HOME > Entrevistas

Leonardo Sakamoto: trabalho escravo contemporâneo está mais nas empresas que nos governos

Para jornalista, reformas trabalhistas que reduzem direitos dificultam combate às formas violentas de superexploração; assista

Jornalista Leonardo Sakamoto (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Pedro Alexandre Sanches, do Opera Mundi - O programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (15/06), discutiu com o jornalista e professor Leonardo Sakamoto o combate ao trabalho escravo no Brasil e no mundo. 

Ele afirmou que os principais escravizadores do mundo contemporâneo são as empresas, e não os governos, e que as reformas trabalhistas implementadas pós-impeachment de Dilma Rousseff vêm erodindo continuadamente a proteção da população brasileira contra as formas mais degradantes de trabalho.

Em sua avaliação, o trabalho escravo, mesmo sem ser essencial para o capitalismo, está presente em praticamente todas as cadeias produtivas globais importantes. 

“Olha que contraditório, por mais que o trabalho escravo não seja essencial para o desenvolvimento do capitalismo, ele é usado para o desenvolvimento do capitalismo para obter lucro fácil, cortar custos, aumentar competitividade, fazer concorrência desleal”, disse o diretor da organização Repórter Brasil, um importante centro de informações sobre combate ao trabalho escravo no país.

Como exemplos, Sakamoto citou as cadeias de carne, carvão vegetal utilizado pela indústria automobilística, minerais importantes para a indústria eletrônica, cacau para fabricação de chocolate, soja, algodão em diversas etapas da produção de vestuário, e assim por diante. O Brasil registra trabalho escravo em todas essas cadeias, que exportam produtos para o planeta todo. “A exploração pode acontecer a 50 quilômetros ou a 5 mil. Mesmo lugares extremamente desenvolvidos estão explorando alguém direta ou indiretamente”, diz.

Segundo Sakamoto, o trabalho escravo contemporâneo não é necessariamente resquício arcaico de exploração, mas um instrumento utilizado de forma sistemática pelo capitalismo para facilitar competitividade, acesso ao lucro, instalação de novos empreendimentos agropecuários etc. 

“O trabalho escravo atual é diferente daquele que havia até 1888, quando o Estado brasileiro reconhecia a possibilidade de uma pessoa ser dona de outra ou uma empresa ser dona de uma pessoa”, explica, declarando que seguiu "formas análogas de escravidão, que sujeitam e coisificam o ser humano, transformando-o em instrumento descartável de trabalho.” 

O jornalista avaliou o impacto das reformas trabalhistas implementadas a partir do governo Michel Temer na escravização contemporânea brasileira: “quando se vai erodindo a legislação trabalhista ao longo do tempo, acabam se tornando permissíveis condições degradantes que não são permissíveis”. 

Ele lembrou que o governo Lula criou a lista suja do trabalho escravo, interrompida por Temer, retomada a partir de 2017 e mantida até o presente, mesmo sob gestão de Jair Bolsonaro. Para o especialista, o atual presidente não teve coragem de mexer diretamente nesse “vespeiro”: 

“A narrativa do desmatamento é mais palatável, ele vai falar ‘vocês querem desmatar ou comer?’, mas não ousa tentar defender trabalho escravo. Nem a bancada ruralista ousa defender publicamente, porque toma saraivada nas urnas”, pontuou o jornalista.

Escravização presente na sociedade

Entre outras formas de escravização ainda presentes na sociedade contemporânea, Sakamoto e o diretor de redação de Opera Mundi, Haroldo Ceravolo Sereza, discutiram o tráfico de pessoas, o trabalho obrigatório nas prisões e o trabalho doméstico. 

“O trabalhador de classe média, para dedicar mais tempo e gerar mais-valia para a empresa, precisa ter uma trabalhadora empregada doméstica na retaguarda, e há escravização de trabalhadoras domésticas nesse processo, inclusive na Europa e nos Estados Unidos”, alertou Sakamoto, lembrando a demora do Brasil em garantir os mesmos direitos às trabalhadoras empregadas domésticas e aos outros trabalhadores. 

“Muita gente, permeando direita e esquerda, usou discursos do tipo 'as domésticas vão morrer de fome’. É com isso que você está preocupado de verdade?”, ironiza.

A nova modalidade de superexploração gerada pelos aplicativos de entrega e transporte impõe, na opinião do jornalista, uma análise caso a caso para determinar se novas condições análogas à escravidão vêm sendo inventadas sob a capa do “empreendedorismo”. “A gente tem facilidade de chamar trabalho muito ruim de escravo, mas é preciso ter cuidado, porque se muita coisa é trabalho escravo, na verdade nada é, e fica difícil combater. Mas é uma forma indigna de exploração que também precisa ter regulamentação e garantia de direitos", disse.

Para Sakamoto, as estratégias de boicote às empresas que figuram na lista suja do trabalho escravo são eficazes em alguns casos, mas deveriam ser cobradas menos dos consumidores finais que das empresas intermediárias na cadeia produtiva.  

"O boicote mais poderoso é o do varejista, do banco. Os 33 milhões de brasileiros passando fome não têm condição de fazer boicote”, defende. 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: