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Um bilhão de pessoas poderiam se alimentar com o que é descartado hoje

A outra cara da fome é o desperdício de alimentos; alternativas ao desperdício de alimentos

(Foto: Reprodução )

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247, Por Sergio Ferrari, de Berna, Suíça - Na cidade suíça de Genebra, uma associação solidária instalou quatro frigoríficos/geladeiras com alimentos que são renovados diariamente, disponíveis para consumo público e gratuito.

É uma iniciativa de Ecocidadão (Eco-citoyen, em francês), uma organização que visa limitar o desperdício de alimentos, incluindo frutas, legumes, laticínios, carnes, massas ou conservas (https://eco-citoyen.ch/).

É o resultado do entusiasmo excessivo ante certas ofertas ou compras domésticas não bem planejadas, como também de produtos próximos ao prazo de validade ou sobra de produtos, mas em bom estado, à venda em empresas atacadistas e varejistas e que estão condenados a acabar no lixo. Essas situações se repetem tanto em Genebra como em tantos outros lugares do mundo onde quase 20% do desperdício alimentar provém das famílias.

Evitar os lixões

Os frigoríficos/geladeiras, chamados Free-go (grátis), costumam ter um armário externo para itens que não precisam de refrigeração. Em Genebra foram instalados no bairro de Les Charmilles e na Casa das Associações, no popular Plainpalais, bem como, a partir deste ano, no Centro Roseraie de Carouge e no Pâquis. Cada um deles oferece alimentos que não puderam ser vendidos e que são recolhidos diariamente por voluntários da Associação em muitas lojas ou casas particulares que desejam doar. Essa experiência tem precedentes no Cantão de Neuchâtel a partir de 2019 com resultados muito positivos (https://lecourrier.ch/2019/12/05/943487/).

O objetivo principal é "reduzir o desperdício de produtos através da sensibilização das famílias", explicou Marine Delévaux, diretora do projeto em Genebra, numa reportagem recente publicado pelo diário suíço Le Courrier.

Para a diretora, dar uma segunda chance à comida condenada ao lixo é, acima de tudo, "um ato cívico". E reconhece que, embora os free-go desempenhem um papel social importante ao disponibilizar produtos gratuitamente, a proposta não se destina apenas a famílias com renda precária. Qualquer pessoa pode se servir, por exemplo, de uma maçã ou de uma pera, explica a responsável.

Frutas, bem como verduras, compõem a maior parte dos comestíveis; ocasionalmente, há queijos ou iogurtes. Algumas/ns voluntárias/os, incluindo beneficiários do Hospício Geral (instituição de Assistência Social da cidade), são responsáveis por percorrer em bicicletas as lojas parceiras para buscar os produtos.

A proposta também busca envolver no abastecimento os moradores dos bairros onde estão localizadas as geladeiras populares. Todos podem abastecê-las com produtos de hortas, mas também com itens não perecíveis, como arroz ou macarrão cujo prazo de validade não haja expirado. Não são permitidas bebidas alcoólicas, produtos já abertos ou refeições prontas.

A primeira dessas geladeiras populares completou um ano e o resultado é excelente, explica Marine Delévaux. A maioria dos free-go, que já têm clientes regulares, esvazia-se rapidamente uma hora depois de ser abastecida. Ecocidadão estima que em um ano já foram recuperadas três toneladas de alimentos. A Associação organiza também coletas nos edifícios, para divulgar a sua prática de recuperação junto aos vizinhos. Outras novidades - Em âmbito nacional, em 2022, a Fundação Table Suisse (Mesa Suíça) evitou que 17,5 milhões de porções de alimentos fossem parar no lixo. Essa organização, com sede no Cantão de Friburgo e seis antenas regionais, se mobiliza contra o desperdício e a pobreza, recuperando alimentos e produtos de boa qualidade que não podem mais ser vendidos. Eles vêm de grandes distribuidores, produtores e varejistas e são redistribuídos gratuitamente para instituições sociais que atendem pessoas com recursos muito limitados (https://tablesuisse.ch/a-propos-de-table-suisse/).

Em 2022, recuperou 6.100 toneladas de produtos alimentícios e não alimentícios de boa qualidade que, de outra forma, teriam ido parar em aterros sanitários. Isso representa quase um quarto a mais do que no ano anterior.

Segundo a Fundação, anualmente, todos os atores da cadeia alimentar geram 2,8 milhões de toneladas de resíduos em todo o país. Destes, dois terços estão em boas condições para consumo humano na data da validade. Na Suíça, essa cifra representa um desperdício anual de 330 quilos por pessoa.

Outra alternativa interessante contra o desperdício é o Fruits en Cavale (Frutas em domicílio), que, desde 2016, promove no Cantão de Neuchâtel o aproveitamento de frutas que, por não serem colhidas, acabam sendo descartadas (https://fruits-en-cavale.ch/). Composta inteiramente por voluntários, a Associação organiza a colheita urbana de frutas na região de Neuchâtel (costeira ao lago, Val-de-Ruz e Val-de-Travers). Os proprietários de árvores recorrem à Associação quando não conseguem garantir a recolha ou nos casos em que se deparam com uma produção demasiado abundante. Essa atividade não autoriza qualquer tipo de troca ou venda monetária. O produto é distribuído equitativamente entre os proprietários, os coletores voluntários e diversas organizações de assistência social (como o Centro Social Protestante ou Emaús) que o destinam para o consumo de seus beneficiários.

Uma dessas organizações, a SOS Fruits, nasceu em 2020 no Cantão de Vaud, com Lausanne como capital. Esse modelo é inspirado em uma experiência semelhante chamada Les fruits défendus (Frutas Proibidas), que existe em Quebec, Canadá, já há duas décadas.

Em âmbiito macro europeu – e também presente em outros continentes – a iniciativa Too Good To Go (Muito boa para ser desperdiçada) é um aplicativo que permite aos usuários comprar comida de qualidade que não foi consumida em diversos restaurantes por um preço muito baixo, que pode chegar a um terço do valor real.

O aplicativo facilita o acesso, por exemplo, a refeições elaboradas não vendidas no final do dia, além de pacotes "surpresa", com cardápios variados e de baixo custo. Ele facilita a navegação nos sites das instalações próximas à casa do usuário para encontrar o local mais apropriado para atender ao gosto do mesmo. O aplicativo também informará sobre o horário em que a sacola de alimentos pode ser coletada, para a qual exige extrema pontualidade.

Como aponta o site suíço Too Good To Go, essa iniciativa "dá uma segunda chance à comida" (https://www.toogoodtogo.com/de-ch). O fato de que grandes redes de supermercados com lucros milionários (e nem sempre as principais defensoras do meio ambiente), bem como a Nestlé, a questionada empresa transnacional de alimentos, participem entre os associados não retira a utilidade do aplicativo, mas diminui a credibilidade sobre o seu sentido político. Pão de ontem - Tudo começou há uma década com uma ideia muito simples. Todos os dias, milhares de pães, croissants, sanduíches, bolos e biscoitos de diversos tipos acabam no lixo, mesmo que estejam em perfeitas condições para o consumo humano.Então foi lançado o projeto Äss-Bar (que no dialeto alemão suíço significa "Você pode comer"), que reintroduz o pão e os doces do dia anterior no circuito de consumo. Os produtos são recolhidos pela manhã nas diferentes padarias parceiras localizadas nas proximidades dos sete pontos de venda de Äss-Bar nas principais cidades, todos no estilo boutique (https://www.aess-bar.ch/shop/stores.php).

Nessas elegantes lojas especiais, localizadas em Lausanne, Bienne, Berna, Lucerna, Zurique, Basileia e Winterthur, os produtos do dia anterior, cujo manuseio deve respeitar rigorosamente a cadeia de frio, são compradas pela metade do preço ou até mais baratos. Segundo o site dessa iniciativa "já foram aproveitadas várias centenas de toneladas de produtos", com um impacto positivo não só para o ambiente, mas também para o bolso dos consumidores. Hoje, o Äss-Bar tem cerca de 90 funcionários em toda a Suíça e o fato de consumir alimentos do setor de panificação do dia anterior já é algo normal na concepção do suíço médio. Se há alguns anos nos pontos de venda se viam particularmente jovens, estudantes e pessoas com menos recursos, hoje, os compradores, são indiferenciados e pertencem a todo o espectro social.

Desperdícios por atacado

De acordo com dados oficiais da Confederação Suíça, todos os anos, o consumo de alimentos no país gera cerca de 2,8 milhões de toneladas de desperdício alimentar, o que corresponde a quase 330 kg de resíduos por habitante por ano (https://www.bafu.admin.ch/bafu/fr/home/themes/dechets/guide-des-dechets-a-z/biodechets/types-de-dechets/dechets-alimentaires.html). De acordo com um estudo de Foodwaste.ch feito em 2021, 28% do desperdício alimentar nesse país europeu é gerado nas casas; 7% vêm de restaurantes; 10% do comércio atacadista e varejista; 35% do processamento e 20% da agricultura.

Em termos de impacto ambiental, o sistema alimentar é responsável por cerca de 28% da pegada ecológica total da Suíça (impacto no efeito estufa), um quarto dos quais provém do desperdício alimentar evitável.

Desperdícios planetários - Em setembro de 2022, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) informou que o número de pessoas afetadas pela fome havia aumentado em 2021 para 828 milhões, um aumento de cerca de 46 milhões em relação a 2020 e 150 milhões desde 2019 (https://www.fao.org/newsroom/detail/FAO-UNEP-agriculture-environment-food-loss-waste-day-2022/es). No total, em 2022, estimou-se que 3,1 bilhões de pessoas não tinham uma alimentação saudável.A mesma organização da ONU, no seu relatório "O estado mundial da agricultura e da alimentação", de 2019, estimou que 14% da produção global de alimentos é perdida depois de recolhida e antes de chegar aos pontos de venda. As Nações Unidas estimam que 17% dos alimentos são desperdiçados tanto no varejo quanto pelos consumidores diretos, especialmente em casa. De acordo com a FAO, os alimentos que se perdem e são desperdiçados poderiam alimentar, anualmente, 1,26 bilhão de pessoas vítimas do flagelo da fome e da desnutrição crônica (https://www.unep.org/es/resources/informe/indice-de-desperdicio-de-alimentos-2021).

Do ponto de vista ambiental, a perda e o desperdício de alimentos são responsáveis por 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, contribuindo para um clima instável e eventos climáticos extremos, como secas e inundações. Essas mudanças, por sua vez, impactam negativamente na produtividade das culturas, reduzem potencialmente a qualidade nutricional das lavouras e causam interrupções na cadeia de suprimentos.

Por isso, segundo a agência da ONU, é fundamental priorizar a redução de alimentos que vão parar no lixo para garantir a transição para sistemas agroalimentares sustentáveis. Sistemas que tornem o uso dos recursos naturais mais eficiente, reduzam seu impacto negativo no planeta e garantam segurança alimentar e nutrição adequada para todos os seres humanos.

Barrigas cheias em vez de latas de lixo repletas e alimentos desperdiçados. Um desafio tão essencial, simples e humano, que parece impossível que ainda hoje não se possa realizar.

Tradução: Rose Lima

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