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EUA dizem que 'jornalismo não é crime', enquanto trabalham para criminalizar o jornalismo, diz Caitlin Johnstone

Não existe ameaça maior confrontando as liberdades de imprensa do mundo do que aquela apresentada pelos EUA com a sua perseguição de Julian Assange

Julian Assange (Foto: Reuters/Henry Nicholls)

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Artigo de Caitlin Johnstone originalmente publicado no site da autora. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Depois de um certo ponto, fica fácil demais criticar a hipocrisia e as contradições do império centralizado nos EUA, é como matar peixes num barril a tiros. Mas, que diabos, vamos fazê-lo de qualquer maneira; o barril está ali e eu realmente odeio este tipo particular de peixe.

Os serviços de segurança russos formalizaram as acusações de espionagem contra o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich, que ficou detido na Rússia desde a sua prisão no mês passado. Reporta-se que Gershkovich nega as alegações de espionagem e diz que estava engajado em atividades jornalísticas na Rússia. Esta notícia foi divulgada ao mesmo tempo em que foi publicado um comunicado conjunto do Líder da Maioria (Democrata) no Senado dos EUA Chuck Schumer e o Líder da Minoria (Republicano) no Senado dos EUA Mitch McConnell, condenando a detenção de Gershkovich como uma violação da liberdade de imprensa.

“Que não haja erro: jornalismo não é um crime”, escrevem os senadores. “Nós exigimos que as acusações sem base e fabricadas contra o Sr. Gershkovich sejam canceladas e que ele seja libertado imediatamente; nós reiteramos a nossa condenação das tentativas continuadas do governo russo de intimidar, reprimir e punir jornalistas independentes e as vozes da sociedade civil”.

O uso da frase “jornalismo não é crime” é uma escolha interessante, já que o caso mais comum ao qual esta faz referência certamente é o caso de Julian Assange, que foi aprisionado numa prisão de segurança máxima por quatro anos, enquanto o governo dos EUA trabalha para extraditá-lo pelo crime de praticar bom jornalismo. Em todas as manifestações pró-Assange das quais eu participei, viam-se cartazes com algumas variações da frase “jornalismo não é crime” e todos os apoiadores de Assange estão intimamente familiarizados com aquele refrão.

Então, enquanto uma apoiadora de Assange, soa um pouco estranho ouvir aquele slogan sendo lançado por dois monstros do pântano de Washington que apoiaram entusiasticamente a perseguição do jornalista mais famoso do mundo.

“Ele causou um dano enorme ao nosso país e eu penso que ele precisa ser processado segundo a mais completa amplitude da lei. Caso isso se torne um problema, nós precisamos mudar a lei”, McConnell disse sobre Assange depois que o WikiLeaks publicou milhares de telegramas diplomáticos em 2010. “Nem o WikiLeaks, nem a sua fonte original para estes materiais, devem ser poupados de qualquer maneira da prossecução mais completa possível segundo a lei”, disse Schumer em 2010.

“Agora que Julian Assange foi preso, eu espero que logo ele prestará contas pela sua intromissão nas nossas eleições para benefício de Putin e do governo russo”, Schumer tuitou quando Assange foi arrastado da embaixada equatoriana em Londres há quase exatamente quatro anos. (Assange não foi acusado com coisa alguma relativa à Rússia, nem às eleições estadunidenses de 2016; as alegações de conluio com a Rússia permanecem completamente infundadas até hoje.)

Estas são duas das mais poderosas autoridades eleitas do mundo, bufando e posando como bravos defensores das liberdades de imprensa, após haverem facilitado ativamente as tentativas do seu governo para destruir estas mesmas liberdades de imprensa. O governo deles está trabalhando para extraditar e emprisionar Assange sob a Lei de Espionagem por engajar-se naquilo que os especialistas dizem ser o padrão da atividade jornalística, o que permitirá que eles estabeleçam um precedente sob o qual qualquer jornalista de qualquer parte do mundo poderá ser extraditado e processado por expôr os crimes de guerra dos EUA, como Assange fez.

Não existe ameaça maior confrontando as liberdades de imprensa do mundo do que aquela apresentada pelos EUA com a sua perseguição de Julian Assange — uma perseguição que foi fervorosamente endossada por Schumer e McConnell e todas as outras criaturas do pântano de Washington que estão rasgando melodramaticamente as suas roupas sobre Evan Gershkovich hoje.

Obviamente, isto é ridículo. Você não pode dizer que o “jornalismo não é crime” enquanto está literalmente trabalhando para criminalizar o jornalismo. Estas posições são mutuamente exclusivas. Escolha uma.

Vale a pena assinalar a hipocrisia dos gerentes do império estadunidense, não porque a hipocrisia, por si mesma, é singularmente algum mal grave, mas porque ela mostra que estas pessoas não apoiam aquilo que elas fazem de conta que apoiam. O império dos EUA não se importa com as liberdades de imprensa; ele se importa com o poder e a dominação, e os ruídos que ele faz em apoio ao jornalismo só são feitos como um estratagema cínico com o qual ele ameaça governos estrangeiros desobedientes no palco mundial.

Assange expôs muitos fatos inconvenientes sobre o império dos EUA no seu trabalho com o WikiLeaks, porém nada foi tão inconveniente quanto o que ele expôs ao forçá-los a persegui-lo e a revelar a sua face verdadeira na descarada perseguição do maior jornalista do mundo.

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