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    Fernando Morais: em guerra contra Bolsonaro, Globo reforça sua aposta em Moro

    O jornalista Fernando Morais observa que a emissora da Família Marinho vem deixando cada vez mais clara sua simpatia pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, ao mesmo tempo em que amplia a guerra contra Jair Bolsonaro ."Ou seja, enquanto Bolsonaro chama a Rede Globo para a briga, os Marinho cevam aliados na cozinha do presidente", avalia

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    Por Fernando Morais, em seu Facebook - Na guerra contra Bolsonaro, os Marinho jogam mais luz sobre Sérgio Moro e mudam o rumo das Organizações Globo.

    Um dia depois do Natal a Folha de S.Paulo manchetou o que parece ser um recado do Planalto aos donos do sistema de radiodifusão, muito especialmente à Rede Globo, escolhida como a inimiga número 1 de Bolsonaro no setor: o governo quer endurecer as regras para as concessões de TVs e rádios. Mais uma vez o presidente da República revelou ignorância pétrea sobre o assunto, e de novo sou obrigado a adverti-lo: tire o cavalo da chuva, capitão, mas o senhor, que acha que pode tudo, não vai quebrar a Globo.

    Não é a primeira vez que Bolsonaro ameaça esticar a corda e endurecer, senão com todo o setor, certamente com a Globo. Em outubro, quando o presidente visitava a Arábia Saudita, o Jornal Nacional pôs no ar extensa matéria sobre o porteiro que liberou a entrada, no condomínio carioca onde o presidente mantém sua residência, de um dos envolvidos no assassinato de Marielle Franco. O capitão soube da notícia quando já era madrugada em Riad, a milhares de quilômetros do Brasil. Entrou em surto, montou a tralha de filmagem e fez uma "live" de 23 minutos de duração no Facebook às quatro da manhã, hora local, para desqualificar a reportagem e se defender. Estava furioso e descontrolado: “Vocês, da TV Globo, o tempo todo infernizam minha vida, porra! Agora Marielle Franco, querem empurrar em cima de mim? Seus patifes! Canalhas! Não vai colar! Não tinha motivo pra matar ninguém no Rio de Janeiro,” vociferou. Em meio a berros palavrões e socos na mesa, jurou que a Globo teria dificuldades para renovar sua concessão de televisão e garantiu que doravante o processo terá que ser "limpo": “Se o processo não estiver limpo e legal, não vai haver renovação das concessões”.

    Mais que uma bravata juvenil, afirmar que uma concessão, qualquer concessão, só será aprovada “se tudo estiver absolutamente correto” é apenas um truísmo pedestre. É como se Bolsonaro viesse a público anunciar que a partir de agora as sextas-feiras virão antes dos sábados. No jargão jornalístico, a fala saudita de Bolsonaro era “o cachorro abanando o rabo”, a não-notícia. Se algo não estiver correto, nenhum governo pode renovar concessões do que quer que seja. Um bom cristão aconselharia a perdoá-lo, já que ele não sabe do que fala.

    Um mês atrás escrevi uma nota no Nocaute/Foicebook intitulada “Por que o capitão Bolsonaro vai perder a guerra contra a TV Globo” (https://nocaute.blog.br/…/por-que-bolsonaro-vai-perder-a-…/…). Seguramente meu textinho não foi incluído no clipping de notícias que o presidente recebe de seus assessores todas as manhãs. Se tivesse perdido cinco minutos lendo o que escrevi, Bolsonaro passaria a saber que o presidente da República não concede, não renova nem cassa canais de rádio e TV. O Poder Executivo prepara o processo e o envia ao Congresso, pedindo a aprovação ou não da renovação. Ao Congresso cabe a última palavra. Ex-parlamentar com 28 anos de experiência, o presidente tinha obrigação de saber que, ao longo de sua história, não há um único, solitário exemplo de que o parlamento brasileiro tenha rejeitado uma só proposta de concessão ou de renovação. O prodígio se explica pela presença no Congresso de mais de cem senadores e deputados que são concessionários de canais de rádio e TV (diretamente ou por meio de testas-de-ferro), prática proibida pela Constituição.

    Para quem precisa de exemplos basta lembrar que, pressionado pelo Ministério Público Federal, o atual senador Aécio Neves foi obrigado a “legalizar” o controle que detinha sobre a Rádio Arco Íris, de Belo Horizonte, repetidora do sinal da paulista Jovem Pan. Para não perder, por um ato do Supremo, como pedia o MPF, a concessão que controlou por seis anos, Aécio “regularizou” a situação, “vendendo” suas ações para a irmã, Andréa Neves da Cunha, pela astronômica quantia de 88 mil reais.

    Agora Bolsonaro avisa que as renovações só serão aceitas “se tudo estiver regular”. E adverte que uma das principais exigências que seu governo planeja incluir, para renovação da concessão, será a inclusão de uma regra que prevê pagamento antecipado de dívidas e pendências tributárias. Ainda segundo a Folha, a ideia é exigir que as empresas, para a renovação das outorgas, paguem seus débitos fiscais antecipadamente, mesmo que a dívida com o Tesouro tenha sido parcelada. Isso criaria empecilhos para as emissoras, pois boa parte delas tem dívidas fiscais parceladas com a União. Trocando em miúdos, se a empresa tiver dívidas fiscais parceladas – seja pelo Refis ou por uma das inúmeras versões similares – só obterá renovação se pagar antecipadamente esses débitos. Em português fluente: para obter outorga ou renovação de uma concessão de rádio ou TV, o candidato deverá apresentar uma certidão negativa de débitos com a Receita Federal.

    Uma exigência dura, à primeira vista. Ocorre, porém, que até as corujas que piam nas madrugadas brasilienses sabem como isso funciona. O Congresso aprova o parcelamento de débitos fiscais (o Refis é apenas o mais conhecido), o presidente da República sanciona a decisão e o contribuinte inadimplente passa a ter o direito de fatiar a dívida em prestações a perder de vista e valores geralmente ínfimos.

    Para facilitar a compreensão das intenções anunciadas pelo capitão, tome-se um exemplo fictício. A empresa que detém a concessão da TV ABCD devia à União cerca de R$ 500 milhões de impostos não recolhidos. Decidiu aderir ao Refis – mecanismo destinado a regularizar débitos com o governo – e conseguiu parcelar a dívida com prazos de égua. A partir do dia em que pagar a primeira parcela, a empresa se livrará da condição de inadimplente e estará apta a obter da Receita Federal, em minutos, pela Internet, a cobiçada certidão negativa de débitos com a União. E enquanto estiver pagando as prestações em dia, poderá requerer, a qualquer momento, o nihil obstat da Receita comprovando que está quite com os cofres públicos. Se vier a prevalecer a ameaça do capitão, ao requerer a renovação da outorga da TV ABCD, a empresa proprietária do canal teria que ir à Receita e quitar, à vista, o saldo total da dívida original de R$ 500 milhões.

    Mas Bolsonaro se recusa a entender – como foi dito pelo Nocaute/Foicebook e, depois, pela Folha – que a renovação ou cassação da concessão é fruto de decisão do Congresso Nacional, que de costume aprova, com rapidez e na calada da noite, todos (sim, insisto, todos) os pedido de renovações de concessões para lá encaminhados. Além disso, qualquer mudança dos muitos mecanismos de quitação dos débitos também precisa ser aprovada pelo Congresso para que possa virar realmente uma regra. E a possibilidade de o Congresso aprovar um projeto dessa natureza é absolutamente nula, igual a zero.

    O Congresso Nacional, especialmente nos últimos anos, aprovou mais de uma dezena de sistemas de refinanciamento de dívidas, cada um mais generoso que o anterior. Só para se ter uma ideia da cordilheira de dinheiro que o mecanismo e seus similares movimentam, no ano de 2018 esse perdão disfarçado custou aos cofres públicos a estratosférica cifra de R$ 62 bilhões. Mesmo que isso represente um rombo no Orçamento, o que diz a lei é que após negociar um parcelamento de dívidas dentro das condições estabelecidas, o contribuinte regulariza sua vida com o fisco. O capitão deveria saber que jamais conseguirá votos suficientes para mudar esse sistema. Até as dezenas de congressistas da chamada “Bancada BBB – Bala, Boi e Bíblia”, seus fieis apoiadores, têm muito mais adeptos de parcelamentos do que de endurecimento das regras. E, por fim, se está em vigor uma lei autorizando o parcelamento, e considerando como regular a situação do contribuinte que adere a ela, mudar isso é inconstitucional e o Supremo derrubaria a ameaça em poucas sessões.

    Na verdade, é pouco provável que Bolsonaro ouse enviar ao Congresso essa proposta de endurecimento das regras. E perguntar, como se sabe, não ofende: será que a Rede Globo tem dívidas fiscais parceladas pela adesão a algum desses refis? Certamente tem. E as demais empresas do setor? Com certeza, sim. Portanto, o pau que bater em Marinho também baterá em Macedo, Saad e Abravanel. Uma bravata do capitão para intimidar a Globo afetaria, em uma avaliação conservadora, mais de 90% do setor. Alguns executivos do mundo da radiodifusão ouvidos por Nocaute/Facebook acreditam que todas as grandes redes do ramo, sem exceção, estão de alguma forma penduradas em um refis. É evidente que uma proposta dessas dificilmente será enviada ao Congresso. E se for, seu destino será o eterno repouso no fundo de uma gaveta.

    Saudosa do mar plácido em que navegou em seus primeiros cinquenta anos de vida, sem nunca ter sido importunada por qualquer governo, nem mesmo os dois do PT, a Globo já embicou a proa de seu transatlântico para 2022. O tratamento amistoso dado por seus telejornais ao ex-juiz Sérgio Moro mostra um jogo aparentemente sinuoso, mas que a cada dia deixa mais claras suas simpatias pelo ministro da Justiça de Bolsonaro. Sem nada de errática, a postura pró-Moro da Globo ficou evidente nos últimos dias. Após a sanção, pelo capitão, da instituição do Juízo de Garantias, Sérgio Moro manifestou-se claramente contra a medida, permanecendo indiferente a ataques pesados contra o presidente nas redes sociais (“traidor” foi a palavra mais usada). No dia seguinte à sanção, o jornal O Globo publicou editorial esculhambando a decisão do presidente. Ou seja, enquanto Bolsonaro chama a Rede Globo para a briga, os Marinho cevam aliados na cozinha do presidente.

    A despeito das alterações provocadas pelo advento da TV por assinatura e, agora, pelos serviços de streaming, que fornecem filmes e shows por assinatura e podem ser acessados pela Internet, o setor de radiodifusão ainda é importante e continua com enorme peso empresarial e social no país. Em breve teremos a Internet 5G (que já é uma realidade na China), com velocidade muito maior e qualidade muito superior aos sistemas atuais, o que vai impulsionar esses serviços via Internet e causar ainda mais alterações. Todos esses serviços demandam regulação equilibrada por parte do governo, que até o momento não piou nem miou para o assunto.

    Como disse no artigo anterior, a Globo, que continua inimiga do Brasil e dos brasileiros, não precisa de censura nem de intimidações. Precisa de regulação. Mas seguro morreu de velho, poderia dizer o fundador do império, Roberto Marinho, falecido em 2003 aos 98 anos. Assim, é fácil perceber, no dia a dia da TV Globo e suas associadas, que os Marinho são os únicos, em todo o setor de radiodifusão brasileiro, a já disporem de um serviço de streaming ativo e no ar, preparando-se desde já para disputar esse mercado. Então, a Globo deverá pedir e precisa muito das renovações de suas concessões. Pode ser a última vez em que isso seja tão importante para ela.

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