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    A vida dos outros

    A República dos Dadás foi longe demais e a CPI é a oportunidade para dar um basta

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    Lançado em 2006, o filme alemão “A vida dos outros” retratava a história de um casal monitorado pela Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental. Obra-prima, o trabalho foi considerado pela National Review a melhor produção dos últimos 25 anos. No Brasil, transformado nos últimos anos na República dos Dadás, já não existe mais a vida privada – apenas a vida dos outros. Espiões, arapongas e policiais federais e militares de diversos estados alimentaram uma gigantesca indústria de grampos clandestinos. Quase sempre, gravações ilegais que, a posteriori, são esquentadas por meio de investigações formais que as “legalizam”.

    O sargento Idalberto Martins, o Dadá, é o retrato perfeito desse estado de coisas que, em outros países, provocaria crises institucionais seríssimas. Formado no serviço militar da Aeronáutica, Dadá migrou da área legítima de inteligência para o submundo. E hoje é o ponto de conexão entre duas CPIs que se desenrolam paralelamente: a de Carlos Cachoeira, no Congresso Nacional, e a da arapongagem, no Distrito Federal. Ambas com farto material sobre grampos ilícitos.

    Nos últimos anos, essa indústria só fez prosperar no Brasil, alimentando guerras políticas e empresariais. Num país como o nosso, onde o capitalismo de Estado avança a passos largos, todos são vulneráveis. Não há empresa, minimamente relevante no Brasil, que não mantenha relações frequentes com governos, em todas as esferas do poder. São contatos necessários e que, muitas vezes, dependem de relações pessoais. A impessoalidade, nas relações entre agentes públicos e privados, ainda é um ideal – não uma realidade.

    Esse ambiente cria as condições perfeitas para que todos sejam colocados sob uma permanente sombra de suspeição. Até porque, no Brasil de hoje, se dois indivíduos falam sobre uma terceira pessoa, esta também passa a ser questionada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, citado numa conversa entre Cachoeira e um assessor, sem que jamais tenha tido qualquer relação ou contato nem com um nem com outro. E aquilo que, em outras circunstâncias seria irrelevante, passou a ser utilizado por adversários políticos do ministro, que soube reagir à altura.

    Vale também destacar que essa indústria só prosperou no Brasil porque fechou uma aliança tácita com os meios de comunicação, na chamada “Era do Escândalo”, como definiu o jornalista Mario Rosa. A porteira foi aberta em 1998, quando alguns veículos decidiram publicar os grampos do BNDES, revelando bastidores do processo de privatização das telecomunicações, mesmo cientes de que eram ilegais. Dizia-se que o interesse público, contido nas gravações, se sobrepunha ao crime cometido por quem produziu as fitas.

    A reflexão que não foi feita, à época, era de que os interesses privados, de quem paga pelos grampos, são sempre mais fortes do que os interesses públicos – e acabam protegidos na relação de troca do submundo. Hoje, tanto tempo depois, a CPI também é uma oportunidade rara de reflexão não apenas sobre temas como o jogo ou o financiamento de campanha, mas também acerca dos limites da vida privada. Até que ponto que é legítima a divulgação de grampos ilegais por meios de comunicação? Em outros países, a prática já foi criminalizada há décadas.

    Outros países já aproveitaram situações parecidas para dar um basta a essa indústria de chantagens e achaques. Aqui, como nada foi feito nos últimos anos, o Brasil se transformou num dos países mais arriscados do mundo para a atividade política ou empresarial. A realidade concreta e objetiva é que qualquer pessoa, inocente ou culpada, pode ser presa a qualquer momento. Os brasileiros, todos eles, estão à mercê dos Dadás e dos Cachoeiras. Como eles, há muitos outros soltos por aí.

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