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Tania Malheiros: "governo usou pessoas como cobaias na marcha nuclear brasileira"

Jornalista que escreve sobre energia nuclear desde 1986 lança o livro “Cobaias da Radiação - a história não contada da marcha nuclear brasileira e de quem ela deixou para trás”

Tania Medeiros (Foto: Reprodução (TV 247))

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247 - A jornalista Tania Malheiros, que há 37 anos se dedica à pesquisa da exploração da energia nuclear brasileira, revelou em entrevista à TV 247 a situação dos trabalhadores afetados pela radiação. A jornalista explica que para a construção do seu novo livro, “Cobaias da Radiação - a história não contada da marcha nuclear brasileira e de quem ela deixou para trás”, optou por fazer um recorte temporal anterior ao fechamento da Usina de Santo Amaro, a Nuclemon, em 1992. “A Nuclemon foi fechada depois de uma matéria que eu fiz denunciando vazamento de radiação, contaminação do meio ambiente, contaminação de funcionários. E antes, o que havia? Por que a Nuclemon existiu? Eu fui para o passado".

Dedicada a denunciar a forma irresponsável com que as empresas de energia nuclear geriram o meio ambiente e sua força de trabalho, Malheiros conta sobre o surgimento da primeira instalação industrial nuclear brasileira, a Orquima, no Brooklin, São Paulo, que mesmo funcionando clandestinamente desde a década de 1940, foi oficialmente inaugurada em 1952. 

Anos dourados e o lobby nuclear

Movido pelo entusiasmo dos anos dourados do desenvolvimento brasileiro, período de instalação de grandes parques industriais e do imaginário coletivo de progresso, um lobby entre militares e civis criou o simulacro de um setor nuclear próspero. “Era uma empresa montada pelo governo, com pessoas do governo, com aval do governo e depois ela foi vendida para o governo. Uma grande maracutaia.”

Em oposição à aparência de sucesso, havia a exploração de mão de obra precarizada no entorno da região paulista. Eram recrutados trabalhadores da construção civil, pobres, em geral negros e evidentemente sem nenhum conhecimento dos riscos que os esperavam: “Centenas de trabalhadores que nós nunca saberemos os nomes dessas pessoas porque eles evaporaram. Essas pessoas trabalhavam sem nenhuma segurança de equipamento, se alimentavam sobre tambores com material radioativo e levavam as suas roupas para casa para seus familiares lavarem tudo contaminado. Então, certamente ocorreram muitas mortes dos invisíveis.”

Uma corrente de afeto

Tania explica que a sequência de nomes que figuram na história da indústria nuclear brasileira é uma tentativa constante de confundir a opinião pública, simulando o apagamento dos responsáveis por escândalos de vazamento, poluição ou exploração do trabalho e evitando o pagamento de indenizações às vítimas. 

A jornalista conta que após o fechamento definitivo da Nuclemon, em 1992, os trabalhadores que estavam alheios aos perigos da radiação se organizaram em uma associação a fim de reivindicar seus direitos trabalhistas e indenizações. “Eles foram enganados. Ninguém sabia que trabalhava com material radioativo. Ninguém sabia o risco que corria e eles foram morrendo. Da Orquima para cá morreram muitos, centenas, sem saber que trabalhavam para uma indústria radioativa. Até hoje, lamentavelmente ninguém foi indenizado.” 

Em virtude dos dramas que permeiam as sequelas que estes trabalhadores carregam, como a iminência constante de perder seus planos de saúde, a Associação Nacional dos Trabalhadores da Produção de Energia Nuclear (Antpen) atua como além do aspecto jurídico, “eles montaram então uma grande corrente de afeto, de solidariedade. Montaram essa associação e a partir daí eles começaram a se relacionar, a buscar um ao outro.”

Poeta-empresário

Malheiros aponta na entrevista a personagem que ela considera mais interessante na trajetória da indústria nuclear brasileira, Augusto Frederico Schmidt, coabitado por duas personas contraditórias, um poeta e um empresário. O carioca, autor da frase "cinquenta anos em cinco" foi o responsável por convidar Getúlio Vargas a inaugurar a usina de Orquima. Além de sócio majoritário daquela indústria, Schmidt utilizava de sua rica rede de contatos para vender a falsa ideia de que tratava de um negócio promissor, ignorando a precariedade das instalações e as condições de alienação e contaminação dos trabalhadores.

A jornalista comenta o ato curioso de que, mesmo após a mídia da época compreender que aquele setor aparentemente promissor de energia se tratava de um mero lobby entre militares e civis para a venda de material nuclear para a indústria estadunidense, a figura de Getúlio Vargas foi preservada, como se ele fosse apenas mais uma das vítimas daquele engodo. Ironicamente, aponta Tania, que “quando os americanos estavam abarrotados de material radioativo, eles não quiseram mais comprar. Não tinha mais mercado para este produto.”

Onde está o lixo radioativo?

Desde o fechamento definitivo da usina de Nuclemon, em 1992, o material radioativo passou a ser administrado pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), uma entre as tantas denominações apontadas pela jornalista, em 3 localidades: Botuxim, no Sítio São Bento, em Itu (São Paulo); no bairro de Interlagos, zona Sul da capital paulista; e na cidade de Caldas, em Minas Gerais, que acumula o maior volume de lixos radioativos por situar uma mina de urânio fechada em 1982. 

Tânia ironiza a constante presença de autoridades nestes locais, deixando implícito que elas estão lá com a clara intenção de fiscalizar a contaminação do meio ambiente. Isto porque o despejo do material contaminante foi feito às pressas, motivado pelo escândalo das denúncias feitas pela própria jornalista em 1990, publicada nos Jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, que resultaram em um processo movido pela fiscal do Trabalho, Fernanda Giannasi e o Sindicato dos Químicos.

De forma atabalhoada, o material resultante do processo químico, uma espécie de resíduo atômico, chamado de Torta II passou a ser armazenado junto com o urânio, um elemento altamente tóxico ao corpo humano e despejado sem autorização ambiental ou anuência das 3 comunidades acima mencionadas. “Na calada da noite eles mandavam os operários colocar esse material lá em Caldas”.

Herança maldita

Na ocasião do lançamento de seu livro, “Cobaias da Radiação - a história não contada da marcha nuclear brasileira e de quem ela deixou para trás” na Câmara Municipal de São Paulo, Tania convida para um debate acerca do futuro dos trabalhadores da Nuclemon. O evento contará com a participação de fundadores e integrantes da Associação Nacional dos Trabalhadores na Produção Nuclear (ANTPEN).

Mesmo com quase 40 anos de experiência em investigar o setor energético nuclear, Tania Malheiros conta que as descobertas ao longo da pesquisa que resultou no livro as surpreenderam: “É uma trajetória tão absurda que à medida em que eu fui apurando eu fui me surpreendendo também.”  

O Livro

Cobaias da Radiação - a história não contada da marcha nuclear brasileira e de quem ela deixou para trás.

Agenda de lançamentos:

São Paulo - Dia 24, das 19h30 até às 21h30, na Câmara Municipal de São Paulo, Sala Oscar Pedroso Horta,  1º subsolo, no Viaduto Jacareí, 100, Bela Vista, São Paulo, haverá debate sobre a questão nuclear brasileira.

Rio de Janeiro: Dia 27 de abril a partir das 19h, no Café Lamas, Rua Marques de Abrantes, 18, Flamengo, Rio de Janeiro. 

E-mail: malheiros.tania@gmail.comTelefone: (21) 99601-5849

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