TV Cultura será pública ou partidária do PSDB?
Sob a presidência do grão-tucano Marcos Mendonça, TV Cultura pede mais verbas ao governo do Estado para atingir a classe C; mudança no Roda Viva troca Mario Sergio Conti, ex-diretor de Veja, para a volta de Augusto Nunes, ex-redator chefe da mesma revista; hoje blogueiro de Veja, Nunes especializou-se em disparar vitupérios sobre o ex-presidente Lula e todo o chamado campo progressista; com Mendonça e Nunes, pauta do Roda Viva será honesta?
Marco Damiani _ 247 – Dezoito anos atrás, fiz parte da bancada que entrevistou Lula no programa Roda Viva, ainda não presidente da República. Anuncia-se agora, no contexto de uma forte guinada nos rumos editoriais e estratégicos da TV Cultura, o início dessa mudança pelo mesmo Roda Viva.
Confira trecho da entrevista:
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/21/entrevistados/luiz_inacio_lula_da_silva_1995.htm
Está confirmado o afastamento, por motivos não explicados, do jornalista Mario Sergio Conti do comando do programa, principal jornalístico do canal. Conti, ex-diretor de redação da revista Veja, devolveu relevância àquele foro eletrônico de entrevistas, cujo formato foi criado por Roberto Muylaert, acertando na mosca da pauta. Ele foi derrubado pelo atual presidente da Fundação Padre Anchieta, o grão-tucano Marcos Mendonça.
As primeiras informação, até aqui não confirmadas pela emissora, dão conta da volta do jornalista Augusto Nunes à apresentação do Roda Viva. Atualmente, ele é blogueiro do site da revista Veja, no qual se especializou em disparar vitupérios, ironias e chutes de bico contra muito do que se move no chamado campo progressista mas, especialmente, do ex-presidente Lula – certamente o maior representante individual desse setor político.
Lula, com Nunes, poderia voltar a falar no Roda Viva? Haverá espaço para ele ou outros personagens de destaque na sociedade que não se alinhem ao eixo Veja-PSDB? O projeto que vai sendo executado por Mendonça permite levantar esse tipo de dúvidas?
Neste momento, o ex-secretário da Cultura dos governos Mario Covas e Geraldo Alckmin pede mais verbas a Alckmin para redirecionar a Cultura para a classe C, buscando uma ampliação de audiência e influência política.
A troca no Roda Vida está no centro desse projeto, por se tratar, de longe, do programa de maior repercussão da emissora. O nome de Nunes ainda não foi confirmado talvez pelo peso que ele, neste momento, acarrete. Até mesmo para um projeto de comunicação que poderá ser mais partidário do que público, o nome dele pode soar como estreito demais.
Mendonça, por seu lado, é um grão tucano. Foi vereador, presidente da Câmara Municipal, secretário estadual de Cultura em dois governo, deputado federal e, desde este ano, manda na Padre Anchieta. Ele fez fama ao ser o coordenador da reforma da Sala São Paulo, com preço recorde.
As receitas totais previstas para 2013 para a Fundação Padre Anchieta são de de R$ 194,2 milhões --sendo R$ 82,8 milhões repassados pelo Estado e o restante de recursos próprios
O antecessor de Marcos Mendonça, João Sayad, deixou o cargo, no início do ano, marcando sua posição com um artigo classificado "Taxonomia de Ratos", publicado no jornal Folha de S. Paulo. Nele, bateu duramente no que classificou como corrupção dentro do governo do Estado de São Paulo.
Abaixo, o artigo:
JOÃO SAYAD
Taxonomia dos ratos
Se é impossível resolver, classificamos: o taxonomista é, antes de tudo, um resignado; convido a iniciar uma taxonomia da corrupção
Face a problemas insuperáveis, a ciência classifica.
Médicos classificam tumores em benignos, malignos, perversos ou dóceis. Zoólogos falam de baratas pretas, marrons, voadoras, cascudas ou molengas; ratos de rabo longo, camundongos, ratazanas, roedores urbanos e rurais. O método se chama taxonomia.
Se é impossível resolver, extinguir ou explicar, classificamos. O taxonomista é, antes de tudo, um resignado.
Convido o leitor a iniciar uma taxonomia da corrupção.
Existe a corrupção do fiscal, do policial, do oficial de justiça, do perito avaliador, do inspetor da prefeitura, do parlamentar. Esta é a malversação do tipo público. E a corrupção do setor privado, obviamente, faz par a cada uma das classes de corrupção do setor público.
Mas gêneros, espécies e subespécies ainda não foram bem definidos.
Contribuo, então, com uma classificação que, mesmo modesta, pode aumentar a produtividade dos caçadores de ratos, fabricantes de inseticidas e ratoeiras, auditores, corregedores, promotores, funcionários do Ministério Público, jornalistas e até gente do terceiro setor que ainda se incomode com o tema.
Dividiria a corrupção do setor público em dois grandes grupos.
A grande corrupção (chamemos de corrupção "a la grande") está associada a investimentos públicos enormes. É o mundo das negociatas impressionantes, das concessões viciadas, das toneladas de cimento.
O caso famoso do prédio do Tribunal Regional do Trabalho, na Barra Funda, em São Paulo, é bom exemplo. O prédio está lá. É grande, espaçoso e funcional. Pode-se dizer até que é bonito. Custou 160 milhões de reais a mais do que deveria ter custado. Mas está lá.
O culpado pelo desvio foi morar em Miami, comprou um monte de carros esporte e voltou preso. Quem ficou aqui acabou devolvendo em prestações o superfaturamento praticado. A relação custo-benefício, no final das contas, foi positiva: houve custo excessivo, mas o prédio, repita-se, ficou pronto.
As características desse tipo de corrupção são duas: primeiro, o bem público foi produzido e entregue. Depois, o valor subtraído ficou conhecido e teve limite. Acabou a obra, acabou o roubo. E os culpados mudam de ramo e nos deixam em paz, se não forem presos.
Existe também a corrupção pequena (de custeio, diriam os economistas): contrata parentes, compra papel higiênico superfaturado, orienta a criação de empresas de fachada para prestarem serviços, cria cooperativas para pagar funcionários terceirizados, faz acordo de "kick back" com os fornecedores e, principalmente, avacalha, paralisa, lasseia e termina por matar a organização que administra.
Esse tipo de corrupto "petit cash" instala-se em organizações públicas menores, nas quais pode atender a fisiologia e necessidades de financiamento eleitoral sem ser percebido de imediato.
Sangra a organização anos a fio, faz favores a seus superiores e enche-se de queijo de maneira paulatina e continuada. A alta administração do órgão se afasta e se esconde dos funcionários de carreira; o segredo e a confidencialidade passam a ser as regras na organização.
E os serviços públicos que seriam oferecidos vão perdendo qualidade, tornam-se irrelevantes. Os funcionários acabam deprimidos, pois não têm o que fazer, ganham mal e sabem que o "andar de cima" ganha bem por dentro e por fora. O resultado é o apodrecimento da organização até a morte definitiva.
O custo desse tipo de corrupção parece pequeno. Mas um desvio de 1 milhão por ano por tempo indefinido tem um valor atual elevado. Se a taxa de juros de desconto for de 7,5% ao ano, 1 milhão por ano custa ao contribuinte mais de 10 milhões.
Pior ainda, a relação custo-benefício é infinita: custa 10 milhões e não oferece nenhum benefício público. Não há adição, só subtração. É dez dividido por zero.
Não há um prédio, não há nada concreto no fim da linha, só há ruínas e desmoralização. E a sociedade fica sem o serviço público direito, enquanto centenas de funcionários passam anos em meio ao lixo.
Finalmente, esse tipo de corrupção tem um agravante.
Como é obtido em suaves prestações, não permite ao parasita fugir para outro país, ir morar na praia ou dedicar-se à criação de cavalos. O parasita permanece grudado na instituição hospedeira da qual suga o sustento por longos períodos, até que mudem os partidos no governo.
É uma corrupção mixa, que não produz fóruns, estradas ou pontes.
Proponho, a quem tiver paciência de continuar o trabalho de classificação, chamá-la de "corrupção brega". Minha vontade de prosseguir na tarefa acabou. Estou indignado.
JOÃO SAYAD, 67, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é presidente da Fundação Padre Anchieta
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