Influência dos EUA em academias militares e policiais brasileiras fomenta bolsonarismo, diz coronel
O bolsonarismo está incrustado nas forças de segurança do Brasil de cabo a rabo
Sputnik - EUA influenciam diretamente a formação de agentes de segurança no Brasil, fomentando ideias bolsonaristas muito antes de Bolsonaro despontar na cena política, diz coronel da Polícia Militar de São Paulo. Afinal, existe alguma força de segurança com a qual Lula pode trabalhar?
Poucas coisas acerca dos acontecimentos de domingo estão claras (8), a não ser pela ação conivente de determinadas forças de segurança brasileiras, quando manifestantes extremistas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes em Brasília.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) já sente as consequências legais de sua atuação controversa durante o incidente. Nesta sexta-feira (13), o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para apurar as condutas do então comandante da PM-DF, Fábio Augusto Vieira, de seu interino, Fernando de Souza Oliveira, do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, e do governador do distrito, Ibaneis Rocha (MDB).
Apesar do foco na PM-DF, membros das Forças Armadas também agiram de maneira pouco republicana no domingo (8). O comandante do Batalhão da Guarda Presidencial do Exército, major Paulo Jorge Fernandes da Hora, está sendo investigado pela corporação, após por ter sido flagrado em vídeo atrapalhando a retirada dos infratores dos edifícios públicos.
A flagrante conivência de militares e policiais com os atos praticados coloca em dúvida a capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de contar com as forças de segurança para garantir não só as atividades de seu governo, mas também a sua segurança pessoal.
"O bolsonarismo está incrustado nas forças de segurança do Brasil de cabo a rabo", disse o professor no Departamento de Relações Internacionais na Unifesp Acácio Augusto à Sputnik Brasil.
Segundo o coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo Mário Alves da Silva Filho, as forças de segurança brasileiras reconhecem oficialmente o governo Lula e cumprem as suas ordens, como observado durante a cerimônia de posse, em 1º de janeiro.
"Institucionalmente, as forças de segurança reconhecem o governo federal e são partícipes do governo", disse Silva Filho à "O
O coronel Silva Filho acredita que, apesar do sentimento de aversão ao presidente Lula nas Forças Armadas e nas polícias brasileiras, os agentes de segurança tendem a cumprir as ordens de seus superiores. Augusto, por sua vez, questiona o empenho com o qual praças bolsonaristas cumprirão ordens cujo teor lhes desagrade.
"Temos que considerar a simpatia pessoal dos agentes. Mesmo eles recebendo um comando superior, pode haver leniência na hora de atuar", disse Augusto. "Considerando que a infiltração ideológica do bolsonarismo é muito sedimentada, não é absurdo pensar que parte dessas forças estão cumprindo ordens a contragosto."
Bolsonarismo enraizado
De acordo com o coronel Silva Filho, as origens do pensamento que hoje chamamos de "bolsonarismo" nas forças de segurança remontam à Guerra Fria e à influência dos EUA na formação de militares e policiais no Brasil.
"Os EUA se valeram de instituições como a Escola das Américas para garantir o afinamento ideológico do Brasil com Washington durante a Guerra Fria", explicou o coronel. "O grito de guerra 'a nossa bandeira jamais será vermelha' ecoa nas academias militares brasileiras desde os anos sessenta."
Segundo Silva Filho, o combate ao comunismo é a principal herança deste período e segue como tema central na formação de militares e policiais brasileiros até os dias de hoje.
"Quando há simulações de guerra nas Forças Armadas, o exército contrário é sempre comunista. Até o uniforme nas simulações da tropa de combate tem características comunistas", revelou Silva Filho. "A formação do militar brasileiro é contra o comunismo em todas as hipóteses. O mesmo ocorre com as polícias, que são tropa de reserva do Exército brasileiro."
Augusto também nota que "as Forças Armadas não têm histórico de confrontação internacional [...] mas sim de combate contra esse inimigo interno fantasmagórico, que é o comunismo".
Não foi difícil associar ideologicamente o inimigo "comunista" da Guerra Fria ao inimigo "petista" do período democrático, ambos representados pela cor vermelha e defensores de ideias consideradas de esquerda.
"Essas ideias já estavam sedimentadas nas Forças Armadas quando Bolsonaro aparece e vocaliza isso no campo da disputa eleitoral democrática", considerou Augusto. "Bolsonaro juntou a fome com a vontade de comer."
Um segundo pensamento arraigado nas Forças Armadas e polícias brasileiras é, segundo o coronel Silva Filho, o de que a anulação do processo judicial contra Lula foi fraudulenta. Para muitos membros das instituições policiais e militares, Lula não passa de um criminoso, presidiário, condenado em duas instâncias do Judiciário.
"A prisão de Lula marcou demais as polícias", revelou o coronel Silva Filho. "Como a ideia da polícia é combater o crime, é lógico que os policiais terão uma aversão extrema a quem consideram criminoso. E grande parte dos policiais militares acham que Lula é criminoso e ponto final."
De acordo com essa avaliação, amplamente difundida entre militares e policiais, o Supremo Tribunal Federal (STF) só teria inocentado Lula por estar empenhado em um complô para que o petista voltasse à presidência da República.
Segundo ele, ainda que muitos aceitem que o processo legal que levou Lula ao encarceramento teve problemas, poucos excluem do petista a responsabilidade por escândalos de corrupção ocorridos durante os seus governos.
Aposta na Polícia Federal
Para Lula dormir em paz e governar tranquilamente nos próximos quatro anos, os especialistas sugerem que ele busque membros moderados dentro das forças de segurança em quem possa confiar.
"O presidente da República precisa encontrar oficiais generais que são moderados, para que eles transmitam às suas tropas calma e controle, o que não será fácil nem rápido. Com as polícias, a mesma coisa", acredita o coronel Silva Filho.
Augusto concorda, e lembra que essa é uma prática comum da política, uma vez que os governantes estão cientes de que "na prática, todas as Forças Armadas são politizadas".
"Lula terá que encontrar dentro das forças os elementos mais simpáticos ao seu programa político [...] e neutralizar politicamente as oposições que existem nas forças de segurança", sugere Augusto.
Essa tarefa parece ser árdua, uma vez que o novo presidente já abriu um precedente inédito ao nomear civis para o posto de ajudantes de ordem, "o que é um desprestígio enorme para as Forças Armadas", segundo Silva Filho.
"Pode haver dificuldade para trocar a equipe de segurança pessoal do presidente, e Lula parece preferir membros da Polícia Federal aos militares", opinou Silva Filho. "E isso inevitavelmente causará um mal-estar muito grande nas Forças Armadas."
Lula já deu alguns sinais de que vai preferir a Polícia Federal às demais forças de segurança nacionais. Ao invocar a intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do DF, Lula optou por mobilizar a Polícia Federal para garantir a execução do mandato.
"A Constituição não especifica qual é a força que deve garantir a intervenção federal. Cabe ao governo escolher qual força aplicar", notou Augusto. "Lula preferiu mobilizar a Polícia Federal, e não as Forças Armadas, o que diz muito sobre em quem ele confia."
O coronel Silva Filho ainda nota que a Polícia Federal recebeu investimentos vultuosos durante os primeiros governos do presidente Lula, o que pode explicar a afinidade com essa corporação.
"A Polícia Federal era muito enfraquecida e tinha poucos recursos. Ela saiu fortalecida do governo Lula e os salários dos policiais federais aumentou bastante", lembrou Silva Filho. "Mas as pessoas se esquecem que com as Forças Armadas foi igual e, paradoxalmente, Lula é muito mal visto entre os militares."
Enfraquecimento de curto prazo
A ampla condenação política e social dos acontecimentos de domingo em Brasília pode enfraquecer o bolsonarismo dentro das forças de segurança no curto prazo, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"Num primeiro momento, o bolsonarismo se enfraquece", acredita Augusto. "Do ponto de vista político, o governo Lula ganhou legitimidade para combater essas forças, podendo inclusive acionar medidas de exceção."
Augusto acredita que o apoio da grande mídia às medidas adotadas por Lula está “desanuviando eventuais críticas ao governo federal por abuso de poder, perseguição política, vingança ou coisa do tipo”.
"Ficou evidente que é necessário do ponto de vista do governo uma ação enérgica", acredita Augusto.
Nessa onda de condenações, membros das bancadas bolsonaristas e aliados de primeira hora do ex-presidente tentam se distanciar dos extremistas e aderir ao coro democrata.
"Abandonar o Bolsonaro é fácil. Precisamos ver se essas pessoas vão abandonar o conjunto de interesses políticos que eles representam, oriundos das forças de segurança", questiona Augusto.
No médio e longo prazo, no entanto, o bolsonarismo nas forças de segurança pode sair fortalecido, fazendo uso de uma narrativa de perseguição e ressentimento em relação ao governo Lula.
A esfera digital bolsonarista já alega supostos abusos aos direitos humanos cometidos contra os manifestantes antidemocráticos, chamando as prisões em Brasília de "Lulag", em referência às prisões soviéticas do período estalinista.
Para os analistas, o Brasil não vai poder se despedir do bolsonarismo tão cedo. Segundo Augusto, "quem é bolsonarista vai esperar o momento oportuno para dar a sua resposta".
"O movimento continua, mesmo que Bolsonaro se retire, vá pra casa e se tranque no quarto. A verdade é que o movimento ganhou autonomia", concluiu o coronel.
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