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Polícia ignora bairros de população branca e concentra busca por drogas em casas de famílias negras, diz Ipea

Estudo nacional conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 84% das buscas acontecem em regiões de população predominante negra

(Foto: Agência Brasil/Tomaz Silva)

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Por Lucas Weber, Brasil de Fato - Um estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em cidades de todas regiões do país, não encontrou uma única entrada policial em domicílio para busca de drogas em bairros considerados de classe alta.

Das 307 incursões, 301 aconteceram em bairros com renda familiar média de até um salário mínimo. Os outros seis casos foram em domicílios de cinco a 10 salários de renda mensal.

Isso significa que 91,2% das entradas policiais ocorreram em bairros com renda domiciliar mensal per capita de até um salário mínimo. 

A pesquisa “Entrada em Domicílio em Caso de Crimes de Drogas: geolocalização e análise quantitativa de dados a partir de processos dos tribunais da Justiça estadual brasileira” foi publicada na última segunda-feira (8).

“Nosso cenário indica que quando a população vai se tornando mais central, mais branca, mais rica, há uma proteção maior desse direito constitucional que é a inviolabilidade domiciliar”, explica um dos autores do estudo, Rafael de Deus Garcia, que é pesquisador bolsista na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea.

Em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (12), Garcia comenta que a inviolabilidade domiciliar é um tema que está, atualmente, em discussão nas mais altas cortes do país, tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Além da renda, outro fator que a pesquisa mostrou como determinante para as entradas policiais em domicílios é a raça. 84,7% ocorreram em bairros predominantemente ocupados por pessoas negras.

“Muita gente disse que é óbvio, ‘só falta agora dizer que o papa é católico’, cheguei a ouvir esse comentário, mas é curioso que isso já tem uma impressão social muito forte de que há uma seletividade nas entradas em domicílio”, comenta o pesquisador.

Foram analisadas cinco cidades no estudo, as que concentram o maior número de entradas em domicílio de cada região do Brasil: Manaus (AM), Fortaleza (CE), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba (PR).

Segundo Garcia, a expectativa é que o estudo “alcance não só os ministros, lá dos tribunais superiores, mas também policiais que possam trazer e mais rigor técnico para sua atuação, se respaldar melhor no cotidiano; promotores de justiça; defensores públicos e especialmente juízes e juízas de primeiro grau, que tenham mais coragem de garantir esse direito”.

O pesquisador se refere à inviolabilidade domiciliar, descrita na Constituição. “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, diz o artigo 5º.

Embora exista definição na Constituição, Garcia comenta que “não existe essa resposta sob o ponto de vista jurisprudência” sobre quando a polícia pode entrar na casa de uma pessoa. 

Uma das discussões que as cortes superiores têm travado é se o flagrante do uso de drogas é motivo o bastante para justificar a entrada. Alguns ministros argumentam, por exemplo, que é preciso também que haja uma “urgência” para que a ação ocorra sem uma ordem judicial. 

“Basicamente é o seguinte, dá tempo de pedir um mandado para o juiz, ou não. Se o policial não entrar naquele momento pode haver uma perda de prova, uma perda de oportunidade”, comenta Garcia.

A Constituição deixa evidente que em casos de flagrante a polícia pode entrar no domicílio. O que é visto como um ponto fundamental para que agentes possam intervir em uma situação que a pessoas esteja sendo vítima de um crime, por exemplo.

No entanto, juristas reforçam a importância do debate, justamente, por conta dos números apresentados neste estudo.

“Quando você vai olhar a jurisprudência, vai olhar os casos reais, a polícia está entrando muito mais para pegar droga, a partir de investigações ocultas, de informações que não são levadas para o processo, do que, de fato, para proteger uma vítima ali no iminente risco”.

Além de Garcia, a pesquisa foi realizada por Victor Martinez; Natalia Maciel; Andréia Macêdo; Hugo Macedo; Karolina Armstrong e Milena Karla Soares, técnica de desenvolvimento e administração do Ipea e coordenadora geral do estudo.

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