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15/03: Dia de Combate à Islamofobia: pelo fim da violência aos muçulmanos em todo mundo

O termo, cunhado inicialmente para descrever disputas e diferenças dentro do Islam, hoje se configura como repúdio aos muçulmanos e à sua religião

Francirosy Barbosa: "Não tenho o que comemorar, mas tenho o que esperançar, uma sociedade justa e respeitosa a todos os muçulmanos" (Foto: Reprodução)

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Diálogos do Sul, Opera Mundi - A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 2022 a resolução declarando 15 de março como dia internacional para combate à Islamofobia. A violência contra muçulmanos entra no rol das violências na sociedade mundial.

Países como França, Índia, EUA estão no topo das violências sofridas pelos muçulmanos. Embora o tema tenha ganhado maior projeção a partir do 11 de Setembro de 2001, o termo aparece escrito pela primeira vez na França na década de 1920 como “islamophobie” e reaparece na década de 1970. O termo cunhado inicialmente para descrever disputas e diferenças dentro do Islam, acabou se configurando como repúdio aos muçulmanos e à sua religião.

Em 25 anos de pesquisa em comunidades islâmicas no Brasil fui acompanhando vários relatos de violências contra a comunidade, tendo destaque às mulheres que usam lenço (hijab).

Foi possível identificar aspectos encontrados por Aziz (2022, p.4-5) sobre o processo de racialização dos muçulmanos e que vem ocorrendo de forma global, entre eles: 1) a supremacia branca/protestante 2) a xenofobia, 3) os orientalismos europeu e americano, 4) e o imperialismo americano em países de população majoritariamente islâmica, e completo 5) falta de conhecimento da religião no Brasil afeta a forma de transmissão pela mídia, escolas, etc. 6) violência online como estratégia de poder como vem explorando em estudo de doutorado Felipe Freitas de Souza (UNESP).

Por se tratar de um tema sensível, o GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes, sob minha coordenação, considerou importante constituir um grupo de trabalho em 2019. A partir da formação desse grupo conseguimos produzir I Relatório de Islamofobia no Brasil disponível gratuitamente na Editora Ambigrama e realizamos um evento importante em 2022 para lançamento do mesmo com a participação de pesquisadores internacionais.

Em breve o relatório terá uma publicação em língua inglesa com apoio da Capes e do Programa de Pós em Psicologia da USP Ribeirão Preto, importante destacar que se trata do primeiro relatório na América Latina. 

Brasil

No Brasil o relatório evidencia que são as mulheres que usam lenço (hijab) as mais agredidas principalmente em espaço público, seguido pelo espaço de trabalho, escola e casa (família), no entanto, a grande maioria não realiza boletim de ocorrência, subnotificando essas violências.

Uma violência muito comum acontece dentro das casas de mulheres que se reverteram ao Islam, a não compreensão das famílias geram violências psicológicas e físicas nas mulheres que muitas vezes são expulsas de casa, abandonam o uso do lenço, e/ou apresentam depressão, etc. As situações como perda de emprego, puxões dos lenços em metrô, trem e outras violências físicas foram relatadas por elas na pesquisa.

Os homens, por sua vez, também estão submetidos a outras violências como o constrangimento moral pelo pertencimento religioso, ou com o que chamamos de arabofobia, a associação de árabes muçulmanos à terroristas é muito comum na nossa sociedade e isso reverbera em vários contextos.

Destaco ainda, a discriminação em concursos públicos ou vestibulares quando as mulheres muçulmanas usam lenço (hijab) essas passam por uma série de constrangimentos, a fim de realizarem suas provas. A hijabfobia é dos temas que venho me dedicando, pois mulheres muçulmanas provocam imagem negativa em que olha, estar coberta é sinônimo na nossa sociedade de opressão e não de escolha. 

Em 2013 escrevi o texto: Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade para destacar que o uso da vestimenta islâmica deve ser analisado na perspectiva do empoderamento, da identidade e da religiosidade de mulheres muçulmanas.

Isto não implica na separação desses conceitos, mas sim de um adensamento de perspectivas que ora misturam-se ou se separam dependendo dos sujeitos e interlocutores em questão. Há necessidade sempre de contextualizar de que mulheres estamos falando. Nem mesmo as mulheres muçulmanas desejam as mesmas coisas e têm as mesmas agendas. Mas é comum que a islamofobia ocorra sempre em relação ao uso do véu.

No nosso relatório apontamos que o enfrentamento à islamofobia no Brasil perpassa vários pontos, não sendo suficiente apenas a realização de uma pesquisa que contextualize essas violências sofridas, por sua vez, a judicialização da islamofobia pouco resulta em algo positivo se não houver um trabalho de base em educação e divulgação da religião.

É necessário parcerias entre pesquisadores, juristas, poder público, etc. Não negar a existência da Islamofobia no nosso país é um passo importante para construirmos um caminho para informar e formar melhor as pessoas sobre a religião e os muçulmanos. Se temos um dia de combate à islamofobia é porque chegamos em um momento muito delicado da comunidade muçulmana mundial.

A islamofobia embasa crimes

O Relatório destaca a necessidade de termos mais pessoas preparadas e conscientes de que a islamofobia embasa crimes, como o discurso de ódio e a violência física, e que é necessário dar apoio às comunidades vulneráveis, principalmente às pessoas de classes sociais desfavorecidas (materialmente).

Políticas públicas ligadas aos Direitos Humanos são fundamentais para que as crianças muçulmanas possam frequentar a escola sem ouvir, como seus pais, na infância, brincadeiras de homens bombas, terroristas, etc.

Um trabalho sistemático da mídia buscando pessoas muçulmanas para falarem sobre a religião, além de buscar pesquisadores da área de Islam para contribuir na formação de jornalistas. Questões muitas vezes perpassam um orientalismo/arabismo que não dizem respeito à religião e sim aos aspectos culturais que são diferentes de uma sociedade islâmica para outra. 

Neste 15 de Março não tenho o que comemorar, mas tenho o que esperançar, uma sociedade justa e respeitosa a todos os muçulmanos que escolheram viver no Brasil, sejam africanos, asiáticos, árabes, e aos brasileiros que se tornaram muçulmanos, que possam praticar a sua fé, usar sua vestimenta religiosa sem sofrer agressões, sem que isso possa gerar a perda de emprego, ou deixar de realizar um prova de concurso, ou qualquer situação que inviabilize a sua integridade como cidadão, cidadã. 

Francirosy Campos Barbosa | Antropóloga, pesquisadora e colunista na Diálogos do Sul.

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