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    Juros altos e o maior spread do mundo: o Brasil tem que mudar

    Os bancos privados devem cumprir seu papel para o desenvolvimento do país e seguir o exemplo dos públicos baixando suas taxas de juros

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    A presidente Dilma Rousseff demonstrou sempre ser mulher sábia e de coragem. Nas últimas duas semanas, no entanto, se superou. Provou aos brasileiros que é capaz de fazer o que muitos governantes não ousaram: enfrentar a sanha do sistema financeiro.

    Ela entende que os juros altos e os spreads praticados no país devem mudar porque criam obstáculos ao crescimento sustentável e continuado do Brasil. O termo spread significa a diferença entre o quanto os bancos pagam na remuneração das aplicações financeiras e o custo cobrado de pessoas físicas e jurídicas em empréstimos de toda natureza.

    Há duas semanas deu o primeiro passo e, com a orientação do governo, os bancos públicos reduziram os juros cobrados, o BB em até 70% e a Caixa em até 88%, dependendo das linhas de crédito. A carteira de clientes do Banco do Brasil representa 20% do mercado brasileiro e a da Caixa 12.8%, ou seja, o governo iniciou o processo para que mais de 30% das contas bancárias nacionais tenham ofertas de juros menores em empréstimos, e taxas de serviços mais baixas. E esse é um movimento consciente. Se os juros estão mais baixos a possibilidade de emprestar mais e ganhar mais é real. Tanto para os bancos públicos como para os privados.

    Para que isso aconteça é necessário que os bancos privados sigam o exemplo dos públicos como forma de estimular a produção e o consumo, e gerar mais empregos. No entanto, não é o que se anuncia. No lugar de apresentar cronograma de corte de taxas e queda de juros, como era de se esperar, o documento de 20 pontos encaminhado ao governo por Murilo Portugal, presidente da Febraban, cobra incentivos e desonerações, como a redução do Imposto sobre sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrados dos bancos. O que pretendem é uma queda de braços com o governo.

    É muita hipocrisia de Portugal, representante do setor mais lucrativo da economia brasileira, afirmar que "a bola agora está com o governo". Será que ele acredita mesmo que a diferença entre o que os bancos lucram captando a 9,5% numa ponta do balcão, e as taxas siderais de até 200% ao ano que cobram quando o recurso vira crédito é pequena e não deve ser alterada?

    Na comparação internacional, aparecemos mal na foto, com 31% de spread médio, perdendo apenas para o Congo em um ranking do Inepad relativo a 2010. O Paraguai aparece com 24,8%, a Rússia com 4,8%, a China com 3,1% e o Japão com apenas 1,1%.A discrepância é fácil de ser observada. Quem aplica na caderneta de poupança, por exemplo, recebe 6,75% ao ano de rentabilidade, ou seja, menos de 3% de ganho, descontada a inflação. Da outra ponta vem a facada monumental: caso “entre no vermelho”, o cliente pagará pelo uso do cheque especial entre 170% e 224% anuais, se emprestar dinheiro de um dos principais bancos privados do País. Ou ao levar um carro para casa, pagar um montante equivalente a dois ou mais, conforme o prazo do financiamento.

    Pesquisa da Fundação Procon de São Paulo mostra que as taxas de juros cobradas por sete bancos consultados se mantiveram inalteradas para empréstimos pessoais em março, ante fevereiro, enquanto que para o cheque especial houve um leve aumento de 0,01 ponto percentual. A taxa média para empréstimo pessoal seguiu em 5,87% ao mês. Os juros do cheque especial subiram e a taxa média alcançou 9,54% mensais.

    O levantamento comparou as taxas cobradas por BB, Bradesco, Caixa, Itaú, Safra, Santander e HSBC. O Itaú é a instituição pesquisada que cobra a maior taxa para empréstimo pessoal (6,76% ao mês) e o BB, a menor (5,23%). No caso do cheque especial, a maior taxa cobrada é do Safra (12,30% ao mês), enquanto a menor fica com a Caixa (8,25%).

    Em relação ao cartão de crédito o absurdo dos juros cobrados no Brasil fica ainda mais evidente quando os comparamos com as taxas praticadas em outros países. Uma pesquisa divulgada em janeiro pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) mostra que a taxa do cartão de crédito no Brasil é a mais alta na comparação com cinco países da América do Sul e o México. A soma das taxas dos seis países não chega ao valor médio dos juros cobrados pelas operadoras de cartão de crédito no Brasil.

    Segundo a Proteste, o brasileiro pagava no início do ano uma taxa média de juros de 237,9% ao ano. Isto é quase cinco vezes superior à da Argentina, que aparece na segunda colocação com uma taxa média de 50% ao ano. Atrás da Argentina aparece o Chile, com taxa média de 40,7%, seguido pelo Peru, com 40%, o México, com 36,2%, e a Venezuela, com 29%. A menor taxa entre os países analisados foi a da Colômbia, com taxa média de juros de 28,5% ao ano no cartão de crédito.

    Para Murilo Portugal o spread médio brasileiro, hoje da ordem de 37%, é alto porque embute muitos tributos, custos de inadimplência e a insegurança jurídica do país. Argumenta que o compulsório (obrigatoriedade dos bancos de manter junto ao Banco Central 55% do montante dos depósitos) é um dos grandes responsáveis pela dificuldade de acesso ao crédito no país. Ora bolas, ele fala como se regras, impostos e riscos fossem singularidade da esfera bancária. Todos os outros setores da economia estão sujeitos a isso. O que o sistema financeiro privado brasileiro quer é defender salvaguardas para uma liquidez cada vez maior enquanto permanece totalmente desregulado no que tange à acumulação de lucros pelo capital a juros.

    Todos esses argumentos juntos não conseguem justificar a manutenção de spreads tão altos. Mudanças ocorridas nestes fatores ao longo dos anos não se refletiram em mudanças dos spreads. Desde 2001, a taxa média de juros dos empréstimos bancários sempre esteve acima dos 39%. Nesse período, a inflação chegou a 12,53% e ficou em 6,5% em 2011 e a inadimplência caiu de 15,9% para 5,7%. Esses movimentos não se refletiram em oscilações dos spreads nem mesmo entre 2008 e 2009, durante a crise econômica internacional, quando o governo reduziu o compulsório, e os bancos públicos reduziram seus juros, aumentaram os ganhos e expandiram suas operações.

    O lucro dos bancos não é proveniente apenas da cobrança de juros bancários. Os custos bancários administrativos são cobertos com a cobrança abusiva dos serviços, apesar de cada vez mais os clientes pagarem suas contas e realizarem transferências e outros tipos de transações via internet ou caixas eletrônicos. Com os juros dos títulos públicos em baixa, e a queda da Selic derrubando o faturamento no mercado de capitais, os bancos aumentaram a cobrança de tarifas bancárias em 77,68% nos últimos dois anos. Segundo dados dos sindicatos dos bancários, incluindo o de Brasília, o pagamento destas tarifas cobrem mais de uma folha de pagamento das instituições financeiras.

    Murilo Portugal apresentou recentemente um levantamento do Banco Central de 2010 sobre a composição do spread bancário. Segundo esses dados, 29% do spread estava associado aos custos da inadimplência, 26% correspondiam à tributação e ao compulsório, 13% representavam custos administrativos e os 32% restantes eram o lucro líquido dos bancos. Trinta e dois por cento de lucro líquido! E eles acham pouco. É inacreditável.

    Os bancos públicos têm rentabilidade tão alta quanto as instituições privadas. E tomaram a iniciativa de baixar juros. Não se trata de atitude imprudente. E sim de seus dirigentes compreenderem que este é um novo momento e que existem condições para tal. Além disso, seguem as normas do Comitê de Basiléia (Suiça), organização que reúne autoridades de supervisão bancária, com o objetivo de fortalecer e regular os sistemas financeiros nos países estabelecendo limites para que instituições possam operar sem colocar em risco o sistema financeiro.

    Os bancos privados por sua vez, se quiserem contribuir com o crescimento econômico e com o desenvolvimento nacional, tem o dever de facilitar o acesso ao crédito. Esse é um requisito importante para o país nos próximos anos. O cenário mundial é de recessão, mas no Brasil é de crescimento e desenvolvimento. Esta será a maior mudança no ambiente econômico brasileiro desde que o Plano Real acabou com a inflação, mas deixou como herança as maiores taxas de juros do planeta.

    Chico Vigilante é deputado, líder do Bloco PT/PRB

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