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    O fim do Minha Casa Minha Vida: como Bolsonaro extinguiu o programa sem alarde

    Investimento de 2020 foi o menor da história, e o programa apresentado pelo governo como substituto aprofunda o desmonte

    (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
    Lais Gouveia avatar
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    Brasil de Fato - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizou em janeiro de 2021 uma proeza que parecia impossível no início do seu mandato: acabar com o maior programa habitacional da história do Brasil sem alarde.

    Para que ninguém sentisse saudades quando o Minha Casa Minha Vida (MCMV) fosse extinto, o governo rebaixou o orçamento do programa a níveis inéditos. Há sete meses, apresentou um substituto, batizado de Casa Verde e Amarela, sem ouvir as demandas dos movimentos por moradia e sem garantias de que a população de renda mais baixa será beneficiada.

    Graça Xavier, dirigente da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), avalia que o governo se beneficiou da crise sanitária para consolidar o desmonte do programa.

    “Ele [Bolsonaro] aproveitou a pandemia e ‘passou a boiada’ na política de habitação”, afirma Xavier, em referência à expressão usada por Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, durante reunião ministerial em abril de 2020. “A grande maioria das obras ficou paralisada, e os recursos foram diminuindo até o programa acabar de vez”.

    Embora parte da população reconheça que há um desmonte, Xavier lembra que as condições para manifestações populares são desfavoráveis há pelo menos um ano.

    “Por causa da pandemia, as pessoas não podem sair às ruas para protestar. Então, o governo se beneficiou disso e da falta de visibilidade do tema nos grandes veículos de comunicação para acabar com o programa. Quando as pessoas acordarem, já se foi”, lamenta.

    Orçamento

    De 2009, ano de criação do MCMV, até o fim de 2018, antes de Bolsonaro chegar à Presidência, o investimento anual destinado ao programa era de R$ 11,3 bilhões, em média.

    No primeiro ano de governo, o valor caiu para R$ 4,6 bilhões. Em setembro de 2019, foi previsto um corte de 42% no orçamento do ano seguinte, estipulado inicialmente em R$ 2,71 bilhões.

    Com os dados consolidados de 2020, a queda foi ainda maior. Conforme planilha obtida pelo Brasil de Fato via Lei de Acesso à Informação (LAI), o gasto final foi de R$ 2,54 bilhões.

    Sem perspectivas

    O Brasil possui um déficit de 7,797 milhões de moradias, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). O estudo se baseia em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Diante desse cenário, o fim do MCMV foi criticado por organizações como a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e movimentos populares pelo direito à moradia.

    O programa Casa Verde e Amarela apresenta como principal novidade a redução na taxa de juros. A Caixa Econômica Federal, instituição responsável por operar financiamentos e subsídios, cobrava até dois anos atrás 1% de taxa -- agora é de 0,5%.

    A projeção do governo é atender 1,6 milhão de famílias por meio de financiamento habitacional até 2024, o que representa um aumento de 350 mil em relação ao previsto pelo MCMV.

    Leia também: Programa habitacional de Bolsonaro deixa de fora os mais pobres, criticam movimentos

    Graça Xavier alerta que o público-alvo da vez são famílias com renda média mensal de até R$ 7.000,00. A tendência, segundo ela, é que se privilegiem aquelas cujos ganhos estão mais perto do teto.

    “Na gestão do governo Dilma, a cada dez pessoas atendidas, sete eram de famílias de baixa renda [até dois salários mínimos]”, ressalta. “Nós lemos e relemos o programa e chegamos à seguinte conclusão: é mais um retrocesso na política de habitação. O público que deveria ser o foco, que são famílias que ganham de zero a dois salários mínimos, não vai ser atendido. Ele foi excluído do Casa Verde e Amarela”, diz Xavier.

    O desmonte, segundo a integrante da UNMP, começou após o golpe de 2016, quando o governo federal parou de assinar novos convênios para construção de casas no âmbito do MCMV.

    Desde 2009, foram mais de 4 milhões de unidades habitacionais, totalizando um investimento de R$ 105 bilhões, que beneficiou cerca de 16,5 milhões de pessoas.

    “No governo Temer (MDB), isso já foi diminuindo, permanecendo apenas os convênios assinados no governo anterior. E, no governo Bolsonaro, foram feitas várias normativas, mas nenhum convênio novo”, enfatiza Xavier. “O Ministério [do Desenvolvimento Regional] não chama mais reunião com os movimentos, o Conselho das Cidades foi destruído. Foi uma devassa mesmo, acabando com tudo que beneficia a população de baixa renda”, conclui.

    Em entrevista recente ao Brasil de Fato, Felipe Vono, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em São Paulo, ressaltou a gravidade da intransigência do governo Bolsonaro.

    “Quando não se ouve a sociedade e aqueles segmentos que, de fato, representam os sem-teto, que são os que mais estão sendo atingidos pela pandemia e pelos despejos, isso é muito grave, tanto do ponto de vista do atendimento aos direitos sociais quanto do ponto de vista da democracia”, disse, por ocasião do lançamento do novo programa.

    Leia ainda: Gustavo González: 'Sem instrumentos políticos, problema habitacional não tem solução'

    Para viabilizar o programa Casa Verde e Amarela, governo planeja remanejar R$ 5,5 bilhões em recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para saúde, saneamento e infraestrutura.

    O orçamento total do Fundo para políticas públicas cairá gradativamente nos próximos anos: de R$ 77,947 bilhões em 2020 para R$ 77,447 bilhões em 2021, com perspectiva de chegar a R$ 76 bilhões em 2024.

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