ônibus do BRT, a atual administração do GDF – como as anteriores – responde mais à demanda dos empreiteiros da construção civil e dos empresários dos ônibus do que realmente às necessidades da população. Implantar um sistema todo em ônibus representa pelo menos mais vinte anos convivendo com empresários do quilate dos que administram a Viplan, a Pioneira, a Real, Lotaxi e tantas outras.

    Soluções alternativas existem. No eixo Gama, Santa Maria e Plano Piloto, por exemplo, grande parte do afluxo de veículos é proveniente do Entorno Sul, onde moram cerca de um milhão de habitantes. Hoje, às cinco da manhã, já há engarrafamentos na altura de Santa Maria. Assim, como em Quito, mesmo com um ônibus atrás do outro, o engarrafamento vai perdurar. Melhor seria então apostar no trem. Valendo-se da linha existente do antigo Trem Bandeirantes, da RFFSA. Por ele, em cada viagem, cerca de duas mil pessoas poderiam ser transportadas com conforto. Capacidade equivalente a dez ônibus do BRT de Agnelo. Entretanto, fazer rodar um trem de Luziânia à rodoferroviária afetaria diretamente os interesses dos donos de empresas de ônibus da Capital Federal e de Goiás.

    A opção dos ônibus BRT não é de todo descartável. No lado Norte do DF, onde a inclinação do relevo, segundo alguns especialistas, inviabiliza a construção de um transporte ferroviário, ela seria bem-vinda. Linhas especiais poderiam transportar os passageiros até as proximidades da ponte do Bragueto. Lá, o ideal seria uma estação de interligação transbordando os passageiros para um sistema de metrô e de ônibus vicinais. Retirar-se-ia, assim, das vias internas do Plano Piloto os ônibus-articulados.

    A criação de vias exclusivas para ônibus é mais do que recomendável. Mas a construção de estações- paradas de ônibus – especiais, fechadas como se fosse estações de metrô, com sistemas de roletas e bilhetagem são do tempo em que a informática não era eficiente. As estações fechadas foram idealizadas para permitir a troca de veículos sem a necessidade de pagar uma nova passagem. Elas são fechadas para assegurar que quem sair do seu interior – como no metrô – perderá o direito de fazer nova viagem gratuitamente, com a mesma passagem. Hoje em dia, tudo isso pode ser feito em local aberto apenas com o uso de cartões magnéticos. São eles que liberaram ou exigem o pagamento de um novo bilhete do passageiro. É assim que acontece na França, na Espanha e até em Portugal. Mas cartão eletrônico de transporte não rende obras para as empreiteiras. E com o sistema informatizado, a fiscalização sobre as empresas de ônibus é mais efetiva. Como se sabe, até o esquema cachoeira estava de olho no sistema de bilhetagem do DF, que rende uns R$ 60 milhões por ano (E aqui vai minha sugestão: porque o BRB não assume esta tarefa? Cada agência, cada caixa automático seria um local para reabastecer os vales transporte, estudantil e os cartões comuns. E um reforço financeiro ao BRB.).

    O problema do transporte urbano em Brasília não está só na ligação Plano Piloto –cidades-satélites. O transporte intra-Plano Piloto é igualmente caro e ineficiente. Não existe uma interligação de linhas nem entre ônibus, nem entre metrô-ônibus. A cada vez que entra num coletivo, o brasiliense paga cerca de R$ 3,00. Pouco mais do que o custo de um litro de gasolina. Combustível suficiente para levar com conforto o potencial passageiro de uma ponta a outra do Plano Piloto. A falta de bilhete único torna economicamente inviável a locomoção a múltiplos pontos da cidade. Não há orçamento familiar que sustente isso.

    No Plano Piloto faltam também medidas que estimulem o deslocamento sem uso de veículos. Os espaços não são amigáveis. As calçadas são poucas, quebradas, com deficiência de acessibilidade, não estão casadas com os sinais de trânsito e faixas de pedestres. Basta um passeio pela W.3 Sul para ver que os mosaicos de pedra portuguesa estão num descalabro. O pedestre que desejar sentar um pouco não encontra um único banco público. Banheiro? Ah, isso é um luxo.

    Vias como a W.4 e W.5, onde estão as escolas, deveriam estar providas de ciclovias. A garotada tem toda a energia para pedalar os camelos e reduzir a circulação de carros. Mas para isso, é igualmente necessário o policiamento nas quadras. São diversos os casos de estudantes agredidos por gagues e marginais.

    Áreas como o Setor Comercial Sul deveriam ser transformadas em espaços peatonais – exclusivo para pedestres e ciclistas – equipados com bicicletários e bicicletas públicos. Esta pode ser igualmente a solução para o laser noturno. Revitalizar o SCS pode contribuir para reduzir o barulho noturno nas entre-quadras.

    As laterais do canteiro central da Esplanada dos Ministérios comportam com tranqüilidade uma ciclovia. Nos ministérios, bicicletários dariam segurança às magrelas. Que necessariamente teriam que ter seu transporte gratuito autorizado no metrô.

    Outra medida fundamental é reviver o transporte funcional. Considerado pelo governo Collor como símbolo da mordomia, os ônibus que levavam servidores públicos ao GDF e a Esplanada dos Ministérios foram extintos. Eles eram responsáveis pela redução da circulação de carros particulares nos dois lados do Eixo Monumental. Os ônibus foram substituídos pelo vale-transporte e esses trocados clandestinamente por dinheiro para comprar gasolina para os carros particulares. Como política ambiental e de trânsito, tanto GDF, quanto o governo Federal devem rapidamente avaliar a inversão das medidas e re-introduzir o transporte funcional.

    O velho adágio que o brasiliense se divide em cabeça, tronco e rodas, ode e deve ser mudado. Inverter um comportamento cultural é difícil, mas possível. Para isso, são necessárias decisões corajosas. Decisões que mudem os paradigmas. O momento é este. O GDF poderia aproveitar que foi suspensa a licitação dos ônibus e reavaliar o modelo. O que está lá é ultrapassado e não dará respostas à necessidade da cidade.

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