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Super-ricos apropriam-se do 'boom' do agro e mais que triplicam renda rural desde 2017

Estudo aponta que 0,01% mais abastados do país aumentaram em 248% sua renda advinda da atividade rural em cinco anos

(Foto: Agência Brasil)

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Vinicius Konchinski, Brasil de Fato - As cerca de 15 mil pessoas mais ricas do país foram as maiores beneficiadas pelo crescimento do setor agropecuário no Brasil e o aumento do preço dos produtos agrícolas no mercado mundial de 2017 a 2022, de acordo com um estudo divulgado pela Fundação Getulio Vargas no último dia 16. Segundo o documento, os 0,01% mais abastados do país aumentaram em 248% sua renda advinda da atividade rural em cinco anos. Para todos os brasileiros, a renda rural cresceu, na média, 74% – menos de um terço da alta verificada entre os mais ricos.

O estudo foi produzido pelo economista Sérgio Wulff Gobetti, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com base em dados gerais de declarações de Imposto de Renda (IR) fornecidos pela Receita Federal. Os números indicam que a agropecuária é hoje a atividade que mais contribui para o aumento da desigualdade no país.

Em nenhuma das outras atividades analisadas no estudo (renda com trabalho, com lucros, etc), o ganho dos super-ricos aumentou tanto. Em nenhuma delas também a diferença entre alta dos ganhos dos super-ricos com o aumento do ganho médio foi tão grande.

Isso fez com que o agro passasse a ter uma importância cada vez maior para os mais ricos no país. Em 2017, cerca de 3,3% do que eles ganhavam por ano vinha do setor. Em 2022, essa parcela passou para 5,9%, segundo dados da Receita.

Para Gesmar Rosa dos Santos, doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), os rendimentos altos atraíram inclusive os super-ricos erradicados nas cidades a investir no agro. "As maiores rendas da agropecuária, assim como a posse das maiores propriedades e das melhores terras, estão em poder de agentes econômicos que vivem nas cidades", afirmou, ao Brasil de Fato.

Motivos - Segundo outros estudiosos ouvidos pelo BdF, o crescimento expressivo da renda dos mais ricos com o agro tem a ver com o “boom” do mercado agrícola. O economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin afirmou que os preços dos produtos alimentícios subiram consideravelmente entre 2017 e 2022 – período que incluiu os anos de pandemia –, o que elevou a inflação, mas turbinou os ganhos dos produtores rurais.

O Índice de Preços Reais de Alimentos divulgado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) estava em 98 pontos em 2017, lembrou Baccarin. Fechou 2022 em 143,7 pontos. Isso indica uma alta de 46% do preço da comida em cinco anos ao redor do mundo.

No Brasil, o preço dos alimentos subiu 11,64% só em 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), observou que a alta nos ganhos dos agricultores não foi repassada igualmente entre todos eles. O motivo é a alta concentração da propriedade da terra pela elite brasileira. Quando a agricultura avança, a maior parte da renda gerada vai justamente para quem já possui uma renda altíssima.

De acordo com a pesquisa de Gobetti, os 0,01% mais ricos do país, que mais ganharam com o crescimento da agropecuária, têm renda mensal de R$ 2,1 milhão. Já a renda média no Brasil é de R$ 3,6 mil por mês.

Isenções - Gobetti lembrou ainda que a renda da atividade agrícola no país é pouco tributada, o que a torna mais vantajosa para os ricos.

Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), acrescentou que produtores rurais têm benefícios tributários que outros tipos de profissionais não têm. “Quem tem atividade rural adota como resultado só 20% de sua receita e, em cima disso, paga os tributos. É uma vantagem grande”, disse.

Para Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há uma contradição nesse modo de cobrar os impostos. Ele explicou que a agricultura gera poucos empregos e, por conta disso, já deveria ser mais tributada para que seus ganhos fossem, em parte, distribuídos entre uma fatia maior da população.

Faria admite que a tributação do produto da agropecuária tenderia a pressionar os preços dos alimentos no país. Justamente por isso, explicou ele, essa tributação deveria estar focada no lucro ou renda dos produtores rurais, pouco taxados atualmente.

Débora Nunes, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acrescentou ainda que agricultura naturalmente apropria-se de bens comuns para sua produção: água, luz solar, biodiversidade, etc. Seria justo que o ganho com essa atividade fosse melhor repartido com todos. “A atividade rural tem se tornado uma das principais formas de concentração e aumento da renda dos super-ricos porque transforma bens da natureza, que deveriam estar a serviço da humanidade, em mercadoria”, afirmou.

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