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Santiago de Cuba, Fidel, Moncada e o 26 de julho 70 anos depois

(Foto: Prensa Latina)

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Por Wilkie Delgado Correa (*), 247 - Santiagueros, compatriotas de toda Cuba: Finalmente chegamos a Santiago. O caminho foi árduo e longo; mas, chegamos.

(Fidel Castro, 1 de janeiro de 1959).

E se for preciso vir para morrer, nesta província morrerei!

(Fidel Castro, 11 de março de 1959).

Os dias e os anos sucedem-se e as gerações que viveram e foram protagonistas dos gloriosos acontecimentos históricos morreram em tais acontecimentos ou pelas próprias e inevitáveis circunstâncias deixaram de existir em tempos posteriores. Os que sobreviveram e as novas gerações têm um legado que devem ser preservados e cultivados na memória para que a seiva nutritiva dos povos, que é a continuidade de um destino que os salvará e engrandecerá no futuro, nunca se apague.

Essa é uma verdade e realidade que neste 26 de julho de 2023 Cuba viveu em todo o país para comemorar 70 anos do assalto à segunda fortaleza militar do país, o quartel de Moncada, em Santiago de Cuba e outro importante quartel, o Carlos Manuel de Céspedes, localizado a muitos quilômetros, na cidade de Bayamo. Naquela época, ambos eram alvos da mesma ação revolucionária estratégica.

Os assaltos armados foram liderados pelo mesmo líder, Fidel Castro, com a participação de menos de 200 jovens combatentes inexperientes, da chamada geração do Centenário de José Martí, com o objetivo de derrubar a ditadura vigente e lavar com sangue generoso tanto crime, abuso e privações de um povo heroico e generoso.

Setenta anos depois, os eventos são comemorados e as centenas ou milhares de memórias tentam perdurar na mente de cubanos e de cidadãos de outros países. E depois de dias cheios de fervor revolucionário, de fidelidades juradas e mantidas e de solidariedades internas e externas rememorando a história, há espaço para algumas reflexões nossas e de Fidel que enriquecem as repercussões dos cenários e acontecimentos vigentes hoje como ontem.

O assalto ao quartel Moncada ocorreu na madrugada de 26 de julho de 1953, dia de Santa Ana, e foi como se Federico García Lorca convocasse o toque e a folia desde aquele memorável 4 de junho de 1930 com seu famoso poema “Irei a Santiago”, e cujos versos ressoam com o mesmo ritmo ancestral do carnaval de Santiago que se celebrava naquele dia. Como escreveu Lorca "/ Irei a Santiago. / E com a rosa de Romeu e Julieta / Irei a Santiago.../ Oh, Cuba! Oh, ritmo de sementes secas! / Irei a Santiago. / /...Oh, bovino frescor dos canaviais! / Oh, Cuba! Oh, curva de suspiro e barro! / Irei a Santiago"...

E os combatentes do Moncada chegaram pessoalmente, por diferentes rotas, à cidade desconhecida na véspera do dia 25 preparados para vencer ou morrer. E o legado de espera e acolhimento dessa terra hospitaleira e rebelde permaneceu intacto porque, como afirmei anteriormente num artigo sobre o Festival do Caribe e o Festival do Fogo, Santiago vive sua vida porque, além de terra e de humanidade especiais de Cuba, é um sopro e um espírito de rebeldia indomável que irrompe quando necessário para marcar a história do país com heroísmo épico; enquanto, diariamente, há incólume com a filosofia de criar do nada, o pouco ou o muito, as razões para construir e inventar uma felicidade compartilhada com todos os compatriotas e com outros cidadãos do mundo.

Naquele longo discurso, que terminou de madrugada, feito em frente ao Parque Céspedes de uma varanda da Prefeitura de Santiago, entre muitas questões vitais para os destinos de Cuba, Fidel expôs: "A liberdade nos foi tirada através de um golpe de Estado; mas, para que os golpes de Estado acabassem de uma vez por todas, havia que conquistar a liberdade pela força do sacrifício do povo, porque não fazíamos nada com eles desferindo um golpe amanhã e no dia seguinte e outro em dois anos e outro em três anos; porque aqui, definitivamente, quem tem que decidir quem deve governar é o povo e ninguém além do povo” (Aplausos).

Voltou a falar em Santiago, num discurso esclarecedor e transcendente, em 11 de março de 1959, na Avenida Michellsen, do qual selecionaremos fragmentos que deveriam fazer parte da forja ideológica de todos os cubanos. Ele começou suas palavras assim:

“Orientais: Eu já tinha estado várias vezes em Santiago de Cuba depois do primeiro de janeiro. O povo de Santiago me perguntou como que eu passava por Santiago de Cuba e não lhes avisava; por que eu não parava em Santiago de Cuba para visitá-los, e eu sempre respondia: estou trabalhando...”

"... No entanto, por que foi necessário reunir o povo? Era preciso reuni-lo porque o povo é a força da Revolução; era preciso reuni-lo para demonstrar a força da Revolução. Os sacrifícios que fizeram vindo aqui de todos os cantos do Oriente não são inúteis. Vieram aqui para apoiar o Governo Revolucionário com sua presença (Aplausos); vieram aqui demonstrar, com o número de compatriotas que se reuniram, a força da Revolução; vieram para demonstrar que a Revolução tem apoio, que a Revolução é forte, que a Revolução está alerta, que a Revolução é invencível”.

"... Fiz a revolução, iniciei essa luta revolucionária, convoquei o povo para a luta, consegui o apoio do povo e, junto com o povo, essa Revolução foi feita, primeiro, para derrubar a tirania e, depois, para fazer justiça” (Aplausos).
“... É bom notar isso, porque esses povos –o haitiano e o dominicano– estão sofrendo agora o que o povo cubano sofreu. São povos oprimidos, são povos submetidos à fome, são povos submetidos à miséria. E porque esses ditadores têm medo do povo, porque viram o que aconteceu em Cuba, estão tentando buscar o apoio de potências estrangeiras... E para isso estão provocando Cuba. Mas Cuba está calma, Cuba é imparcial, Cuba está sorrindo, porque Cuba é firme, Cuba é segura; Cuba, em sua Revolução, é invencível”.

“Porque hoje a gente vai para um município e eles pedem uma escola. É o que eles mais querem, mas não é só disso que precisam. Precisam de tudo: de ambulatórios, se não tiverem hospitais; precisam de esgoto, precisam de pavimentação, precisam de parques, precisam de estádios. Pedem apenas uma coisa entre as muitas de que precisam. E carrego o meu caderno, e, cada vez que passo por uma cidadezinha, encho uma folha com uma quantidade de coisas que elas precisam. O abandono é extraordinário”.

“E nos chamam de cubanos. Cubanos por que, se não temos nada aqui? Dizem que esta é a nossa pátria. Nossa pátria, por que, se não temos nada nesta pátria? Será a pátria de alguns aqui! Mas, por que a nossa, se não temos nada? Ah, para poder nos chamar de cubanos e poder dizer ‘nossa pátria’, é justo que cada um tenha seu pedaço na pátria, certo?” (Exclamações de: “Sim!”)

“E, dia a dia, vocês verão como o trabalho da Revolução será sentido, apesar de todos os obstáculos, apesar dos inimigos internos e externos, apesar das preocupações”.

“A Revolução foi feita para resolver o problema para todos, para todo o povo, para toda Cuba e não para um pequeno grupo de poderosos!” (Aplausos).

“Mas, tem gente que acha que não. E dói muito lembrar de todos os que caíram; dói muito lembrar de todos os companheiros que estão enterrados nos córregos, nos rios e nas montanhas. Dói muito lembrar aquelas cruzes de homens que morreram puros como a luz do sol, de homens que morreram cheios de altruísmo e cheios de ideais, de homens que caíram no caminho e não tiveram o menor prazer de ver a vitória inicial do nosso povo, a queda da tirania!”

“Então, estamos preparando um mundo para os cubanos como, possivelmente, nunca sonhamos; estamos preparando um mundo como o que nosso povo merece. Não podemos fazê-lo num dia; se pudéssemos fazê-lo num dia não teria mérito. Temos que fazer isso dia após dia, lutando muito, trabalhando duro, superando muitos interesses, lutando incansavelmente”.

“Mas, o povo cubano terá o que espera de nós; essa fé e essa confiança terão seu prêmio. Não vou dizer que não haverá decepção, porque a palavra engano desapareceu do nosso dicionário, a palavra traição desapareceu do nosso dicionário. A palavra que está na moda é a palavra lealdade, a palavra que está na moda é a palavra honradez, a palavra que está na moda é a palavra dever, a palavra que está na moda é a palavra patriotismo, entusiasmo, moral, fé, espírito revolucionário, decisão de lutar, coragem, integridade. Esses são os chavões. Porque esse é o nosso povo hoje: o nosso povo hoje é virtude, o nosso povo hoje é fé, é um povo inteiro”.

“Faremos leis revolucionárias que tragam bem-estar e justiça para os desamparados, para aqueles que nunca tiveram nada, para aqueles que nunca tiveram amigos, para aqueles que nunca tiveram proteção”.

“Vou fazer justiça. Se por fazer justiça eu ganhar o ódio de alguns, bem-vindo o ódio! (Aplausos). Se por fazer justiça eu ganhar a crítica de alguns, críticas bem-vindas! Se por fazer justiça eu ganhar a antipatia de alguns, bem-vinda a antipatia! Se por fazer justiça eu ganhar a morte, bem-vinda a morte! (Aplausos e exclamações de: "Não!"). Se por fazer justiça me combatem, que me combatam!”

“Não estou lutando pela glória. Alguns dizem que lutam pela glória. Por glória para quê? Por vaidade? Para que me façam uma estátua? Não estou lutando por estátuas, luto porque sinto, luto porque todo homem tem um dever a cumprir nesta vida. Meu dever era servir ao povo. Me tocou como poderia tocar a outro, e o que eu faço é cumprir o meu dever, cumprir um sentimento. Eu não quero um prêmio nem nesta vida nem depois que eu morrer. Não quero nada disso”. (Aplausos).
“Não luto nem por interesse material, nem por interesse moral, nem por aplausos, nem por nada disso; eu luto porque acredito que esse é o meu dever. Meu prêmio é, toda vez que faço o bem a alguém, me sentir satisfeito; meu prêmio, toda vez que vejo uma família mais feliz, é me sentir satisfeito; toda vez que vejo uma nova escola se levantando, me sinto satisfeito; toda vez que vejo um novo hospital se levantando e centenas de doentes indo receber remédios, fico satisfeito; toda vez que eu vejo um camponês alegre, me sinto satisfeito”. (Aplausos).


“Meu prêmio não será agora, meu prêmio será mais tarde, será amanhã, se eu estiver vivo, quando eu passar pelas cooperativas de camponeses produzindo; quando passe pelas casas dos camponeses e veja casas novas e diferentes do que são hoje, e veja todo mundo com sapatos, e veja que todo mundo sabe ler e escrever, e veja que todas as crianças têm professores, e veja que todo mundo tem remédios, e veja que todo mundo tem rádio, e veja que todo mundo tem higiene, e veja que todo mundo tem saúde”. (Aplausos).
“Quando eu vir que não há mendigos, quando vir que não há fome, quando vir que não há injustiças, me sentirei feliz, e esse será o meu prémio. Meu prêmio nunca pode ser em dinheiro; meu prêmio nunca pode estar em honrarias; meu prêmio nunca pode estar em nada além da satisfação infinita que o homem saudável, que o homem limpo, que o homem nobre, que o homem honesto sente quando leva um bem para alguém”. (Aplausos).
“Falo assim aqui como nunca falei em nenhum outro lugar. Falei destes sentimentos e é justo que o faça, porque o meu coração, a minha vida, está unida a esta terra, está unida a esta província, está unida a esta cidade”. (Aplausos).
“Eu vim aqui, vim outras vezes. Muito antes de 10 de março fiz uma promessa e disse ao povo que se um dia mãos mercenárias, fuzis mercenários voltassem a oprimir nossa pátria, trocaríamos as vassouras por fuzis e iríamos lutar, iríamos fazer a Revolução”. (Nota: Fidel se refere ao símbolo da vassoura do Partido Ortodoxo de Chibás que se propunha varrer todos os males de um Estado corrupto).
“Eu vim aqui para o Oriente com Eduardo Chibás —vocês se lembram—; vim depois da morte de Chibás (Aplausos). Sempre vim ao Oriente (Santiago). Um sentimento especial me invade quando estou aqui; uma emoção especial me invade quando estou aqui no meio do povo de Santiago. E aqui tenho que dizer estas coisas que vêm da minha alma; aqui tenho que fazer essas confissões que não faço em nenhum outro lugar; aqui tenho que dizer tudo o que sinto pelo povo; aqui tenho que dizer tudo o que sou, ou seja, toda a tristeza que sinto por não poder fazer mais, toda a tristeza que sinto por não poder fazer melhor, toda a convicção que tenho de que é impossível tudo correr bem e ser perfeito”.
“Mas dizer aqui diante dos orientais –diante dos bravos orientais, diante dos orientais limpos, diante dos orientais cívicos! (Aplausos)– que este oriental que nasceu no Oriente, que lutou no Oriente, que iniciou a Revolução no Oriente e que hoje tem grandes responsabilidades nas mãos, saberá ser um homem digno aqui e ali, saberá ser um homem digno hoje e sempre. Que os camponeses da Sierra Maestra, os guajiros (NdT.:Guajiro = camponês) que fizeram a Revolução, os guajiros da Segunda Frente, os guajiros que hoje têm armas e poder na mão, saberão fazer um governo justo, saberão fazer um bom governo, saberão fazer o governo dos camponeses, o governo dos humildes, o governo dos trabalhadores, o governo do povo! Este é o governo do povo!”

Esse governo será combatido não pelos homens do povo, mas por homens que nunca podem sentir com o povo; esse governo será combatido não pelos amigos do povo, mas pelos inimigos do povo. Eles vão inventar todas as coisas possíveis, mas é bom que entendam que a Revolução é invencível, que a Revolução é indestrutível. Quando há a fé que existe hoje, quando há a honradez que existe hoje nos homens que estão liderando esta Revolução, quando há entusiasmo e fé no povo, a Revolução não pode ser derrotada por nenhuma potência no mundo, por qualquer força no mundo. Para derrotar esta Revolução será necessário destruir todo o povo, porque o entusiasmo será maior, a fé será maior, a firmeza e a decisão do nosso povo serão cada vez maiores”.

“Deixo o Oriente como sempre saí do Oriente: com mais fé, com mais entusiasmo! Saio do Oriente levando tudo o que sempre levei do Oriente: o espírito de luta, a rebeldia, a energia, a força! (Aplausos). Deixo o Oriente levando o que sempre virei buscar no Oriente, quando estou triste, quando estou desanimado –se é que algum dia eu possa estar–, quando queira buscar forças, virei ao Oriente para buscá-las”. (Aplausos).

“Nasci nesta província, nesta província lutei, nesta província fui derrotado, nesta província voltei à luta, nesta província venci, nesta província virei lutar quantas vezes forem necessárias. E se for necessário vir a morrer, nesta província morrerei!”

Em conclusão, muitas outras ideias foram expressas por Fidel neste discurso a que nos referimos, mas a contundência e a transcendência das que selecionamos são suficientes para compreender o trabalho colossal que teve de ser realizado em Cuba sob a liderança da Revolução e a realização de seu ideal. E como ser humano excepcional, o único na história da humanidade, manteve-se fiel ao que confessou no início da Revolução triunfante: 1. Seu prêmio era a felicidade de seu povo. 2: Que toda a glória do mundo cabia num grão de milho e não o alienava. 3. Que não aspirava estátuas ou outros atributos pomposos, nem em vida, nem na morte. 4. E que, se fosse necessário vir e morrer, depois de morto, os seus restos mortais permaneceriam nesta cidade.

26 de julho de 2023

)*) Wilkie Delgado Correa é Doutor em Ciências Médicas e Doutor Honoris Causa. Professor e Consultor. Professor de Mérito da Universidade de Ciências Médicas de Santiago de Cuba. Prêmio Mérito Científico pelo trabalho de toda a vida.

Tradução: Rose Lima.

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