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Wadih Damous: nova Constituinte depende de esquerda reencontrar pulsão revolucionária

Advogado diz que campo progressista incorporou submissão às regras do jogo político-eleitoral e precisa ser refundado; veja vídeo na íntegra

(Foto: Ederson Casartelli/Brasil247)

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Opera Mundi - O advogado trabalhista Wadih Damous oferece uma visão pessimista sobre a viabilidade de uma nova Assembleia Constituinte no Brasil, mas afirma que as tensões entre direita e esquerda dentro de um eventual terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva podem forçar sua convocação. Candidato a deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro, ele disse, no programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (01/09), que a tarefa exigirá uma refundação da esquerda, que precisa reencontrar a pulsão revolucionária para inflamar as ruas.

“Continuo defendendo a tese da Assembleia Constituinte soberana, mas, cá para nós, é inviável”, opina o ex-deputado, que defendeu uma Constituinte específica para o sistema político-eleitoral em seu mandato na Câmara Federal, entre 2015 e 2018. “A eleição de Lula por si só não tem uma força constituinte, mas quem sabe aconteça com o acirramento da luta de classes que provavelmente vai acontecer no governo dele. O governo vai ser disputado pela direita e pela esquerda, quem sabe daí não surge uma necessidade sociopolítica de convocação de uma Constituinte.” 

As limitações ideológicas da esquerda brasileira em anos recentes terão que ser reconhecidas e debatidas, defende o candidato, para quem o PT perdeu a pulsão revolucionária na fase histórica que culminou com o golpe na presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro. “A esquerda vai ter que se refundar aqui no Brasil, porque incorporou a seu patrimônio a submissão às regras vigentes do jogo tradicional da política. A força propulsora que seríamos nós não é força, nem sequer propulsora”, lamenta. 

Damous constata que a institucionalização e a desmobilização favoreceram os revezes a partir do impeachment: “Quem aparece ou apareceu como antissistema para a população foi Bolsonaro. Nós temos que tomar um choque de teoria, repensar nosso papel na sociedade”. Durante seu mandato, chegou à conclusão de que o Congresso Nacional, historicamente rebaixado, se recusa a promover reformas profundas: “Ulysses Guimarães, quando reclamavam do Congresso, dizia: ‘Meu filho, é que você não viu o próximo’. É como se fosse uma sina, e no final de contas é verdade. A composição só piora”.

Altman indagou se as Jornadas de Junho de 2013 não representaram a força propulsora transformadora, que foi afinal desperdiçada. Damous avaliou que o movimento de massas já estava ganho pela direita quando a então presidenta propôs a convocação de uma assembleia exclusiva e foi ignorada pelo sistema político, inclusive por setores do PT. “A esquerda brasileira, sobretudo depois do fim da União Soviética, resolveu aderir ao jogo tradicional e disputar a hegemonia dentro das regras, onde ela, a esquerda, nunca será maioria”, justifica o avanço da direita sobre territórios antes dominados pelo lado oposto.

A frente ampla em torno de Lula e Geraldo Alckmin diferencia o Brasil da experiência venezuelana de confecção de uma nova Constituição. Para Damous, o chavismo tinha por si só uma pulsão constituinte e ali as alianças se deram no âmbito da esquerda, diferentemente do que acontece hoje no Brasil. “Aqui temos um amplo arco, inclusive com segmentos que apoiaram o golpe de 2016, segmentos neoliberais, liberais e da direita tradicional, com vistas ao enfrentamento com o fascismo bolsonarista”, afirma. O Brasil tampouco reúne condições como as do processo que está em curso no Chile: “Lá foi o modelo clássico. A multidão foi para a rua, revogou a Constituição pinochetista e convocou uma Constituinte, coisa que no Brasil nunca aconteceu e não sei se um dia acontecerá”.

Sem ruptura, na avaliação do político, o Brasil está condenado a ser golpeado repetidamente, seja com baioneta ou por votação no Parlamento. Um outro cenário como o de 2013 pode se repetir e de novo a direita se apropriar. “Em 2013, os repórteres da Globo não podiam nem sair na rua. Mas nós apanhávamos também, éramos enxergados como forças do establishment. Logo depois, a pauta anticorrupção imposta acabou tomando conta, como instrumento de perseguição política por parte da direita.”

O ex-deputado critica o comportamento da esquerda a seguir, frente ao golpe de 2016: “Fomos para o impeachment como o boi vai para o matadouro. Para mostrar como somos democráticos, nos submetemos ao rito, largamos pacificamente o poder, e isso mostra o quão respeitadores da ordem nós somos. Exemplificam isso como virtude”. O recuo levou ao enfraquecimento aos olhos da direita e do status quo: “A esquerda mundial já meteu medo às classes dominantes, não metemos mais. Era o que Marx chamava de espectro da revolução, o medo da revolução gerou a social-democracia e reformas importantes em prol dos trabalhadores no capitalismo.”

Nas palavras do advogado, a classe dominante brasileira é a mais perversa do mundo e está disposta a impedir qualquer redução de lucros e qualquer justiça social. Essa mão de ferro (e/ou a apatia à esquerda) resulta no fato de que o Brasil jamais saiu dos limites do capitalismo.  “As reformas de Jango até hoje não foram realizadas completamente, e eram reformas no âmbito capitalista”, observa. “Ou a esquerda começa a debater e a produzir as medidas para que a contrarrevolução burguesa não aconteça ou vai acontecer de novo, inexoravelmente. Não esperemos que nossas classes dominantes mudem, isso não vai acontecer.”

Damous lamenta o abandono desse debate, mesmo pelo PT: “Nada se faz a respeito do ponto de vista da decisão política, de que daqui para frente temos que nos preparar para a contra-ofensiva”. O momento demanda a reconstrução de um país em frangalhos, e o governo precisará avançar rapidamente em reformas hoje mais necessárias e agudas que em 2003: ”As massas desencantadas muitas vezes caminham para a extrema direita, que acaba aparecendo como a verdadeira força anti-establishment. Mais que nunca é necessário retomar conceitos velhos, mas não desatualizados”.

Damous aponta o racismo estrutural como problema nuclear do Brasil, originado da desigualdade social promovida pela classe dominante brasileira: “É decorrência direta de termos sido colônia e um país escravagista por 350 anos. Nem a esquerda conseguiu projetar como se supera isso. Vai ser no jogo parlamentar tradicional? Não vai ser”.

Apesar do pessimismo expresso em suas avaliações, Wadih Damous optou por se candidatar novamente à Câmara dos Deputados, e explica o porquê: “É a velha ressalva leninista, fecundar é importante. A gente tem que estar lá para denunciar, fazer contraponto ao punitivismo, onde se expressa o racismo estrutural brasileiro”. Durante seu mandato, ele foi combativo no enfrentamento à Operação Lava Jato, que classifica como “Estado de exceção formalizado no Brasil”. “A direita também estava acuada pela Lava Jato, e dava para fazer alianças pontuais para a contenção da operação, como aconteceu com a Lei do Abuso de Autoridade, uma derrota de Sérgio Moro”, recorda, consciente de que sempre pode acontecer tudo de novo.

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