A vida imita o Cinema
Depois das falsas provas da existência de armas nucleares em poder de Saddam Hudsse, a espionagem americana não merece muito crédito
No filme Wag the dog (de 1998), o ator Dustin Hoffman interpreta um produtor de cinema que inventa uma guerra dos EUA contra terroristas albaneses.
A ideia era distrair a opinião pública americana, indignada por avanços sexuais do presidente sobre uma colegial nos jardins da Casa Branca.
No mesmo ano, o presidente Bill Clinton aparecia muito mal nas pesquisas devido a suas relações escandalosas com a garota Lewinsky.
Foi quando ele mandou bombardear uma fábrica na Etiópia, que estaria produzindo perigosos agentes químicos para a al Qaeda.
Mas era uma acusação falsa: verificou-se que se tratava de uma pacífica fábrica de aspirinas .
Na ocasião, alguns jornais publicaram foto de um civil etíope no meio dos escombros com um cartaz onde se lia: "Wag the dog".
15 anos depois, a história parece repetir o cinema.
Sofrendo pesados ataques na imprensa e no Congresso, o presidente Barack Obama anuncia ter comprovado que o governo sírio passou a linha vermelha: usou armas químicas contra os rebeldes.
Diante disso, afirmou que iria intervir na guerra de forma mais direta. Não ficou claro se estabelecendo uma zona livre de tráfego aéreo ou fornecendo armas aos rebeldes.
O ex-presidente Clinton, que tem experiência específica nesse tipo de estratagemas, teria antecipado a decisão presidencial, ao apelar dias atrás para que a Casa Branca entrasse em ação sem mais hesitações.
Evidentemente, não podemos jurar que essa interpretação é correta.
Há quem diga que foi o fato das tropas de Assad estarem em plena ofensiva, deixando seus adversários numa situação complicada, é que convenceu Obama a agir.
No ano passado, a sra. Clinton e o então secretário da Defesa, Leon Panetta, tinham pressionado insistentemente o presidente nesse sentido.
Ele resistia.
Pesavam contra a ajuda militar aos rebeldes a grande participação no seu exército de movimentos jihadistas, inimigos viscerais dos EUA.
Derrotado Assad, esses milicianos poderiam até assumir o poder. Mesmo que não conseguissem, mais cedo ou mais tarde, usariam as armas americanas contra os próprios doadores.
Obama preferia deixar a guerra correr, reforçando os setores secularistas do exército anti-Assad, na esperança deles acabarem expulsando os incômodos jihadistas.
Mas, eis que o governo sírio, com ajuda do Hisbolá, começa a virar o jogo. Suas vitórias se sucedem e a tendência é de derrota da revolução.
Com isso, seria perdida uma grande chance de enfraquecer o Irã, derrubando o grande aliado dos aiatolás no Oriente Médio.
Diante dessa indesejável perspectiva, Obama teria mudado de ideia: fechando com os falcões da Casa Branca.
Há ainda um a terceira interpretação possível.
Seria verdade tudo que Obama declarou.
Ele teria mesmo recebido provas cabais do comprometimento de Assad com armas químicas, decidindo-o a armar os rebeldes.
Acho um tanto duvidoso.
Há poucos dias o presidente americano tinha declarado que não achava suficientes as evidências dos governos francês e inglês de uso de gás Sarin pelo governo de Damasco.
É possível que nesse espaço de tempo a CIA tenha trazido novos fatos, desta vez inquestionáveis.
Lembro que, depois das falsas provas da existência de armas nucleares em poder de Saddam Hudsse, a espionagem americana não merece muito crédito.
Obama não conseguiu convencer os russos da validade dos fatos apresentados pela CIA. "Seria difícil até mesmo considerá-los fatos"., ironizou Ushakov, assessor de Putin.
É verdade que a posição governo de Moscou não pode ser levada muito em conta, pois, afina,l ele é parte interessada, como aliado do governo sírio. Parcial, portanto.
Mas o mesmo se pode dizer do governo americano, que, desde o começo da revolta, pregou a derrubada de Assad.
Para decidir se presidente sírio realmente usou o gás Sarin seria necessária uma análise independente.
A única que existe, de Carla del Ponti, investigadora de direitos humanos da ONU, é de que ,embora não haja evidências conclusivas, se alguém usou gás Sarin, provavelmente, teriam sido os rebeldes.
Contra Assad há sua proibição da entrada na Síria de uma comissão criada pela ONU, especialmente para investigar a questão.
Alega que a conclusão dessa comissão seria tendenciosa, pois nela não existe nenhum representante dos aliados China e Rússia, só de países indiferentes ou críticos do regime sírio.
Apesar de tantas considerações nada otimistas, Rússia e EUA ainda querem promover uma reunião para se discutir um acordo de paz.
Ela será inócua se os rebeldes continuarem se negando a participar e os EUA vetarem a inclusão do Irã, lógica pela influência desse país no, seu aliado, Assad.
No filme estrelado por Dustin Hofman, o truque dava certo. O povo americano acreditava na vitória dos EUA na falsa guerra contra os terroristas da Albânia. E o presidente era eleito.
Se a vida continuar imitando o Cinema, os grampos da espionagem americana serão esquecidos pela população.
O que acontecerá com a guerra da Síria não dá para aantecipar.
Ao contrário do que acontece no filme, ela é real.
Infelizmente, bem real.
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