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As transnacionais aumentam sua ofensiva na América Latina

18 novos processos contra Estados latino-americanos em 2023

(Foto: Ilustração Prensa Latina)

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Por Sergio Ferrari, 247 - Em ritmo redobrado, grandes grupos empresariais internacionais continuam sua ofensiva contra Estados latino-americanos e caribenhos exigindo pagamentos multimilionários em compensação.

Entre o início deste ano e o dia 24 de julho, o Instituto Transnacional (TNI, sigla em inglês), com sede em Amsterdã, na Holanda, identificou 18 novas ações movidas por grandes empresas norte-americanas e europeias contra países latino-americanos e caribenhos. Essa região contabiliza contra si um total de 364 processos desse tipo; mais da metade deles promovidos nos últimos 12 anos. Como explica o TNI, a América Latina e o Caribe constituem as regiões do mundo que mais sentem o impacto do regime de arbitragem internacional incorporado nos tratados internacionais de comércio.

Esse mecanismo (conhecido como ISDS, sigla em inglês) é o preferido das transnacionais para resolver disputas entre investidores e Estados quando percebem que seus interesses podem ser afetados. Trata-se de um instrumento que permite que investidores estrangeiros processem Estados perante tribunais internacionais caso considerem que as políticas públicas desses Estados –mesmo aquelas destinadas a proteger o meio ambiente ou a saúde– afetam seus interesses e benefícios. (https://isds-americalatina.org/).

Tais processos, que não reconhecem a jurisdição dos tribunais nacionais dos países onde essas empresas internacionais operam, desembocam em um pequeno grupo de advogados privados. Em seu papel de árbitros, eles têm o poder de decidir cada caso. Em geral, para esses juristas, os lucros/benefícios das empresas demandantes são mais importantes do que o interesse público das nações demandadas. A história mostra que essas arbitragens, comuns em todo o mundo, tendem a beneficiar as grandes empresas. Como resultado, as decisões contra os Estados garantem a esses grupos privados lucros multimilionários em detrimento dos cofres nacionais.

Todos contra o México

No primeiro semestre de 2023, o México foi o país latino-americano que mais sofreu processos: 8 no total. Seguido por Honduras, com 3 demandas; a Venezuela, com 2, e a Colômbia, o Equador, a Costa Rica, Belize e Trinidad Tobago, com 1 cada.

O caso mexicano neste primeiro semestre é, talvez, o mais emblemático devido ao número e à diversidade dos grupos econômicos que o atacaram com esse tipo de arbitragem.

Um desses processos foi movido pela mineradora canadense First Majestic Silver Corp. É o segundo processo promovido pela mesma empresa, que contesta decisões impositivas contra a sua subsidiária local Primero Empresa Minera. O valor reivindicado é desconhecido, mas no primeiro processo a First Majestic reivindicou 500 milhões de dólares. A empresa canadense invoca como referência legal o Tratado de Livre Comércio da América do Norte/México-Canadá-Estados Unidos (TLCAN, ou NAFTA, sigla em inglês) e o USMCA (T-MEC), o novo tratado entre esses três países, em vigor desde julho de 2020.

Outro processo contra o país asteca foi promovido por investidores estadunidenses do grupo Arbor Confections, Inc., Mark Alan Ducorsky e Brad Dukosrsky por um valor de 80 milhões de dólares, valor que reivindicam por um aluguel não pago de uma fábrica de doces em Ciudad Juárez.

A mineradora canadense Silver Bull Resources, Inc., por meio de sua filial nos Estados Unidos, também atacou o México. Explora a Mina Sierra Mojada, no Estado de Coahuila, com ricas jazidas de prata, chumbo e zinco. A empresa argumenta que não pode acessar a mina porque ela está bloqueada pelas comunidades locais. Nesse caso, a ação de 178 milhões de dólares, foi protocolada no CIADI, (Centro Internacional de Solução de Controvérsias sobre Investimentos; ou ICSID, sigla em inglês), do Banco Mundial. (https://icsid.worldbank.org/es/acerca).

A Enerflex US Holdings Inc e a Exterran Energy Solutions LP acabam de iniciar um novo processo este ano. Tanto as empresas de produção de petróleo e gás dos EUA quanto do Canadá acusam o Estado mexicano de forçá-las a pagar a indenização de um de seus funcionários demitidos. Segundo elas, a Justiça mexicana concedeu a esse empregado um valor exorbitante. A indenização é de nada menos que 120 milhões de dólares.

Por sua vez, a empresa estadunidense Access Business Group LLC, cuja subsidiária é a manufatureira de alimentos Nutrilite, processa o México pela expropriação de 280 hectares de terras cultiváveis. O México alega que essa desapropriação é legal porque se baseia em uma resolução presidencial de 1939, de Lázaro Cárdenas, que determinou a devolução de terras em duas cidades de Jalisco a comunidades camponesas locais. A Access Business está reclamando mais de 3 bilhões de dólares como compensação.

A empresa Amerra Capital Management LLC, afiliada ao fundo financeiro AMERRA e ao banco JPMorgan Chase, por sua vez, promoveu um novo processo contra o Estado mexicano em relação a empréstimos e hipotecas não pagos vinculados a duas empresas de açúcar. O valor reclamado não é conhecido.

O que é comum em todos esses processos é que os diferentes investidores invocam violações dos tratados TLCAN e T-MEC (NAFTA e USMCA, siglas em inglês), nos quais encontram proteção jurídica, amparo legal.

A ofensiva continental não se detém

O restante das demandas apresentadas em tribunais arbitrais por empresas estrangeiras que operam na América Latina e no Caribe não diferem conceitualmente daquelas experimentadas pelo México. É o caso do processo –o terceiro do tipo– das mineradoras holandesas e panamenhas de ouro e diamantes Highbury International AVV, Compañía Minera de Bajo Caroní AVV e Ramstein Trading Inc., contra a Venezuela invocando o Tratado Bilateral de Investimentos (BIT, ou TBI, em inglês) entre o país sul-americano e a Holanda.

A Banreal Holding SL (investidores espanhóis) também lançou seu ataque contra Caracas, alegando a expropriação de uma seguradora (La Previsora) e de um banco (Banco Real). Para iniciar a denúncia, a demandante invocou o BIT assinado entre a Espanha e a Venezuela.

Através de mecanismos semelhantes, a Lynton Trading LDT atacou o Equador. Embora haja poucas informações sobre esse processo, o TNI sustenta que essa empresa seria uma das seis empresas off-shore de Luis Fuentealba Meier, um investidor com sede no Chile e com negócios em cassinos em várias partes da América Latina. A empresa foi cliente da Mossack-Fonseca, escritório de advocacia que em 2016 esteve no centro do escândalo Panamá Papers.

Lista incompleta, mas exemplar, dos 18 novos processos enfrentados pelos países latino-americanos. Ações judiciais que uma vez mais demonstram a extrema vulnerabilidade jurídica dos Estados frente ao poder transnacional, fortalecido por tratados de livre comércio que lhes conferem o garrote legal para atacar.

O poder do dólar e do euro

O Centro para o Avanço do Estado de Direito nas Américas (CAROLA), da Universidade de Georgetown, na cidade de Washington, estima em 1190 o número de ações judiciais dessa natureza no mundo, sendo 31,18% delas localizadas na América Latina e no Caribe. Seis em cada dez Estados dessa região foram indiciados, em uma ou outra oportunidade, perante tribunais arbitrais.

De acordo com o Centro, uma organização de alto nível para o estudo do direito e da política latino-americana, até dezembro do ano passado a região da América Latina e Caribe esteve envolvida em 371 disputas dessa natureza, ou seja, entre investidores e Estados. (https://isdslac.georgetown.edu/). A Argentina, com 62 processos; a Venezuela, com 61; o Peru, com 45; e o México, com 40, são as nações do continente mais atacadas pelas transnacionais.A TNI de Amsterdam estima que mais de 20% dos casos latino-americanos dizem respeito ao setor de mineração, gás e petróleo, áreas de importância estratégica significativa. E sustenta que, até agora, a resolução de 6 em cada 10 processos favoreceu os investidores. Como resultado, os Estados foram condenados a pagar, ou concordaram em pagar, 33.638 milhões de dólares (ou seja, mais de 33,6 bilhões de dólares). Segundo dados das Nações Unidas, apenas um terço desse montante poderia resolver a pobreza extrema em 16 dos países da região. (https://isds-americalatina.org/).O relatório do TNI de junho de 2021, com dados atualizados até essa data, indica que os processos contra os Estados se intensificaram a partir de 2011, como parte da nova investida neoliberal nas últimas décadas. E aponta que os promotores de 86% dos processos (sempre até junho de 2021), são empresas ou investidores estadunidenses, canadenses e europeus. Entre os europeus mais vorazes envolvidos nesse tipo de processos contra Estados latino-americanos e caribenhos estão empresas francesas, espanholas, inglesas e holandesas. (https://isds-americalatina.org/wp-content/uploads/2021/08/Informe-ISDS-en-AL-Junio-2021-final.pdf).

Nada disso é novidade. A história parece repetir-se mil vezes. As multinacionais impõem suas leis e as aplicam, mesmo que enfraqueçam as políticas públicas dos países do Sul global. "Arbitragens arbitrárias"; a dívida crescente dos países do Sul; a evasão fiscal por parte das grandes transnacionais; os paraísos fiscais para abrigá-las; o sigilo bancário; os fundos abutres etc., fazem parte desses múltiplos instrumentos financeiros internacionais que não dão trégua aos setores majoritários da população mundial, cada vez mais empobrecidos.

Tradução: Rose Lima

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