Concurso para virar milionário
Trabalhar para o Sarney, o sonho inconfessável de todo brasileiro
É claro que funcionários públicos devem ter bons salários e viver com dignidade, exercendo com plenitude todos os direitos garantidos pela lei. O que não parece tão claro é quando “viver com dignidade” passou a ser sinônimo de “virar milionário” e talvez tenhamos que voltar um pouco na história do país pra descobrir de onde vem essa mania de grandeza dos burocratas brasileiros.
Você já deve ter visto reportagens sobre parlamentares europeus que moram em apartamentos simples e têm salários modestos. O mesmo ocorre com os funcionários públicos, que ganham bem, mas nada de extraordinário. Quer dizer, servir ao Estado é mais só mais um trabalho, um trampo como qualquer outro. Quem quiser virar milionário que vá meter as caras na iniciativa privada ou virar artista e vender a alma ao diabo.
Não no Brasil. Pra juventude brasileira, virar tecnocrata de um tribunal pica-grossa ou analista do parlamento é algo como a-última-coca-cola-do-deserto em matéria de empregabilidade. Passe num concurso bem disputado e seja visto como um cara importante e cheio da grana. E depois vá almoçar feliz no self-service com o crachá pendurado no pescoço. Que orgulho da mamãe esse garoto.
Acham que estou exagerando? É uma conta simplória se pensarmos no recente concurso do Senado. Salários: de 13.000 a 23.000 reais. Vamos botar aí 20.000 de média. Sim, amigos, 20.000 R$ pra servir tão nobre casa. Vezes 13 salários, 260.000 por ano. E todos nós sabemos dos benefícios que aparecem como mágica no contracheque do felizardo. Resumindo: em pouco mais de 3 anos de casa, o funcionário terá amealhado seu primeiro milhão. Se investir direitinho, dobra esse valor fácil.
Em 10, 20, 30 anos de casa, quantos milhões terá juntado? O quão terá enricado? Por outro lado, o salário mínimo no Brasil é de 600 e poucos reais. Isso o nosso ilustre burocrata ganha em uma tarde de trabalho. Uma carimbada no ofício equivale a algo como uma tonelada de lixo recolhida pelo gari da esquina.
Caros, há como sempre uma razão histórica por trás desse disparate, desse crime a mão armada cometido contra o povo brasileiro. É em parte culpa da nossa mentalidade Ibérica, herdada dos reis católicos e de uma nobreza alienada, e em parte resquício do que Sérgio Buarque chamou de “confusão entre família e Estado.”
Além de ganhar os tubos, o funcionário público hoje é amparado por uma tal sorte de direitos e regalias (todos devidamente listados na lei 8.112) que fica mais protegido que o mais protegido dos mafiosos. Pra destituí-lo do cargo, só com um Processo Administrativo poderoso onde fique provado que o acusado errou (roubou, prevaricou, faltou repetidamente ao trabalho, etc), reincidiu no erro e depois ainda fez questão de errar de novo. E achou bonito fazer o errado.
Já no mundo real dos trabalhadores, uma faltinha que seja ou uma moedinha faltando no final do expediente são motivos pra expulsão sumária por justa causa. Que diferença. Que mundo dos sonhos, o funcionalismo público, no qual se ganha tanto e se é cobrado com tamanha dilatação de escrúpulos.
Uma conseqüência virulenta dessa esquizofrenia coletiva é que grande parte da juventude simplesmente deixa de empreender e arriscar na sociedade pra sentar e decorar leis de olho no salário de marajá que há de vir se os deuses forem justos. Mais de 160.000 pessoas se inscreveram no concurso pra disputar míseras 200 e poucas vagas. Mais de 600 candidatos disputando cada cargo, em média.
Desculpa se você fez a prova e está cheio de esperanças, mas provavelmente não vai passar nesse e nem em outro parecido. Não porque não tenha se preparado, a concorrência é que é cruel mesmo. Você poderia ter gasto o seu tempo em outras coisas, se é que aceita um conselho.
Não fosse tanta maluquice concentrada, eis que surge a notícia de que a prova foi mal formulada e que uma questão cobrava “qual era a amante de tal presidente norte-americano.” Sim, fofoca na prova do Senado. Quando a gente acha que já viu de tudo.
É sério: um amigo, executivo de uma multinacional, trabalha 14 horas por dia. Volta e meia trabalha fim de semana e feriado. Dá o sangue pela empresa e tem um salário, vá lá, bom: quase 10 paus. Aí ele olha pro lado e vê um cara trabalhar um quinto e ganhar o dobro. E pensa: “Será que tá certo esse troço?” Me digam, como motivá-lo? Como culpá-lo de sonhar com o bigodudo?
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