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Tônica de discussões em seminário no BNDES sobre desenvolvimento foram os juros estratosféricos no Brasil

As críticas à taxa Selic de 13,75% deram o tom das falas de palestrantes na cerimônia. Aloizio Mercadante citou três tendências para o mundo atual. Confira

Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil | Reuters/Sergio Moraes)

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Por Denise Assis, para o 247 - Não foi apenas o renomado e prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, a condenar os juros estratosféricos do Brasil, na mesa de abertura do seminário "Estratégias do Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”, uma realização da Fiesp, do BNDES – que sediou o evento -, e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) –, o centro de estudos do tucanato. As críticas ao índice atual deram o tom das falas de quantos palestraram na cerimônia, que teve debates mediados por André Lara Resende, economista e ex-presidente do banco.

Foram tratados temas tais como: política industrial, papel de Bancos de Desenvolvimento, taxa de juros e reforma tributária, tanto na mesa de abertura, quanto no primeiro painel do seminário com início nesta segunda, 20, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro. Todos os palestrantes concordaram que a taxa de juros está excessivamente alta no país e precisa ser revista, em conjunto com uma política de investimento que propicie reindustrialização e crescimento sustentável, ambientalmente responsável e socialmente inclusivo.

O evento teve abertura do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e a presença da ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, do presidente da FIESP, Josué Gomes da Silva, e do presidente do conselho curador do CEBRI, José Pio Borges.

Além do prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, outro convidado de renome foi o prof. James Gailbraith (Lyndon B Johnson School of Public Affairs). Eles expuseram sua visão sobre a coordenação de políticas fiscal e monetária, dando ênfase em estratégias para o desenvolvimento sustentável. Os painelistas discorreram sobre a experiência internacional e os efeitos causados por diferentes formas de enfrentamento da inflação e do crescimento econômico pelo mundo, para uma plateia diversa, com parlamentares, professores de economia, ex-ministros de estado de diversos governos, jornalistas, convidados e funcionários do BNDES.

Ao abrir os trabalhos, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que o banco tem o papel histórico de propor o debate plural, complementar aos esforços de diversos setores do governo ao trazer reflexões sobre o desenvolvimento do país. Mercadante falou ainda que o cenário internacional tem três grandes tendências: a resiliência das cadeias industriais de valor no pós-pandemia; a revolução tecnológica, representada em parte por capacidade de produzir microchips e baterias de lítio, mobilidade elétrica, complexo da saúde e indústria 4.0; e, ainda, a emergência climática, com custo crescente dos desastres naturais.

“Precisamos fortalecer e reorganizar a defesa civil, vamos aprimorar as tecnologias no setor. Sobre a transição energética, o Nordeste é o ‘pré-sal’ da energia limpa, e o Brasil tem grande potencial de hidrogênio verde e etanol de 2ª geração. Precisamos rever o custo de financiamento. Não haverá futuro no mundo sem o Brasil”, ressaltou.

O vice-presidente Geraldo Alckmin, o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva e a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos Esther Dweck fizeram coro às críticas aos juros altos no país. Josué chegou a dizer que os juros estariam em níveis “pornográficos”, enquanto Alckmin lembrou da necessidade de se ampliar mercados e melhorar as bases para a expansão das exportações brasileiras, para desenvolver a indústria e gerar emprego e renda qualificados no país.

Para Ester Dweck, estamos em um momento novo, de reconstrução e união. “O BNDES também é uma das grandes instituições brasileiras sendo reconstruída”. Nunca entendi por que o BNDES não teve uma participação ainda mais relevante durante a crise da pandemia”, declarou. Segundo a ministra, o Banco será um dos grandes motores do desenvolvimento brasileiro.

Painel – O economista Andre Lara Resende abriu o painel sobre a experiência internacional ao destacar que, a crise das economias avançadas em 2008 e, também, o pós-pandemia forçaram a revisão das teorias macroeconômicas. As políticas fiscal e monetária não podem mais ser concebidas como independentes. “Para retirar o país da estagnação, é necessário conceber que o Estado é parte do projeto, não há como suprimir o Estado, não existe capitalismo sem o Estado competente”, defendeu Lara Resende.

Em sua palestra, o vencedor do Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, iniciou com a lembrança de que, há cerca de 20 anos, a atitude frente à política industrial e bancos de desenvolvimento não era tão positiva como hoje. Para ele, há hoje consenso nos EUA entre os membros dos partidos Democrata e Republicano, da necessidade de uma política industrial que possa fazer frente à necessidade de se estabelecer o desenvolvimento da manufatura de microchips e promover a transição para uma economia verde.

Stiglitz lembra que, durante a pandemia do coronavírus, os EUA lançaram mão do War Act, instrumento para induzir a fabricação de produtos impactados pela escassez ocorrida no período de lockdowns mundo afora. “As ideias econômicas centrais nos últimos 40 anos estão sendo revistas e desacreditadas. A razão é que o crescimento esteve lento na era neoliberal e todos os benefícios gerados foram para as elites econômicas. Há 40 anos de evidências de que o neoliberalismo é segregador de riqueza. O crescimento da desigualdade torna óbvio que é necessário alternativas às políticas monetárias. O Brasil tem sobrevivido apesar da sentença de morte. Isso porque o Brasil tem bancos de desenvolvimento que proveram juros baixos”, explicou o economista (conforme manchete do 247).

Joseph Stiglitz acrescentou que se o Brasil tivesse uma política mais razoável estaria em melhor estado macroeconômico. “É claro que juros altos afastam investimento e reduzem produtividade. O país é muito dependente de commodities e precisa de transição para uma economia (industrial) verde. Há fortes teorias que demonstram – exemplo é a de Richard Nelson (Columbia University) – como quando se tem muito poder de mercado, como monopólios, aumentam-se dúvidas, riscos e inflação”, alerta o Nobel de economia. “Juros altos são contraproducentes pois podem levar a mais inflação, aumentam o custo da dívida pública e reduzem os recursos do governo para investimentos necessários ao crescimento econômico. Mesmo se pensar que pode ser por um problema fiscal, juros altos são contraproducentes”, concluiu.

Stiglitz fez uma espécie de denúncia, ao citar o exemplo da Argentina, em que reportou que o ministro da economia portenho, Martin Guzmán, persuadiu o Fundo Monetário Internacional, credor do país vizinho, a permitir que a Argentina crescesse, para reduzir a pobreza. “Juros altos e austeridade aumentam o problema fiscal enquanto taxas mais baixas podem aumentar a resiliência”, disse. Um quadro agudo do que pode resultar da insistência da atual política monetária brasileira.

Ele não poupou também os modelos dos bancos centrais autônomos. Destacou que BCs independentes não podem operar afastados de seus compromissos democráticos com a sociedade. Paul Volker, ex-presidente do FED (governos Carter e Reagan), dizia que o congresso americano criou o FED da mesma forma que poderia fechá-lo, segundo Stiglitz, numa demonstração de compromisso com o poder eleito. “Mesmo BCs independentes precisam ser mais representativos. Na Suécia, eles têm um membro representante dos trabalhadores. Aqui, na América Latina, há exemplos do impedimento de pessoas do mercado financeiro serem membros da diretoria dos BCs, por conflito de interesses”, explicou.

Numa nota de esperança e otimismo, para finalizar, Stiglitz disse que o Brasil tem a sorte de ter um banco de desenvolvimento em bom funcionamento, como o BNDES, e que é um bom momento para repensar e trazer novas perspectivas. Insistiu na transição para a economia verde, que segundo ele tem colocado os bancos de desenvolvimento no centro da estratégia política.

Já o professor James Gailbraith apontou como a questão principal do Brasil, hoje, os juros altos. “A maior do mundo, para uma economia grande como essa, tem profundo efeito sobre a desigualdade, pois a agrava”, alerta.

Gailbraith acrescentou que uma política de juros excessivos tende a represar investimentos privados e aumentar o desemprego, o que acaba por desestimular o consumo. Para o professor, o desenvolvimento socioeconômico pode ser promovido no médio prazo com juros mais baixos, mas não apenas. Citando os exemplos do New Deal americano e da economia planejada da China, Gailbraith descreveu como os chineses concentraram investimentos em educação, saúde e infraestrutura, como forma de garantir urbanização de qualidade, com produtividade e preços baixos. “A China converteu a prosperidade do estado socialista em mercado de consumo, mas também trouxe muitas ideias do Brasil. O Brasil poderia ter avançado mais com juros baixos, investimento alto e tributação mais justa”, receitou o professor da Lyndon B Johnson School of Public Affairs.

“O Brasil é um dos lugares mais seguros do mundo para o investimento estar, pois está melhor que muitos países da Europa. Tem uma estrutura financeira sólida, que protegeu bem o país na crise de 2008. Mas a política atual de juros altos precisa ser abandonada pois é insustentável, principalmente, com a crise climática”, concluiu.

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